As Sete Ameaças

Parte III: Os Animais Guias – Uma águia.


“Mais alto! “ ralhou Eagle.

A águia de Clyde era extremamente mandona como se assumisse a liderança e esperasse que todos soubessem disso e devessem obedecê-lo. Clyde queria ter um arco e flecha para derrubá-la e acabar com seu comportamento vergonhoso. Janela da alma? Que baboseira, ele não era assim.

— Clyde – falou Paul perto dele – Você me escutou?

Ele estava tentando falar com o mais velho desde o início da manhã, mas Clyde fizera de tudo para fugir. Ele realmente não queria falar com o garoto depois de vê-lo beijando sua doce e preciosa irmã. Paul, por outro lado, parecia estar muito perto de Riley o tempo inteiro, como se quisesse afirmar a todos que ela era dele. Clyde queria que ele apenas se afastasse da irmã, seria pedir demais? Ela só tinha quatorze anos.

Enquanto isso Eagle continuava gritando para Banjiu (斑鳩 ), a rolinha, que ela deveria voar mais alto para atingir o buraco no meio da cripta, mesmo que ela aparentemente não quisesse sair de lá.

— Clyde, você me ouviu? – insistiu Paul.

— Não.

— Eu não estava preparado para que tantas pessoas viessem, eu não tenho mantimentos suficientes. A comida praticamente acabou ontem na ceia.

— Por que está me dizendo isso?

— Temos que fazer alguma coisa a respeito e Riley disse que você gosta de resolver os problemas.

— E por que Riley não veio aqui me passar essa informação?

— Ela acha que devemos passar um tempo juntos.

Clyde riu.

— Só por cima do meu cadáver.

O garoto suspendeu uma sobrancelha, cético. Ele não era nada simpático, comparado à sua irmã que parecia disposta a distribuir sorrisos e ajuda a qualquer um. Clyde não entendia o que ela vira naquele garoto tão antipático e sério.

— Bem, querendo ou não ficar comigo, precisa comprar mantimentos, ou ficaremos sem. Ainda temos um pouco de alimento, mas não o suficiente para dezoito pessoas. Talvez nós sete.

— Vou providenciar. Obrigado e tchau.

Paul estreitou os olhos e bufou.

— Você não se importa com sua irmã, não é mesmo?

— O que disse?

— Se você se importasse, não iria me desprezar tanto. Acha que quero ficar aqui e implorar sua atenção? Não tenho boas lembranças de você, Clyde Eagle. Faço isso por sua irmã, por que me importo com ela.

Clyde lembrava de quando Paul tinha apenas quatro anos. Ele, de fato, não era o melhor amigo do menino, mas poderia ter sido bem pior. Ele gostava de pensar que apenas dava sugestões radicais de como Paul deveria agir. Ele o fazia com um pouco de agressão, mas nada que não achasse extremamente necessário para convencer Paul de fazer o que ele queria. Se ele lembrava tanto assim, mesmo depois de doze anos, era por que era muito rancoroso. Mais pontos negativos em Paul, a lista só parecia aumentar.

— Eu me importo com minha irmã – contestou Clyde – Tanto que sei que o melhor para ela é não estar com você. Você não merece ela, Paul, e eu vou mostrar isso para minha irmãzinha.

Paul trincou o maxilar.

— Quem é você para dizer se sou ou não o suficiente para sua irmã? Não faz nem um dia inteiro que você me viu depois de doze anos.

— E eu não precisei de mais que isso para saber disso.

O garoto bufou e se virou, parecendo muito raivoso. E então apenas desapareceu.

Clyde passou a mão pelos cabelos ralos e se virou, caminhando até onde Yuki e Chô estavam.

— Precisamos ir à vila para comprar mantimentos.

— Você pretende ficar aqui por muito tempo? – contestou Yuki estendendo o dedo para que a borboleta azul pousasse em seu dedo.

— Creio que devemos ficar aqui até Ivo voltar. Você ouviu Riley dizer que ele saiu para nos procurar.

— E se ele demorar tempo demais para voltar?

— Não irá.

— Clyde, eu sei que você é muito fiel à Ivo, mas ele deve ter o quê... oitenta e dois anos? Está velho. Embora eu o ame tanto quanto você, sei que é muito provável que não volte.

— Yuki, ele vai voltar.

— Estou apenas me preparando para o pior. E não devemos ficar aqui por tanto tempo. Eles irão nos procurar e podem nos encontrar aqui. É um lugar óbvio.

— Não é.

— Não primeiramente, mas depois acaba sendo. E você é o estrategista – salientou Yuki – Eu sou apenas o cego.

Clyde trincou os dentes. Estavam todos contra ele naquele dia?

— Vou procurar um local melhor. A partir de amanhã podemos procurar pelos túneis. Por enquanto quero que você vá com Imad para a vila comprar comida.

— Certamente.

— E deixe sua borboleta.

Yuki, que já estava se virando para a procurar Imad, voltou e estreitou os olhos.

— Sinto muito, Clyde, mas Chô irá comigo. Há algum tempo que as aves aqui querem pegá-lo – então com muita educação e classe, virou-se para sair.

Ele segurou a respiração e contou até dez. Não podia se descontrolar.

Estava muito frustrado, todos ali pareciam discordar com ele, esquecendo que quem os liderara até ali fora ele.

“Mais alto, sua ave estúpida! “ ralhou Eagle e Banjiu soltou um piado musical triste.

Clyde então arregalou os olhos. Ele era, de fato, igual à Eagle. Não queria ser igual à Eagle. A sua águia era mandona demais, embora extremamente inteligente.

Sentou-se com as costas apoiadas na parede rochosa. Sentia um peso enorme nos ombros e a pressão das expectativas dos outros sobre si, mas ao mesmo tempo sentia também o quanto eles queriam ficar distantes dele.

Suspirou, ser líder era difícil.

Sentiu uma mão em seu ombro e olhou para cima, encontrando os grandes olhos castanhos de Sophie.

— Está tudo bem?

— Não muito. Mas vai melhorar.

Ela sentou-se ao seu lado.

— O que lhe preocupa?

— Tudo. Desde Ivo até a guerra. Pode parecer que estamos imunes aqui, que estamos longe, mas ela irá chegar até nós. Eventualmente.

— E quando chegar estaremos prontos.

— Como ter certeza?

— Por que nós iremos treinar Clyde. Iremos treinar como trinávamos com Ivo.

Clyde endireitou as costas. Gostou especialmente do modo como ela não tivesse dito nada que remetesse a ele resolver o problema, mas “nós”. Todos eles iriam resolver o problema juntos.

Ele sorriu e pegou a mão de Sophie para plantar um beijo.

— Obrigada, Sophie.

— Sempre que precisar, Clyde.

E encostou a cabeça em seu ombro. Clyde fechou os olhos, notando que Eagle tinha parado de gritar com a pobre rolinha.