As Sete Ameaças

Parte II: O Reencontro – O senhor das pombas e sua neta beijoqueira.


Ele abriu os olhos e viu o teto de palha. O mundo após a morte tinha teto de palha? Tinha sequer teto?

Zaki sentou e percebeu que estava deitado em uma cama simples com um fino lençol cobrindo seu corpo. Olhou ao redor e viu as paredes encardidas e com resquícios de sangue, mas apenas isso e uma porta. Era um quarto extremamente simples.

Tocou seu peito e não viu nada além de bandagens. Sentiu uma vontade tremenda de tirá-las e ver o que escondiam, mas teve medo de estragar o trabalho.

Levantou-se da cama. Por mais incrível que pudesse parecer, não sentia dor alguma. Era como se nunca tivesse se ferido. Andou devagar, verificando cada canto do quarto e, saindo dele, a sala, um cômodo encardido e pequeno que contava com várias portas.

— ... o homem? – ouviu uma voz feminina falar de um dos quartos.

— Ele é um pirata, Li. Não deveríamos nem ter salvado a vida dele.

— Mas vovô, ele estava morrendo!

— Você não precisava ter beijado aquele moribundo. Agora temos que viver com a culpa de ter salvado um pirata.

Zaki tocou os lábios por instinto. Aquela garota o tinha beijado enquanto ele estava morrendo? Por que alguém faria isso?

— Mas vovô, não podia deixar ele morrer!

— Escute, Li. Nós vamos fazer essa viagem e com alguma sorte, quando voltarmos esse pirata já vai ter ido embora.

— Mas e se ele não tiver para onde ir?

— Bobagem. Ele tinha um cavalo bem abastecido. Quando ele acordar, vai pegar seu cavalo e ir embora.

Zaki olhou pela janela e, de fato, viu Fazias pastando no gramado em frente à casa.

— Vovô?

— O quê?

— Ele acordou.

E então Zaki olhou os dois, enquanto eles saíam do quartinho, olhando-o com um misto de susto e raiva.

— Fique onde está!

— Está bem – falou ele encontrando a voz, rouca e fraca.

— Você é mesmo um pirata? – perguntou a garota.

Ela devia ter a idade de Zaki, mas ela bem diferente. Tinha o rosto redondo e olhos finos como os de Yuki, além de um corpo pequeno e frágil como o de um passarinho.

O velho, por outro lado, parecia bem em forma para a idade, era alto e robusto e tinha cabelos e barba grisalha, mas compartilhava o formato do rosto e dos olhos com a neta.

— Sim – respondeu Leeu ainda com voz ressecada. Pigarreou, mas o problema era sua garganta seca.

— Quem é você? – falou o velho desconfiado sem rodeios.

— Meu nome é Za... Taú – mudou rapidamente. Não podia sair espalhando seu verdadeiro nome em qualquer lugar. Era melhor ser reconhecido como um pirata perigoso do que um integrante das Sete Ameaças Prodígio. Será? As duas opções pareciam incrivelmente perigosas para ele.

— Você ia dizer outro nome – falou o velho ficando com raiva. Ele então empurrou o outro até a parede e o imprensou lá, com uma mão em seu pescoço e a outra em seu rosto – Diga a verdade, quem é você, pirata?

Ele não viu outra alternativa a não ser dizer a verdade.

— Zaki é meu nome. Mas não sou doido de sair aos quatro ventos anunciando isso.

— Não entendo – falou a garota, mas o velho entendeu pois afrouxou o aperto, como se o reconhecesse e olhou bem fundo em seus olhos negros.

— Zaki Leeu?

— Sim.

— Como posso ter certeza?

Então Zaki levantou a mão e revelou uma chama na palma. O velho pulou para trás e encarou a pequena chama, aterrorizado.

— Você é uma Ameaça também! – falou a garota.

— Também?

— Ele não é só uma Ameaça, Li. Ele é um membro das Sete Ameaças Prodígio. Zaki, o indomável.

— Daquelas histórias que me contava? Pensei que fossem lendas!

— Lendas?

— Depois que vocês desapareceram, viraram lendas. Uma esperança que escapou entre nossos dedos.

Zaki riu.

— Então é isso que nos tornamos... somente lendas...

— Por que vocês sumiram? – perguntou a garota.

— Um homem chamado Potter Lobus levou nossas memórias e nos separou. Por algum motivo, alguns dias atrás, eu as recuperei. Creio que os outros também.

— Sim, tenho alguns relatos de que pessoas em posições vigiadas estão se rebelando e fugindo.

— Devo ser uma delas, por isso Barba Negra fez questão de vir atrás de mim pessoalmente e acabar comigo.

— Você fugiu do navio de Barba Negra?

— Meu antigo nome era Taú.

— O imediato dos piratas Barba Negra... Inferno no Mar! Como nunca notei antes?

— Distração? – tentou a menina.

Então uma pomba pousou na soleira da janela e começou a piar.

— Oh, eu esqueci completamente da mensagem! – falou o velho.

Zaki olhou o pombo com o cenho franzido.

— Isso é um pombo.

— Sim – disse a menina rindo – Este chama-se Lori, ele tem uma única pena cinza no peito.

— E a pomba tem nome?

— Eu sou Quon Chung, o senhor das pombas.

Zaki riu.

— O senhor das pombas?

— Sim. Pare de subestimar minha ameaça. Eu posso comandar qualquer pomba, e elas estão em todos os lugares vigiando os outros.

— Outros?

— Sim – disse a menina sorridente – Nós somos do Exército de Libertação.

Zaki ergueu as sobrancelhas, admirado.

— Vocês?

— Sim – falou Quon – Eu sou o principal mensageiro e Li, minha neta, é a curandeira.

— Recebemos uma mensagem há pouco tempo de um dos nossos soldados, ele está ferido.

— Isso mesmo, então tenho que levar Li para onde o ferido está.

— Quer vir conosco?

Zaki olhou Fazias pela janela.

— Preciso me encontrar com os outros na vila. Eles devem estar chegando.

— Não se preocupe – falou Quon – Nós podemos leva-lo lá. Só precisamos passar no local em que está o ferido antes.

Zaki pensou por um tempo, mas logo concordo. Por algum motivo que não sabia explicar, não queria mais ficar sozinho.

Quon foi arrumar os cavalos enquanto Li entregava a Zaki algumas roupas limpas. Ele as vestiu e logo estava usando uma camiseta branca e calças militares com botas grossas de caminhada.

Os três subiram em seus cavalos, Li com seu avô e Zaki em Fazias.

— Aonde estamos indo?

— Não fazemos a mínima ideia.

— E como vamos chegar lá?

— Ora, seguindo as pombas, é claro!

Foi quando Zaki percebeu que manteria aquela parte da viagem em segredo.