Arranha-Céus Flutuantes
Parte V
Arranha-Céus Flutuantes
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Yesterday and days before
Sun is cold and rain is hard
I know
Been that way for all my time
Have You Ever Seen The Rain? — Creedence Clearwater Revival
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Parte V (I)
Arthur
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Quando Francis acordou naquela manhã sua primeira emoção foi bastante parecida com surpresa. Ele tinha acordado muito cedo, algo como cinco da manhã, e seu celular vibrava na mesa de cabeceira. O nome Arthur brilhava no meio da tela. Francis atendeu depois do quinto toque.
— Alô?
— Francis? — a voz dele estava muito baixa, quase sobreposta pelo som de ventania que dominava a maioria da ligação.
— Arthur? Que barulho é esse?
— Eu estou… No píer, eu não sei. É meio cedo, né?
— Um pouco, mas eu acordei sozinho. Como assim píer, que píer?
— Você não conhece. — há um sorriso melancólico na voz dele.
— Por que você me ligou?
— Tá meio cedo, né? Não precisa vir na minha casa hoje, não.
— Pensei que você quisesse isso… Que eu fosse na sua casa, quer dizer. Você me convidou. Ontem.
— Eu sei. Eu queria, eu quero, quer dizer. Eu não sei. Eu não vou estar lá hoje então não precisa ir…
— Você vai estar nesse píer.
— É.
— E onde ele fica?
— Você não conhece. — Arthur repete, tão baixo que é mais suave que um sussurro.
— Onde fica?
— É longe, Francis.
— Mas onde?
(dois minutos de barulho de respiração antes que arthur desligue a ligação)
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Apesar de tudo Francis foi na casa de Arthur naquela manhã. Era muito cedo, na verdade, ele só saiu da cama, vestiu uma camiseta e um jeans que estava jogado no chão e saiu para a rua. Tomou um táxi, completamente agitado.
(— Você está bem, senhor? — o táxista era um rapaz muito jovem. Loiro.
— Eu estou. Estou sim. Eu só preciso… Você pode ir mais rápido?
— Não, senhor, eu sinto muito. — o rapaz parece lamentar sinceramente quando Francis suspira desolado. — As leis de trânsito. Já estou na velocidade máxima.
— Eu entendo. — Francis diz e se cala pelo resto da viagem.)
Quando ele chega no prédio sobe os lances de escada de dois em dois degraus e se lança no corredor de plantas meio mortas com pressa, a porta da saída de emergência batendo atrás dele. Ele esmurra a madeira branca com força, doze ou treze vezes, até que uma vizinha sai para ver o que está acontecendo. Ela não diz nada, mas Francis desiste de bater e pede desculpas. Ele vai embora sem olhar para trás.
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No dia seguinte e no dia depois desse Francis tenta ligar insistentemente para Arthur. Deixa doze mensagens de voz. Liga quase trinta vezes. Arthur não atende nenhuma delas e não dá qualquer sinal de vida. No terceiro dia Francis desiste.
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É sexta feira e Francis está comendo um salgado barato e tomando um suco de laranja numa lanchonete na esquina de casa. Ele tem um olho na comida e o outro no celular em cima da mesa. A tela permanece apagada, apesar de tudo, e ele suspira antes de colocar o canudinho na boca. Ele paga a conta e já está quase do lado de fora quando o telefone toca. É Arthur.
— Onde você está? — é a primeira coisa que ele diz (de forma meio preocupada e ríspida) para Arthur em quase duas semanas.
— Casa. — ele responde, muito suavemente. Há algo de maciez bêbada no som da sua voz.
— Onde você esteve?
— Longe.
— Eu te liguei. — Francis desiste de descobrir qualquer coisa e sai para a rua, o telefone preso entre sua orelha e seu ombro enquanto ele mexe na bolsa pendurada em seu braço.
— Eu vi. Trinta e uma vezes.
— Você não atendeu nenhuma delas.
— Eu não vi. — a mentira é quase fácil de se dizer porque Francis não acredita nela, de qualquer forma, então Arthur não sente culpa.
— Você quer que eu passe aí?
— Amanhã.
— Amanhã.
(é francis quem desliga, dessa vez, e há uma sensação de vitória nesse movimento que ele não está pronto para admitir)
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Parte V (II)
Marie
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No meio tempo em que Arthur está desaparecido e Francis está lentamente afundando nas águas calmas e geladas da preocupação, há Marie. Ela está bonita, como sempre, mas pela primeira vez desde que Francis a conheceu — ela usa uma calça jeans. É branca e rasgada aqui e ali, muito surrada e manchada de tinta, e é a coisa mais simples que Francis já a viu usar. Ela parece melancólica, parada na janela da sala. A vista, de qualquer forma, é deprimente: a rua cinzenta, asfaltada e escura. Quando Francis bateu na porta ela sequer se moveu para abrir. Ele tem a chave, então apenas entrou e deu de cara com Marie plantada ali, a luz desligada.
— Você está bem? — ele pergunta suavemente.
— Não. — ela responde, esboçando um gesto que não encontra seu final. — Dias tristes são horríveis.
— Por que você está triste?
— Não sei. Mas você está triste, também. — ela afirma, o dedo indicador da mão direita fazendo um coração na janela embaçada. Ela desenha rachaduras no meio dele, quebrando-o.
— Eu estou. — ele murmura, os braços passando pela cintura de Marie e a abraçando. Seu cabelo cheira a rosas, como se ela tivesse acabado de sair de um velório. — Eu amo você, Marie.
— Eu também amo você, Francis. — ela diz, melancolicamente, sem olhar para ele. — Eu estou muito cansada.
— Vem, vem dormir. — Francis diz, puxando Marie pela mão. Ela se deixa ser levada, e então colocada na cama. Ele a cobre com um edredon macio e azul claro, antes de lhe deixar um beijo na testa e um suave boa noite.
— Você não vai ficar comigo? — ela pergunta, sua voz inexpressiva.
— Depois, amor. Eu tenho que ligar para alguém agora.
— Arthur? Ele ainda não voltou? — ela se encolhe, a coberta se mexendo com ela e protegendo-a como um casulo.
— Não…
— É por isso que você está triste. Venha cá, querido. — ela abre um espaço na cama. — Fique aqui comigo. Não espere ele ligar dessa forma, você não sabe que o telefone só toca como não estamos esperando mais?
— Eu tenho medo é dele tocar e ser uma desgraça. — Francis diz, mas acaba deitando ao lado dela, debaixo do edredon. Marie o abraça e sorri calmamente, encorajadora.
— Notícia de desgraça sempre chega muito rápido. Ele só precisa ficar um pouco sozinho, tenho certeza. — como Francis não fecha os olhos, ela suspira. — Eu vou acender uma vela por ele, amanhã de manhã. Mas, por favor, vamos dormir. Ficar acordado nervoso desse jeito não vai fazer com que ele ligue.
— Você tem razão, Marie. — ele diz, quietamente, afundando o rosto no travesseiro. Demora menos de dez minutos para que Francis durma. Marie, ao contrário, fica acordada a noite toda.
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