As Sete Ameaças

Parte IV: Sangue e Água – O último suspiro de Down City


O tiro reverberou por Down City. Nina estava andando com Giovanna e pegando munição largada pela rua.

Os outros estavam treinando a pontaria enquanto alguns grupos pegavam os palitos de metal. Magistrado tinha pedido que fizessem isso e ignorara as perguntas quando exigiram saber para que o robô queria aquilo.

Depois de se munir de armas, Paul voltou para onde todos estavam para leva-los. Agora estavam tão entretidos com toda a novidade metálica que esqueceram até mesmo da fome.

— Você acha que vamos conseguir vencer essa guerra agora? – perguntou Nina.

— Você tinha dúvidas que conseguiríamos vencer antes? Nosso exército é muito maior que o deles.

— Eu tenho minhas dúvidas... e se eles se juntarem?

— Os três reis? Nunca. São orgulhosos demais.

Nina calou-se, mas sem estar convencida. Por mais que tentasse com todo o seu coração, não conseguia odiar rei Zoro. Pelo contrário: sentia uma espécie de afinidade com ele, como se o conhecesse e o entendesse.

— Você está estranha – comentou Giovanna.

— Eu sou distante naturalmente.

— Não quero dizer distante. Quero dizer que quando você está na frente de seus amigos você age diferente. Como se não quisesse que eles soubessem sobre nós.

Nina parou. Giovanna aparentemente era muito boa em lê-la. Sim, de fato ela estava evitando a menina quando estava perto dos outros. Nem sabia exatamente porquê. Suspirou, não adiantava negar.

— Clyde foi minha primeira paixão e foi com ele que gastei meu primeiro beijo, também é provavelmente com ele que todos querem que eu case e tenha milhares de filhos lindos e fortes. Sophie é minha melhor amiga de infância e sempre pareceu ter uma queda por Clyde. Então talvez eu esteja um pouco nervosa por estar no meio desse triângulo amoroso.

— Mas nós duas estamos juntas agora e aqueles dois parecem mais íntimos que só amigos.

— Isso não quer dizer que a expectativa das pessoas tenha mudado.

— Dane-se a expectativa. Você não está nesse mundo para atender as expectativas das pessoas, pelo menos não as conjugais.

Nina riu.

— Sim, talvez.

— Talvez, não – falou Giovanna parando em frente a Nina – Me diga que vai deixar de lado a opinião dos outros.

Nina não respondeu, em vez disso pegou o rosto da outra e a puxou para um beijo. Giovanna entregou-se completamente, colocando as mãos dentro dos cabelos ralos de Nina e acariciando-os com paixão. Embora a mulher não gostasse de demonstrar sentimentos, sentia-se extremamente do mesmo modo. Como podia sentir tanta necessidade por alguém que conhecia há apenas alguns dias?

O momento durou apenas até escutarem uma suave risada feminina. Separaram-se para ver Riley e Paul ao longe, de mãos dadas, vindo na direção das duas, mas tão concentrados um no outro que provavelmente não notavam mais nada ao seu redor.

— Paul – chamou Nina. O loiro olhou para cima e ficou sério imediatamente, como se não gostasse que ninguém interrompesse seu momento com a amada – Onde estão as balas?

— Comigo – falou Riley levantando um saco marrom cheio – Não cabe mais, estamos levando para o castelo.

— Está bem, estamos indo também.

Eles passaram por elas duas e Paul sussurrou baixo e rápido o suficiente para apenas Nina ouvir:

— Clyde sabe sobre vocês duas?

— Você vai contar? – perguntou ela em voz alta.

O garoto limitou-se a bufar e rir, dando a certeza a Nina de que ele não falaria nada.

Acompanharam o casal pela rua longa até o castelo imponente no centro de Down City.

Lá no fundo estavam todos os outros, atirando com suas metralhadoras, revólveres, pistolas, espingardas e bestas.

Magistrado estava ali também, dando instruções de como usar todas as armas.

— Estão indo bem? – perguntou Giovanna ao robô.

— Sim, senhora! Estão muito bem. Logo poderão ir embora cumprir sua missão.

— Por que tanta pressa? – perguntou Sophie que estava dando uma pausa nos tiros.

— Por que recebi ordens muito claras de meu grande senhor Magnus para destruir a cidade quando minha missão estiver completa.

O tempo parou, até mesmo os outros que estavam treinando pararam e se viraram para encarar o robô, assustados.

— Como assim? – pronunciou-se Clyde.

— Down City não pode continuar aqui, no fundo do solo. Não temos habitantes e estamos cansados. Há mais de 500 anos estamos nos autossustentado apenas esperando por vocês. Uma vez terminado nossa missão, estaremos livres para descansar.

— Como vocês farão isso? – perguntou Pâmela parecendo alarmada.

— Vamos trancar Down City e demoli-la.

— Mas e os túneis?

— Não irão desabar, ou não faríamos isso. Além do mais, não irão precisar dos túneis, irão subir para a superfície e lutar.

Os presentes se entreolharam, nervosos. Nem mesmo Nina estava tão ciente da proximidade da batalha. Começava a suar frio só pela menção. Como não ficar nervosa com a eminência da guerra?

— Quando isso irá acontecer? – perguntou Zaki.

— Hoje mesmo – falou Magistrado com muita calma – Quanto antes, melhor. Minhas engrenagens mal podem esperar pelo momento em que poderão finalmente parar.

Estavam calados, sóbrios. Não fazia nem mesmo um dia que estavam lá e não queriam que Down City fosse destruída.

— Vocês não irão continuar com o treinamento? – perguntou o robô. O silêncio que se seguiu foi tão constrangedor que ele continuou – Então adeus. Podem ir agora, levem o que quiserem.

Em menos de uma hora, estavam todos do lado de fora de Down City, nos túneis, vendo Magistrado acenar enquanto outro robô trancava a porta para encerrar com a vida daquela maravilhosa cidade.

— Adeus, mestres! – gritou ele – E saiam de perto da porta, ficará tumultuado aqui!

Afastaram-se um passo apenas. O chão tremeu violentamente, mas os túneis continuaram intactos. E assim, em apenas algumas horas, Down City veio e se foi. Como um sonho.