Arigatō

E sua última palavra foi...


“Arigatō”.

A palavra ainda ecoava em sua mente com o timbre da voz de Kanade.
Yuzuru encostou a testa contra o chão frio, permitindo-se chorar perante a solidão, abraçando o próprio corpo como se aquilo fosse conter os tremores que o acometiam. Ela o havia deixado, desaparecera e teria sua chance de viver uma nova vida. Nunca poderia imaginar que ele próprio era o objetivo de realização daquela que amava. Era tão poético que se tornara trágico.

O pôr do sol deu lugar à noite, e, mesmo com o uniforme, já sentia seu corpo gelado quando conseguiu se controlar. O silêncio era sufocante ao redor. De repente, a falta das batidas de seu coração lhe pareceu muito nítida, embora nunca houvesse notado aquilo antes.

Ele olhou ao redor com certa nostalgia, todos os lados lhe faziam alucinar com seus amigos. Algumas lembranças menos relevantes lhe voltando à mente. Sorriu de canto. De fato se deixara levar pela Frente de Batalha. Kanade havia lhe dito desde o primeiro dia que não era um anjo, e mesmo assim ele lutou contra ela como se não fosse uma humana. Embora, é claro, boa parte da culpa era pela falta de jeito da garota.

Engoliu o choro, quando ele ameaçou derrubá-lo novamente. Se estaria ali pela eternidade, tinha de lidar com aquilo. E, se fosse o mínimo altruísta, não desejaria que seus amigos fossem parar ali novamente apenas para que pudesse vê-los. Depois de tudo que haviam vivido, mereciam uma vida feliz e proveitosa. Desejou de corpo ― ainda que não tivesse mais um corpo físico, de fato ― e alma que eles se encontrassem no mundo real.

Atravessou o pátio e adentrou o refeitório, acabando sentado sozinho em uma das mesas com um prato de Mapo Tofu à sua frente. Era realmente picante.
Sua mente vagueou para vários lugares sem que notasse. Otonashi percebeu que conhecera uma garotinha cuja juventude havia sido estragada e interrompida. Sua irmã teria ido parar ali? Ou ela aceitara a morte e seguira direto para a paz? Se tivesse estado ali, seria culpa dele?

"Arigatō."

Suspirou ao lembra-se da voz de sua irmã, sempre agradecendo-o alegremente. Não adiantava colocar sua consciência pesada àquela altura. Se Hatsune havia ido parar ali, ele poderia ter tido a chance de vê-la. Mas isso não aconteceu. Ela ficara assustada ao chegar ali? Conhecera alguém da Frente de Batalha? Teria conseguido sua realização? Teria virado uma NPC?

Deixou a cabeça pender nas mãos enquanto sorria sem qualquer emoção. Estava se deixando perder em perguntas sem respostas. Se questionava quanto tempo demoraria para mais alguém acabar ali, desmemoriado e precisando de um guia... Aquela situação fazia de Yuzuru um Shinigami?

Deixou o refeitório com a boca queimando até a garganta e começou uma busca inconsciente por algo que sabia não estar ali. Talvez esperasse que algum jovem fosse aparecer subitamente, completamente perdido como ele estivera algum tempo antes.
Acabou no ponto onde havia acordado logo depois de morrer, lembrando-se de Yuri lhe dizendo coisas que pareciam uma brincadeira de mau gosto.

Ergueu a cabeça para o campo e...

Seus olhos se arregalaram por um instante, sem acreditar no que estavam vendo. Yuzuru deu apenas um passo incerto para trás, antes de lançar-se para frente e descer as escadas em direção à quadra em uma velocidade intensa.

Travou os pés antes de esbarrar na figura que o encarava, ambos permanecendo em silêncio.

― Como...? ― Foi tudo que conseguiu dizer.

Kanade abaixou a cabeça e fitou as próprias mãos, parecendo pensativa. Os olhos amarelados logo voltaram-se para o ruivo.

― O Harmonics foi ativado de forma passiva quando eu estava prestes a desaparecer ― ela explicou calmamente, a voz baixa não revelando qualquer emoção. ― Parece que ele evoluiu sozinho, e me dividiu entre meu dois desejos.

― Dois desejos? ― Otonashi ainda se sentia fora de órbita, como se aquilo não passasse de um sonho.

Tachibana assentiu.

― Quem eu era quando humana, que desejava agradecer ao doador do meu coração. E quem eu me tornei nesse mundo, com nossos amigos e com você, que desejava estar com Yuzuru para sempre.

O garoto ficou parado por um momento. Ele podia acreditar naquilo? Não acordaria a qualquer momento, completamente sozinho naquele mundo?

― Isso não... não é possível ― murmurou, embora sem muita convicção. Muitas coisas que lhe pareciam impossíveis haviam acontecido ali.

― Você no início veio parar aqui só para que eu pudesse agradecê-lo, não foi isso? ― ela indagou, não pela primeira vez mostrando ao outro um motivo lógico óbvio que não havia notado. ― Então acho que faz sentido eu continuar aqui por sua causa.

Kanade voltou a encarar as próprias mãos, e surpreendeu-se ligeiramente quando Yuzuru puxou-a para um abraço. Ela podia sentir as lágrimas dele molhando seu uniforme, mas dessa vez ambos sentiam-se mais leves. Se ainda estavam ali, era por causa um do outro, e não havia medo ou anseio que os preenchesse.

Ele escorregou até o chão, caindo de joelhos, os braços agarrados à cintura dela, que pôs-se a acariciar os cabelos macios de Otonashi. Sentiu que ela própria chorava, nada além de gotas que escorriam por seu rosto sem que entendesse realmente o motivo, mas o momento lhe soava especial. Estava feliz.

― Arigatō, Kanade ― Yuzuru emitiu, com a voz ainda embargada.

― Aishiteru ― ela respondeu em um tom de voz baixo.

O ruivo ergueu a cabeça por um momento, encarando-a. De alguma forma, sentia como se houvesse um coração dentro de si que reagia àquela palavra. Os papeis haviam sido invertidos, mas ali nenhum dos dois iria desaparecer. Abriu um sorriso bobo, antes de dizer mais uma última vez:

― Kanade. Aishiteru. Arigatō.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.