As Sete Ameaças

Capítulo de intercessão: O grande erro.


Ivo Jaroisk estava com frio, então cobriu-se com mais uma camada de lã, sem fazer nenhum barulho.

Ele não era burro, sabia que seus pupilos eram espertos, com certeza já tinham dado um jeito de se reunir, fosse acidentalmente, fosse propositalmente. Treinara-os muito bem para tal ocasião.

Neste momento, ele estava no reino de Luzarium, na principal estrada que levava para a capital Saori. Não conseguira chegar a tempo de impedir o casamento, mas iria cumprir a promessa que fizera a Potter Lobus: resgataria sua filha, nem que fosse à fio de espada.

Jasmine e Gunter deveriam estar voltando de sua lua de mel logo e ele estaria na estrada, esperando. Estava sozinho, era verdade, mas tinha estratégias para derrotar os soldados.

Logo começaria a nevar por ali e Ivo realmente esperava que não demorassem muito a passar. Odiava neve quase tanto quanto odiava fazer promessas difíceis de cumprir. Se não fosse aquela, já poderia ter se reunido com seus pupilos. Sentia falta deles.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo som de uma carruagem se aproximando. Era incrivelmente dourada e ornamentada, mas com certeza mais simples do que qualquer coisa que Hommer usaria. Dois cavalos negros puxavam a carruagem e dois cocheiros vestindo vermelho os conduziam. Ao redor da carruagem, cinco cavalos com um cavaleiro montado em cada. Ivo previa exatamente isso.

Puxou a pequena corda que tinha na mão e a caixa onde dez ratos estavam se abriu, libertando os animais assustados que saíram guinchando e assustaram os cavalos. Enquanto os cavaleiros estavam ocupados acalmando os cavalos agitados, Ivo pegou o arco e flecha e atirou com maestria, matando dois soldados antes que os outros percebessem que estavam sob ataque.

Agora era três contra um, situação com a qual Ivo já tinha se visto tantas vezes em batalha, mas agora estava velho, não aguentaria lutar contra eles corpo a corpo. Ele moveu-se cautelosamente, fazendo o mínimo de barulho possível, para dois metros à direita de onde tinha lançado as primeiras flechas. Os três soldados perderam tempo verificando a direção dos ataques, enquanto Ivo lançava mais uma flecha, matando mais um.

Os dois soldados remanescentes estavam furiosos, mas isso não faria com que Ivo parasse o ataque. Ele preparou a mira e, antes que os dois conseguissem alcança-lo, lançou uma nova flecha que matou o penúltimo soldado. Um contra um era algo com o qual Ivo poderia lidar sozinho.

Saiu de seu esconderijo empunhando a espada. O último oponente já tinha desmontado do cavalo – algo extremamente estúpido, pensou Ivo, mas muito útil para ele naquele momento – e brandiu a espada prateada.

O homem atacou com um berro, mas Ivo desviou. Apesar da Idade, ainda era um ótimo lutador. Não precisou de muito tempo antes de atravessar a lâmina no peito do homem. Tirou-a de lá, deixando o soldado cair no chão como um saco de batatas, e dirigiu-se para a carruagem.

Os cocheiros estavam encolhidos, um deles cobria os olhos com as mãos e o outro parecia falar sozinho.

— Saiam daqui – falou para eles. Os dois covardes obedeceram, saindo de perto e correndo em direção à floresta com um desespero caricato.

A neve começou a cair, para o infortúnio de Ivo. Ele limitou-se a bufar de frustração e continuar seu caminho até a porta da carruagem.

Ao abri-la encontrou Gunter com a espada em mãos e um sorriso excêntrico e uma moça encolhida atrás dele, com a respiração acelerada e o rosto manchado em lágrimas. Ela era magra e tinha as feições tão parecidas com as de Potter que Ivo não conseguiu deixar de se perguntar como podia ser tão bonita.

— Jasmine Lobus – falou Ivo brandindo a espada para Gunter também – Vim aqui a pedido de seu pai. Em seu leito de morte ele me pediu que a libertasse do casamento contra esse monstro. Venha comigo.

— Potter enviou você aqui, velhote? Que incomodo – falou Kaus rindo – Como vão os seus sete fracassados?

— Cale-se Gunter. Venha comigo Jasmine.

O jovem riu mais um pouco.

— Jasmine nunca iria com... – mas foi interrompido quando a moça levantou-se e atravessou a carruagem – Jasmine? Onde você vai? Meu amor, onde você vai?

— Cumprir meu destino – falou ela pegando a mão que Ivo estendia para ajudá-la a descer.

— Vamos – falou Ivo pegando-a pela cintura – Vou leva-la a um lugar seguro.

— Jaroisk! – gritou Gunter descendo da carruagem também – Devolva minha mulher!

Jasmine virou-se para o homem e sorriu docemente.

— Por favor, Gunter. Deixe-me fazer o que devo fazer.

O príncipe estava atônito, mas calou-se e permaneceu parado, obediente. Ivo nunca o tinha visto fazer algo como aquilo. Gunter Kaus era imprudente e explosivo, mas estava calmo e sereno naquele momento. E por ordem de uma moça.

Contudo não havia o que pensar naquele momento, precisavam sair dali. Quanto antes Ivo retornasse para a vila, mais cedo poderia rever seus amados pupilos.

Ele só não contava com uma coisa: a adaga negra cravejada de rubis que lhe cortou a garganta.

Levou imediatamente as mãos ao pescoço para tentar conter o sangue que jorrava por seu corpo. Olhou para frente e deparou-se com o rosto da bela Jasmine desfigurado em ódio.

— Eu não vou com você – gritou ela – Você não irá me separar de meu marido!

A cada palavra que falava enfiava a lâmina mais uma vez no peito de Ivo, que estava ocupado demais tentando conter o sangramento na jugular.

— Eu amo Kaus! – berrou mais alto – Por que ninguém entende isso?

— Mine, minha querida – falou Gunter segurando a mão da esposa antes que ferisse o velho mais uma vez – Já está bom. Não se preocupe, está tudo bem. Eu a amo também.

Ivo caiu no chão, perdendo as forças e ficou olhando enquanto Kaus e Lobus beijavam-se apaixonadamente. Não fora uma armadilha de Potter, tinha certeza, contudo isso não impediu que sentisse raiva do homem naquele momento por manda-lo ali.

Deixou sua mão relaxar, não tinha mais por que tentar estancar o sangramento, era inútil. Ficou apenas deitado olhando enquanto a poça de sangue se espalhava, misturando-se com a neve recém caída.

Nunca mais veria seus pupilos. Sentiu as lágrimas descendo pelas bochechas enquanto a vida lhe esvaía.

Então tudo se transformou em breu.