Lance havia entrado na sala do conselho havia alguns minutos. Iduna ficou do lado de fora, aguardando. Depois de mais algum tempo, ela foi autorizada a entrar.

— Bem-vinda ao Quartel General da Guarda de Eel. Eu sou a líder da Guarda Reluzente, Huang Hua. – Uma mulher de pele morena e cabelos curtos cumprimentava, indicando para que Iduna ficasse a frente da grande mesa que havia no recinto. Junto a ela havia mais algumas pessoas, um rapaz de cabelo preto e cicatriz no olho esquerdo, uma mulher de cabelo castanho com duas tranças, um senhor idoso, com cabelo e barba compridos, um ogro enorme, um rapaz jovem com orelhas de lobo e rabo espeço, uma mulher jovem de cabelo rosa, além do próprio Lance.

— Prazer em conhecer a senhora, eu sou Iduna Sonma.

— Senhorita Iduna, me foi dito que você é terráquea, mas tem sangue faery, está correto?

— Sim, senhora.

— Poderia contar um pouco sobre sua história, quero dizer, sobre sua família e vida na Terra.

— Bom, a minha família vem de uma longa linhagem de sacerdotes da deusa Inari, uma divindade da Terra. As kitsunes são consideradas mensageiras da deusa para os homens, por isso éramos sacerdotes nesse templo, éramos descendentes das kitsunes que ficaram na Terra quando os não-humanos fugiram da Terra e da perseguição dos humanos. Minha mãe contava que nossos ancestrais ficaram na Terra porque eles tinham pena dos humanos, apesar da guerra que havia contra os faerys, no vilarejo onde moravam, eles eram bem tratados porque eram os médicos lá. Sem eles, a vida dos humanos seria bem mais difícil, então eles ficaram camuflando sua aparência com magia.

— A senhorita possui conhecimento em magia, pelo que Lance nos relatou. Qual tipo de magia, especificamente? – A mulher com duas tranças perguntava com interesse.

— Eu tenho habilidade com magia elemental e um pouco de magia de cura. Quando estava na Terra, elas eram bem fracas, mas quando cheguei em Eldarya, ficou muito mais forte. Acho que é por causa da maana desse mundo. Na Terra, nos usávamos nossa própria força vital para controlar a magia. Como a maana está em toda parte aqui, não preciso usar minha força vital. Mas eu não tenho certeza se é isso mesmo, é só uma teoria que eu pensei baseada no meu tempo aqui.

— Na verdade, isso até que faz sentido. Poderia demonstrar para nós um pouco da sua magia?

Iduna olho para a líder, procurando autorização. Ela assentiu com a cabeça e então a faery escreveu o ideograma 風 (vento) no ar a sua frente. De repente, uma rajada de vento leve soprou pela sala e Iduna fez algumas folhas de papel dançarem perante os presentes. Todos estavam admirados com a habilidade da terráquea.

— Esses símbolos que você desenha no ar, o que são?

— São ideogramas japoneses. É a idioma que eu falo na minha terra natal. Eu aprendi magia usando-os, para summonar o poder do elemento tenho que escrever a invocação, o nome do elemento.

— A senhorita diz que descende de kitsune. – O rapaz de cabelos preto e cicatriz falou. – Está usando uma magia de ilusão pare esconder sua aparência real?

— Na verdade, essa é minha verdadeira forma. O sangue da minha família foi misturado ao de humanos por tantos anos que eu acabei nascendo com aparência 100% humana.

— Então você pode estar mentindo sobre ter sangue kitsune. – O rapaz da cicatriz estava desconfiado.

— Ela não está mentindo, Nevra. Eu posso ver na aura dela. Ela tem a aura de uma kitsune, com orelhas e rabo, apesar de não os ter fisicamente. – Huang Hua interveio. – Muito bem, Iduna Sonma, imagino que você pretenda ficar no QG. – A jovem fez que sim com a cabeça – Gostaria que a senhorita considerasse se tornar membro da nossa guarda, como um soldado. Alguém capaz de derrotar caçadores faerys e ainda tem habilidades mágica seria de grande valia para nós.

Iduna parecia surpresa com a proposta, mas concordou. Não era como se ela tivesse um lugar para voltar. Todos com quem ela havia criado laços nos últimos dois anos ou estavam mortos ou estavam na Cidade de Eel. Uma batida na porta foi ouvida e uma bela jovem de cabelo castanho e longo entrou.

— Iduna, esta é Erika. Assim como você, ela é uma faery terráquea. Ela vai lhe ajudar a se acomodar e a fazer o teste para sua guarda. Estão todos dispensados.

Iduna observou a jovem simpática que sorria para ela e sorriu de volta.

— Eu me chamo Erika. É um prazer conhecer. – A jovem estendeu a mão para cumprimentar.

— Eu me chamo Iduna, o prazer é meu. – Iduna disse estendendo a mão de volta para apertá-la.

— Já está na hora do almoço, vamos comer e conversar, o que acha? – Erika propôs.

— Parece ótimo, ainda não comi nada hoje.

As jovens seguiram para o refeitório do QG. Estava bem cheio, então pegaram sua refeição “para viagem” e seguiram para a Cerejeira Centenária. Sentaram-se em uma mesa a sombra.

— A Chefe de vocês me pediu para ser um soldado da guarda. Como isso funciona, na prática quero dizer?

— Sim, a Huang Hua me disse que estava pensando nisso quando soube da sua história. Pois bem, nós temos 4 guardas: Guarda Sombra, Guarda Absinto, Guarda Obsidiana e Guarda Reluzente. Cada uma tem uma especialidade. A Guarda Sombra é especializada em exploração e espionagem, além de informação e inteligência. A Guarda Absinto é especializada em alquimia, é responsável pela fabricação de poções, pomadas e antídotos. A Guarda Obsidiana é especializada em combate e pelo treinamento de novos soldados em lutas corpo-a-corpo e manuseio de armas. Todas essas são subordinadas a Guarda Reluzente que é responsável por toda a administração do QG, tendo a líder, Huang Hua, o braço-direito dela, os líderes das guardas e os responsáveis pela saúde, educação e segurança do QG.

— Então é como se a Huang Hua fosse o presidente, os membros da Reluzente os ministros e as outras guardas os ministérios.

— É uma boa analogia.

— Certo, então eu tenho que me inscrever para alguma dessas guarda, certo?

— Mais ou menos. Temos um teste que os novos recrutas fazem e, baseado no resultado, a pessoa é encaminhada para a guarda. Ele é aplicado na biblioteca pelo responsável de lá. Acredito que você pode ir depois do almoço. Já devem ter avisado sobre você.

— Ok, farei isso.

— Vamos terminar de comer que eu te mostro resto do QG. - Após o almoço, Iduna e Erika caminharam por todas as áreas principais da cidade, jardins, refúgio e mercado. Dentro do QG, Erika indicou onde ficava as áreas importantes, laboratório de alquimia, forja, enfermaria, alojamentos e terminaram na porta da biblioteca. - Aqui finalizamos nosso tour, qualquer dúvida não hesite em perguntar.

— Muito obrigada pela sua ajuda, espero corresponder às expectativas da Huang Hua. - Com um aceno, Erika seguiu seu caminho, enquanto Iduna abriu a porta da biblioteca. Ao entrar, procurou o responsável e viu um ser alto com um longo cabelo preto que caia pelas costas e que parecia quase humano da cintura para cima, se não fosse as quatro patas e corpo de cavalo que tinha da cintura pra baixo. A jovem se deteve um momento para admirar a criatura, que só havia visto em livro, real e viva a sua frente. O centauro guardava alguns livros e notou a presença da jovem.

— Você deve ser a recém-chegada. Eu sou Shion. Você veio fazer o teste, certo?

— Sim, me disseram que tem que fazer para eu entrar para alguma guarda. Eu me chamo Iduna.

— Ok, é bem simples. Vou te dar um questionário com algumas perguntas e baseado nelas você será designada, portanto seja honesta nas suas respostas. - Shion deu o questionário a jovem. - Qualquer dúvida você pode me perguntar.

Após algumas perguntas sobre coisas de Eldarya que Iduna não conhecia, ela entregou o questionário ao centauro, que marcou os pontos e falou.

— Pelo seu questionário, a sua guarda será a Obsidiana. Leve esse documento para o Chefe da Guarda para se apresentar. Ele deve estar no campo de treinamento próximo dos jardins. Essa é a chave do seu quarto e você terá um salário trabalhando na guarda. Preenche esse formulário com algumas informações para cadastro e você será oficialmente um membro da guarda de Eel.

— Nossa, é mais burocrático do que eu esperava. - Iduna achava graça das semelhanças entre a burocracia da Guarda de Eel e a Terra. Ela pegou sua ‘carta de apresentação’ e seguiu para o campo de treino. Enquanto caminhava, pensou em tudo o que havia passado desde que chegou em Eldarya, amizades feitas e perdidas, a vida banal que tinha nas terras de Jade, mas que foi tirada dela pelos caçadores de humanos e o sufoco que passou com Yuka nos últimos meses. Ela sentia um ímpeto dentro de si crescer, uma vontade de lutar por justiça. Mas também se sentia culpada por querer ter uma boa vida, mas deixando sua família na Terra para trás. Foi tirada desses pensamentos ao ouvir o tilintar de metal e percebeu que estava perto da área de treino. Seguiu o som, torcendo para que pudesse fazer justiça a todos os amigos perdidos.