— Leiftan! Você só tinha UM trabalho! – Nevra gritava enquanto enfrentava 3 bandidos de uma vez.

— Fácil falar, mas não é como se eu tivesse deixado eles passarem por querer. – O aengel retrucou, derrotando dois oponentes e se defendendo de mais um.

— Concentrem-se na luta, discutam depois. – Lance tentava impor ordem em meio ao caos.

Quando o bando de caçadores chegou perto da armadilha, Lance, Leiftan e Nevra fizeram a emboscada, mas diferente do que Nevra havia estimado, o grupo era bem maior do que havia previsto. Houve uma divisão do bando, metade ficou para enfrentar eles e a outra metade seguiu caminho para a cidade liderados pelo lobisomem, para cumprir seu objetivo. Boa parte dos oponentes já havia caído, mas eles eram mais habilidosos do que o grupo de Nevra esperava e aquela disputa já estava se alongando de mais. De repente, um dos oponentes de Nevra cai, sem que ele tivesse atingido. Por detrás do bandido, Iduna apareceu com sua katana em punho. Os rapazes não tiveram tempo de ficar surpresos, os bandidos restantes não davam trégua. Após mais alguns minutos e ajuda de Iduna eles conseguiram derrotar com todos.

— Temos que alcançar o segundo grupo que foi para cidade. - Lance avisou e todos correram pela estrada.

— Por que não está com Erika e Matheus? - Leiftan perguntou, intrigado.

— Eu sou mais útil aqui. - Iduna respondeu, secamente.

— Mas ignorou as ordens de um superior, quando isso acabar, vamos conversar. - Lance soou repressivo, mas Iduna apenas concordou, sem demonstrar descontentamento. Ela estava focada em alcançar os caçadores de humanos

Os quatros correram o máximo que podiam para alcançar o bando. Conforme chegavam próximo a cidade, mas alto o tilintar de metal ressoava. Logo o grupo viu o segundo bando de bandidos que passaram por eles. Iduna começou a ficar ainda mais séria e com um olhar mais temível, ela estava tomada pelo ódio e vingança. Ela correu ainda mais rápido, deixando os seus companheiros para trás, enquanto chegava mais perto dos inimigos desenhava o ideograma 風 (vento) no ar com os dedos e usou sua magia para se lançar no ar, por cima do grupo de bandidos, jogando a garota exatamente em cima do lobisomem, que era o líder do bando. Durante a queda, ela sacou a katana para dar um golpe certeiro no lobisomem, mas ele desviou no último instante, pressentindo o ataque.

— Eu vou matá-lo pelo que fez nas Terras de Jade. - Iduna anunciou com a katana em punho. O lobisomem olhava com um misto de surpresa pelo ataque e confusão sobre o que aquela espadachim falava.

— Ahhh... eu me lembro de você. - Ele disse ao recordar o rosto de Iduna. - Não é todo dia que se via uma humana maga. Perdi muitos subordinados naquele dia.

— Queria ter matado mais de vocês, mas matar você vai impedir que destruam mais vilarejos.

— Então venha. - O Lobisomem disse, com um sorriso perverso no rosto. Ele empunhava uma espada khopesh¹ com lâmina negra.

Iduna e seu oponente cruzaram espadas e a jovem percebeu o quão mais forte seu oponente era. A batalha ocorria em volta deles, mas ambos estavam concentrados em sua própria batalha. Usando uma esquiva, Iduna fez o lobisomem se desequilibrar, enquanto ele tentava manter o equilíbrio, ela sacava sua wakizashi e foi para cima dele com suas duas armas em punho. Ela desferia golpes em sequência e não dava chance para que ele contra-atacasse. Com um movimento certeiro, o lobisomem desarmou Iduna de sua wakuzashi, sobrando apenas a katana. Se vendo cansada da luta e sem muita opção, Iduna desenha no ar o ideograma 火 (fogo). Uma bola de fogo surge em sua mão e ela a lança contra seu inimigo. Ele se defende, usando um soldado do reino perto dele como escudo. Iduna desiste do fogo e parte para cima do lobisomem novamente, ela usa sua esquiva e técnicas com a espada e consegue fazer um corte no braço do lobisomem. Esse golpe renovou as esperanças da meia-kitsune na vitória. Ela continuou atacando e de repente acertou um corte no ombro. Ele parecia irado e ela se sentia confiante. A batalha ao redor já estava bem menor, os inimigos quase todos já haviam caído, mas Iduna e o Lobisomem ainda batalhavam. Foi quando a jovem deu mais uma investida, mas o inimigo desviou no último instante, acertando a jovem com um golpe em suas costelas, atravessando a espada por seu peito, sem atingir o coração, mas pegando o pulmão esquerdo, além de desarmá-la. Sem nenhuma arma e caída no chão, Iduna tentou se pôr de pé, já cansada pela batalha e o ferimento. O Lobisomem a puxou do chão com uma mão e agarrou seu pescoço com a outra, sufocando a jovem. Ele a levantou acima do chão com uma força assustadora, a garota sufocava aos poucos e agarrava o braço que a segurava. Ele olhou para todos no campo de batalha, se sentindo triunfante, mesmo tendo perdido todo o bando. Foi quando ele olhou pra Iduna, que, ao contrário do que ele esperava, mostrava um sorriso.

— Morra, filho da puta. - As palmas da mão de Iduna clarearam com o fogo e em poucos instantes, o braço e metade do tronco do lobisomem se incendiaram. Ele a soltou, tentando apagar o fogo que pegava em seu corpo. A jovem controlava o fogo e fazia ele pegar no resto do corpo dele e ele gritava com as queimaduras. Ela queria vê-lo queimar. Foi quando uma rajada de água veio por de trás dele, apagando o fogo de Iduna. Ela olhou para quem havia feito isso, acreditando se tratar de mais um inimigo, mas era Mayuri que havia feito aquilo. A jovem olhou confusa com a atitude da companheira, mas não teve tempo de questioná-la, pois desmaiou devido ao esforço e o ferimento.

Já era dia alto quando Iduna acordou. Ela julgou estar em uma enfermaria, visto os demais leitos ao seu redor com pessoas feridas. Ela tentou se levantar, mas sentiu uma pontada no peito, onde havia sido atingida pelo lobisomem. Pondo a mão na ferida, a lembrança do dia anterior veio a sua cabeça. Lembrou da batalha, de como havia quase perdido, mas se salvou com sua magia no último minuto, e como seu oponente havia sido salvo por Mayuri no último instante.

— Vai ficar dolorido um tempo, mas a poção que eu te dei já curou boa parte da ferida, era um corte bem feio e umas duas costelas quebradas.

— Você o salvou. Por que fez isso? – Iduna perguntou sem olhar para alquimista.

— Ele era o líder dos caçadores de humanos. Ele é muito mais útil para nós vivo do que morto. Precisamos das informações que ele tem, ele precisava viver. - A garota ficou em silêncio, ela sabia que era verdade. Ela queria se vingar pelos amigos que perdera nas Terras de Jade, estava cega pelo ódio e vingança e não pensou com estratégia. Iduna se levantou, apesar da dor no peito. Mayuri disse antes dela sair da enfermaria. – Lance disse que quer falar com você assim que possível e pelo jeito dele, se prepara para o sermão.

A jovem saiu do prédio e atravessou o pátio de treino dos soldados. A enfermaria ficava na caserna dos cavaleiros do reino, um prédio anexo ao castelo. Enquanto Iduna seguia para saída, os soldados a olhavam, muitos com admiração, mas alguns com medo ou pena. Ela só queria sair dali, sempre odiou ser o centro das atenções. Saindo do prédio, deu de cara com Lance e Nevra, que ficaram sérios quando a viram.

— Vou resolver uns assuntos com o rei Edwin, vejo vocês depois. – Nevra saiu, deixando Lance conversar com sua subordinada.

— A quanto tempo se levantou? – Ele perguntou.

— A uns dez minutos. – Ela respondeu, olhando para o chão.

— Olhe para mim quando falar comigo! – Iduna se endireitou e o olhou nos olhos.

— Levantei a dez minutos.

— Já comeu algo?

— Ainda não.

— Vem comigo. – Lance voltou para o prédio dos cavaleiros, sendo seguido por Iduna, que voltou a ficar desconfortável com os olhares que caíra sobre ela. Os dois chegaram em um refeitório onde vários soldados se serviam de uma sopa de legumes e carne e um pedaço de pão. Foram ao cozinheiro que lhes serviu um prato. Sentaram-se numa mesa mais afastada. Iduna não percebeu sua fome até provar da sopa, estava gostosa e comeu com vontade, mas o silêncio de Lance a deixava desconfortável. Embora nem cogitasse falar nada, sabia que estava errada, apenas esperava a bronca.

— Sabe como eles te chamam? – Lance começou a falar. Iduna apenas respondeu balançando a cabeça que não. Lance prosseguiu. – Eles estão te chamando de ‘matadora de lobos’, contam a história da valente guerreira que voou sobre seus inimigos e lutou bravamente contra o escravocrata cruel. Sabe o que eu vejo?

— Alguém imprudente. – Iduna respondeu olhando para o prato.

— Olhe para mim quando falar comigo. – Lance disse novamente, um pouco menos ríspido que da última vez. A garota olhou nos olhos e repetiu.

— Alguém imprudente.

— Imprudente é o mínimo. Você foi imprudente, inconsequente, desobediente, teve um pulmão perfurado e quase morreu. Sorte que Mayuri trouxe poções de cura extras, quase te perdemos.

— Eu sinto muito todo o problema que eu causei.

— O que passou pela sua cabeça para deixar o plano original e fazer o que você fez?

— Eu fui tomada por rancor e vingança que me cegaram. Não tive nenhum outro motivo. Eu me descontrolei, baixei a guarda e quase fui morta.

— Seu apego a vida é tão baixo que você se lança no perigo sem pensar nas consequências? - Nesse momento, Matheus se aproximou dos dois.

— Desculpa interromper, mas o rei Edwin soube que a Iduna acordou, ele quer vê-la. – Lance deu um suspiro derrotado.

— Vamos vê-lo logo, quanto mais rápido formos, mais rápido voltamos para casa. Você está bem mesmo? – Lance disse, olhando pra Iduna com preocupação. Ela julgou que fosse preocupação de um líder por seu subordinado, mas isso não a impediu de ficar sem graça.

— Eu estou bem, dói um pouco, mas Mayuri disse que é normal. É suportável.

Os três seguiram para a sala do trono do castelo de Zugyara onde havia uma grande movimentação de criados, passando de um lado para o outro, levando arranjo de flores, tecidos e comida. O rei conversava com Nevra, que parecia apreensivo.

— Ah! Aí está você, nossa última heroína. O povo de Zugyara tem uma dívida com você e seus companheiros. - O rei falava com Iduna de forma alegre, muito diferente do modo como havia tratado todos no dia da chegada. Iduna estava sem graça, mas tentou ser cordial com o rei. - Estava falando com seu comandante, haverá um baile em agradecimento a vocês. Quero que aproveitem a noite, comam, bebam e usufruam de tudo que Zugyara tem de melhor. Ouvi dizer que sua luta com o comandante daqueles bandidos foi incrível.

— Não foi para tanto, majestade. Não fiz nada demais. Na verdade, acho que fui bem imprudente. – Iduna tentava dissuadir o rei a tecer mais elogios a ela, mas isso pareceu ter efeito contrário.

— E ainda é modesta. Suas conquistas serão celebradas essa noite! As suas e de seus companheiros! Aias, levem-na e a aprontem para o baile! - Iduna era levada pelas criadas enquanto olhava desesperada para seus superiores que apenas a olhavam com pena, mas incapazes de fazer algo quanto a decisão do rei. - Os senhores também, vão se aprontar, será uma festa maravilhosa.

Os rapazes foram levados para um dos quartos onde Leiftan já estava para serem preparados para o baile. As aias levaram Iduna para um outro quarto onde Erika já estava sendo arrumada. Ao perguntar sobre Mayuri, a jovem aengel disse que ela havia pedido dispensa do baile para ficar na enfermaria, mas Erika sabia que era uma desculpa para não ir. Iduna achou inteligente da parte da companheira alquimista e a invejou por não ter que ir ao baile. A noite caiu e o baile começou. Todos estavam muito elegantes. Havia a presença de nobres e outras autoridades do reino, quando os homenageados chegaram, foram ovacionados pelos presentes. Os rapazes estavam elegantes, com roupas de gala daquele reino e as garotas estavam com lindos vestidos de seda e espartilhos apertados. Isso só aumentava a sensação de sufocamento de Iduna.

A noite passou lento para a meia-kitsune, ela tentava ser cordial e agradável a todos que falavam com ela, tentando sempre não chamar a atenção, mas estava visivelmente ansiosa e desconfortável com a situação. O rei fez um discurso de agradecimento a todos e ao final, Iduna não conseguia permanecer no salão de baile. Ela aproveitou a distração de todos e saiu, sem saber para onde. Ela só queria sair daquele ambiente, sair daquela situação, todos a admiravam e ela se sentia pior com aquilo tudo. Ela correu pelos corredores e chegou em uma sacada, onde se debruçou sobre a balaustrada, respirando pesado e com os olhos marejados.

— O que aconteceu? Está passando mal? - Lance apareceu por trás de Iduna, preocupado pelo estado da jovem.

— Então você me seguiu, achei que não tinha chamado a atenção de ninguém antes de sair.

— Você não está bem, pode se ver no seu rosto. É seu ferimento?

— Não é a ferida, eu só preciso de um tempo sozinha. Eu estou bem.

— Você está qualquer coisa, menos bem. Não esqueça que eu sou seu superior, você é minha responsabilidade.

— Eu só preciso dar um tempo disso.

— Disso o que?

— Disso, dessa festa, dessa celebração, de tudo isso. Eu não quero isso, eu não mereço nada disso. - Ela disse olhando para o reino abaixo dela e com lágrimas que começavam a brotar nos seus olhos. Lance parecia perplexo.

— Sei que parece exagerado, mas eles estão demonstrando gratidão por termos ajudado eles, eles nos veem como heróis.

— Eu não sou herói, eu sou uma farsa. Eu não mereço isso, eu o matei. É minha culpa, eu o matei. - As lágrimas não paravam e a voz de Iduna embargava até virar um lamento.

— O lobisomem sobreviveu, você não o matou. - Lance tentava acalmar sua subordinada, sem entender por que ela estava tão transtornada.

— Não é dele que eu estou falando.

— De quem se trata, então? - Lance perguntou, ainda confuso. Iduna lembrou das ordens anteriores do seu chefe de guarda e olhou ele nos olhos antes de falar.

— Eu matei meu irmão.