Iduna observou o campo de treino. Diversas pessoas, de idades, sexo e raças treinavam. Uma sensação familiar veio a sua mente, lembrava dos tempos que treinou artes marciais no dojô de seus avós. Ela correu o olho pelo campo e observou Lance lutando com um rapaz de cabelo castanho e armadura vermelha. Ele poderia até passar despercebido, como um garoto normal na Terra, mas naquele lugar com seres fantásticos, era ele que destoava dos demais. A recém-chegada se aproximou deles e Lance interrompeu o treino, olhando para Iduna, esperando que ela dissesse o que queria. Ela lhe mostrou a carta que Shion lhe dera na biblioteca. Ele a leu rapidamente e olhou para moça.

— Então você foi designada para minha guarda. Sabe lutar com alguma arma ou combate corpo a corpo?

— Eu sei lutar judô, kendô e aikidô com bastão. – Iduna respondeu, mas Lance parecia não entender do que ela falava.

— São técnicas de artes marciais da Terra, Lance. São muito boas e eficazes. – O rapaz de cabelo castanho se aproximou de Iduna. – Prazer, eu sou o Matheus. Eu sou humano da Terra, como você.

— Eu sou a Iduna, prazer em conhecer.

— Ok, chega de papo. Temos que treinar. Matheus, termine o treino com outra pessoa, tenho que avaliar ela. – Matheus pegou sua espada e foi treinar com outro recruta. Lance voltou-se para Iduna. – Vamos lutar juntos e você me mostra o que sabe. Pode vir com tudo.

— Ok, você que manda. – A jovem se colocou em uma postura de luta. Lance assumiu uma postura defensiva. Iduna avaliou o oponente por alguns segundos e atacou com um soco tão rápido que Lance quase não conseguiu desviar. Visivelmente surpreso, o Chefe da Obsidiana foi pra cima da recém-chegada, que aparou seu golpe e desviou graciosamente. Ele parecia impressionado com a habilidade da jovem. Ela, por sua vez, atacou novamente, mas dessa vez ele conseguiu defender. Trocaram mais alguns golpes, ambos dando seu máximo na batalha. A luta chamou a atenção de todos em volta, que pararam seus treinos para observar o desenrolar da disputa entre Lance e Iduna. Estavam lutando a quase 15 minutos, quando, por descuido, Lance abriu a guarda e Iduna encaixou um belo soco de direita na cara do chefe da guarda. Ele foi direto pro chão, ofegando pelo esforço. A jovem estendeu a mão para ajudá-lo a se levantar. Ele aceitou e se pôs de pé.

— Você é mais habilidosa do que eu esperava. Estou impressionado. Sua técnica é impressionante, seu mestre na Terra devia ser muito bom.

— Ele era sim, meu avô me ensinou judô e aikidô e minha avó me ensinou kendô. – Iduna percebeu a cara de interrogação de Lance e tratou de explicar. – judô é uma técnica baseada em movimento de defesa e de usar a força do adversário com ele, o aikidô também se baseia nesse princípio. O kendô é a arte marcial com uso da espada, a katana.

— Então você ainda sabe luta com uma espada. No fim, foi uma boa coisa você ter vindo pra cá.

— Se o chefe da guarda acha isso, acho que posso me sentir lisonjeada. – Iduna sorriu para o rapaz que deu um sorriso de volta.

— Certo, com essa avaliação preliminar da suas habilidades, já consigo atribuir algumas missões pra você nos próximos dias.

— Missões? – foi a vez de Iduna fazer cara de interrogação. Lance começou a explicar.

— Cada guarda tem uma atribuição, a Obsidiana é, basicamente, a força de combate e defesa. Somos responsáveis pela patrulha do território, escolta de equipes e defesa de populações de reinos ou países que nos solicitam ajuda. Todo membro da guarda tem missões que deve cumprir, variando de coisas simples como patrulhar a parte externa do QG ou coletar suprimentos até coisas mais complexas e difíceis como defender território de aliados contra seus inimigos ou escoltar algum emissário em território hostil. Ao fim de cada missão, você deve fazer um relatório da missão, informando o desenvolvimento, além do sucesso ou fracasso. Isso é importante, não pode esquecer.

— Ok, fazer relatório após missão. Vou lembrar, mas você dá essas missões pessoalmente?

— Não, os pedidos de missões são deixados na biblioteca. Elas são classificadas por nível e cada soldado é classificado com um nível também. Com isso, ninguém pega uma missão que seja maior que suas habilidades. O Shion cuida de atribuir a missão ao soldado de acordo com a classificação que eu dou a cada um.

— Por isso que você quis lutar comigo, agora entendi melhor. E qual a minha classificação?

— A principio, acho que vou te colocar no nível 3. As missões vão de nível 1 a 5, onde 1 são as mais simples e 5 as mais complexas e que precisam de mais perícia. Mas como você acabou de entrar, deve ter muitas missões de nível 1 e 2, para adaptação a rotina. Todo dia passe na biblioteca pela manhã e verifique se tem alguma missão para você. Se não, pode usar seu tempo livre como quiser, treinando, descansando ou encontrando amigos. Agora eu preciso ir. Tenho que resolver uns assuntos. Pode continuar treinando se quiser. – Com um aceno, Lance se despede.

Iduna olhou em volta. Viu um tipo de saco de pancadas e foi treinar suas técnicas de luta. Ao seu lado, um rapaz jovem, no máximo de 17 anos tentava imitar seus golpes, mas fazia de maneira tão errada que Iduna temeu que ele tivesse uma lesão. Ela foi até o garoto pra ajudá-lo.

— Se você quer aprender a lutar, precisa primeiramente de postura. Quando for socar alguma coisa, deixe o pulso firme, se não pode ter uma lesão ou até quebrar o pulso. Vem aqui, dá um soco na minha mão. – Iduna estendeu a palma da mão a sua frente, o garoto fez uma postura lamentável e deu um soco igualmente lamentável. – Esse soco foi terrível, vem aqui, eu te ajudo. Postura básica de combate, pernas firmes, uma mais a frente que a outra, pra criar uma boa base de apoio, um braço próximo ao corpo e o outro mais distante, assim um será sua defesa e o outro seu ataque. Quando for socar não estique o braço direto, para um soco ter mais força, você pode usar a energia gerada pelo seu próprio corpo. Veja como eu faço. – Iduna se moveu lentamente, mostrando ao rapaz como ela rotacionava o corpo começando pelo pé, seguindo pelas pernas e quadril, girando o tórax e finalizando com o braço. – Percebeu como todo o meu corpo seguiu um movimento fluido, indo dos meus pés até a minha mão para dar o golpe. Toda essa energia acumulada com o movimento do corpo é liberada no momento do soco e isso deixa ele mais forte. Faz você agora, eu te ajudo com a postura.

O garoto repetiu os movimentos de Iduna, que corrigiu algumas vezes, até que ele fez corretamente. A recém-chegada pediu para ele acertar um soco novamente em sua mão, mas agora com a técnica. Ele acertou em cheio, mas forte do que antes.

— Percebeu a diferença. Tudo é uma questão de ter a técnica e treina-la.

— Por favor, me treine! – O garoto se ajoelhou para Iduna, com rosto pra baixo.

— Calma garoto, não precisa de tanta formalidade, eu te ajudo sim, levanta. A propósito. Eu me chamo Iduna. Qual seu nome?

— Eu me chamo Van.

— Certo Van, vamos treinar. – Iduna passou o resto do dia treinando com o rapaz, golpes, defesas, posturas. Ela ensinava o básico a ele, mas o garoto estava maravilhado com a perícia da jovem. Outros recrutas pararam para observar o treino e acabaram se juntando a eles. A professora não se importava, quanto mais gente, mas trabalho ela teria e poderia ocupar a mente e o tempo enquanto não era lhe dada nenhuma missão. Tinha uns 10 rapazes, entre garotos e jovens adultos. Apenas quando a noite caiu e parou para descansar, percebeu que estava com fome. Van se ofereceu para ir com ela até o refeitório e ela aceitou. Se sentaram na ponta de uma mesa e conversavam sobre a rotina no QG quando viram alguém se aproximar.

— Então você é a humana com sangue kitsune. É uma pena que não tenha as orelhas e um rabo, você seria uma raposa linda. – Uma kitsune se aproximou, seus cabelos e pelos eram brancos, tinha os olhos azuis e Iduna pode contar 9 caldas nela, o que deixou a recém-chegada boquiaberta.

— Kyuubi... – Iduna sussurrou, com o olhar fixo na jovem kitsune branca.

— Não, não. Eu me chamo Koo-ri. – Ela disse seu nome separando as sílabas e tocando no nariz de Iduna a cada sílaba. Aquilo tirou Iduna do estado de espanto.

— Desculpe o mal jeito, eu me chamo Iduna. Mas é que ver uma kyuubi pessoalmente é muito incrível.

— O que é essa kyuubi que você está me chamando? – Koori estava confusa.

— Às vezes esqueço não os conhecimentos da Terra e de Eldarya são diferentes, me perdoe. No meu país, na Terra, temos o mito das kitsunes, mensagerias da deusa Inari que traz mensagens aos humanos e ligam o mundo dos homens e dos deuses. – Koori e Van pareciam interessados. – As kitsunes nasciam com apenas uma calda, mas a cada 100 anos, uma nova nascia. Uma kitsune que vivesse pro 900 anos seria elevada ao status de Kyuubi no kitsune, raposa de 9 caldas, ela ganha a habilidade de poder ver e ouvir tudo em qualquer lugar no mundo, também adquire sabedoria infinita, a onisciência. Ver você aqui é como ver um mito vivo.

— Uau, os humanos adoram exagerar nas histórias, mas dessa até que eu gostei. As kitsune de Eldarya são um pouco diferentes. Nós já nascemos com a quantidade de caldas definida, mas, de fato, temos uma vida longa. A parte de ver e ouvir tudo é mito, e não sei quanto aos outros, mas certamente tenho sabedoria infinita.

— E modéstia infinita, certamente. – Matheus chegou por traz de Koori, debochando dela.

— É claro, sou muito modesta, mas também não posso mentir. Então só me resta admitir a minha magnificência. – Koori fazia cara de pesar, visivelmente fingida. Todos caíram na gargalhada com aquela encenação.

— Iduna, vi seu treinamento com o Lance e depois os outros recrutas. Você luta muito bem. – Matheus comentou.

— Pois é, ela é uma ótima professora. Finalmente consegui dar um soco descente. – Van falava animado. – Amanhã vamos treinar de novo, certo Iduna?

— Sim, claro. Se eu não tiver nenhuma missão. Matheus, você também é da Guarda Obsidiana? – Uma expressão de pesar surgiu na face do rapaz, mas chegou a responder, Koori foi mais rápida.

— Eu e o Matheus somos da Guarda Absinto, mas ele acha que está na guarda errada desde que entrou. – Koori parecia se divertir com a insatisfação do colega de guarda.

— É claro que eu estou na guarda errada! Eu sou péssimo em alquimia e prefiro combate corpo a corpo. Todo por causa daquele teste. Eu tinha acabado de chegar em Eldarya, como eu poderia responder aquele questionário de forma consciente. Eu saiu chutando e dei bola fora.

Iduna e seu novos companheiros continuaram conversando. Depois do jantar, Van mostrou a ela onde ficavam os alojamentos e os banheiros. A jovem encontrou uma muda de roupa no seu quarto com um bilhete: “Considere um presente de boas vindas. Ass. Erika”. Ela pensou que deveria agradecer a Erika da próxima vez que a visse. Deitou na cama, cansada não só pelo dia, mas pelos últimos meses que haviam passado. Dormiu imaginando o que o destino reservava para ela nesse novo lugar.