Aquela Pessoa... Minha Pessoa.

That person... My person.


- Você não quer ser poderosa? Você não quer ter em mãos todo o seu poder roubado uma vez pelo anel sinistro? – Sussurrava o demônio que tinha a aparência aproximada de um morcego, chamado de Angkor. – Vamos, aceite meu contrato. Você terá todo o poder que quiser... Mas com três condições.

Aisha o olhou esperançosa. Ter seus poderes de volta era tudo o que ela queria, desde o começo de sua jornada com o grupo. Era se objetivo, sua dedicação. Por um segundo, seus lábios avermelhados e delicados se entreabriram, liberando um suspiro de pura incerteza. Incerteza... A angústia corria solta por suas veias e entranhas, causando as chamadas borboletas em seu estômago.

- E quais... São elas? – Atreveu-se a proferir algumas palavras ao demônio, não demonstrando temor por sua aparência e pelo que ele era capaz, e sim pelo quê poderia perder caso aceitasse o contrato. Algo lhe dizia que aquele não era o melhor caminho.

O sorriso aparentemente adorável de Angkor continuava em sua boca delicadamente curvada, assim como os lábios de um felino. – A primeira é bem simples. – Dizia numa voz aguda e suave. – Você terá que me carregar nesta forma, aonde quer que vá.

Ela suspirou, agora com um leve alívio.

- A segunda, - continuou ele. – Você terá que usar as roupas e acessórios que eu quiser. – Angkor deu uma pausa, plainando ao redor da menina que flutuava em sua dimensão. Uma dimensão entre o espaço tempo, apenas compostas por algo que simples seres humanos não poderiam distinguir sua consistência, tendo a cor roxa como dominante no recinto.

- E... A terceira? – Perguntou incerta, sem entender o motivo da grande pausa.

Ao mandado do demônio através do balançar de uma de suas pequenas asas, um buraco entre a essência arroxeada se abriu, passando-se neste vão diversas imagens de um dos integrantes do grupo, no qual também era dono do coração da menina; Elsword.

O coração da maga apresentou batimentos cardíacos rápidos, seguido de um leve rubor em seu rosto delicado e infantil. Os olhos amarelos do demônio brilharam, parecendo absorver o que a garota sentia. E realmente, era um sabor delicioso e poderoso; o sabor de sentimentos doces e inocentes, mas fortes o bastante para derrubá-lo.

Por outro lado, a tela onde se passava as imagens de Elsword, não eram apenas imagens aleatórias. Eram suas lembranças, projetadas pela própria mente de Aisha. Todas as vezes que eles brigaram por motivos idiotas até os momentos mais constrangedores. Angkor tomava cada vez mais gosto em fazer a terceira condição. Seria no mínimo divertido brincar e devorar os sentimentos tão puros de uma garotinha sedenta por poder. – A terceira... – Dizia o demônio. – Seus sentimentos por aquela pessoa não existirão mais, igualmente tudo o que vocês passaram juntos.

A maga soltou um suspiro de surpresa. O que ele queria dizer com aquilo? Como assim aquilo...?

Eram tantos sentimentos cultivados... Tantas lembranças... Ela não poderia permitir aquilo... Não contra aquela pessoa. Não contra o garoto ruivo esquentado, que vivia puxando briga consigo, e em contrapartida, por passarem tanto tempo juntos – mesmo em meio às brigas -, Aisha começou a se sentir confusa. O odiava, afinal? No início podia-se dizer que sim. Mas ao fim, ambos cresceram. Ambos continuaram trilhando seus caminhos juntos, mesmo havendo objetivos diferentes. Elsword havia crescido tanto... Já era um Cavaleiro das Runas – um arcano – tendo controlado sua fraqueza contra magia e a tornado sua maior aliada.

E Aisha? Aisha ainda era uma simples estudante de magia negra, atrasada perto do restante. Vivia querendo estar na frente, mas ao final, sempre esteve atrás, principalmente daquele que ela tanto queria superar e acabou entregando seu coração.

Pairando no ar, ela abraçou as próprias pernas, olhando fixamente aos joelhos no intuito de impedir com que as lágrimas deixassem o canto de seus orbes lilases. Não podia aceitar... O que realmente queria agora? Poder? Queria ficar mais forte, poder acompanhar o restante... Por um segundo pensou em aceitar a proposta, era realmente tentadora.

Porém... Todas aquelas lembranças deixariam de existir... E era realmente muita coisa. A maga fechou os olhos e então... Ela se lembrou de algo bom, fazendo-o ser transmitido naquela tela mágica também.

Era sua lembrança mais preciosa, desde que se uniu ao grupo...

- E-Eu não quero mais amar! ... I-Isso... Isso é tão... Tão doloroso... – Dizia a menina aos prantos próximo ao lago que refletia sua imagem sofrida. A imagem de ter o moreno - Raven – beijando a arqueira, não a fizera bem. Sempre o achara tão maduro e também que aquele era o merecedor de seus sentimentos. Mas estava enganada.

Mais atrás jazia o aprendiz arcano ruivo, assistindo a menina chorar em silêncio. O que deveria fazer? Talvez ela o odiasse. Ele sabia bem que a menina gostava do mercenário, afinal, aquilo estava claro a todos, exceto ao moreno. De certa forma... Ele se sentia mal em presenciar a cena. Aisha costumava ser tão forte, sempre puxando briga consigo... Um suspiro deixou os lábios do menino, e então, ele se proferiu. - ... Aisha?

Aisha por sua vez, tratou de limpar rapidamente suas lágrimas para que ele não visse. Machucaria ainda mais seu orgulho ferido se o espadachim a visse assim.

- ... A-Algum problema? – Dizia ela entre soluços que fazia questão de esconder. – E-Eu caí e acabei m-me machucando feio aqui... – Mentia forçando uma risadinha.

- Mentirosa. – Elsword soltou quase no mesmo instante, sentando-se ao lado da maga, que por sua vez ficou em silêncio, parecendo aceitar o fato que tentar esconder as coisas dele era impossível no momento.

Seus dedos finos e delicados apertavam-se sobre os babados do vestido e Elsword permanecia inquieto diante do clima pesado ali. Aquilo não combinava com ela, nem em um milhão de anos. – Ei... – Chamou-a.

- Hm...?

- Eu... Posso não ser a melhor pessoa pra te falar isso, mas... – Ele dizia um pouco impaciente e pensativo, aparentando procurar palavras para falar com ela. Afinal, era literalmente, a primeira vez que estavam sem discutir desde que haviam se unido. - ... Isso de chorar não combina com você.

A maga o encarou surpresa. Seus olhos recebiam a iluminação direta da lua, estando ainda mais brilhantes pelo pranto recente. E de repente... Uma singela lágrima deslizou por sua bochecha deixando o espadachim sem jeito. – E-Ei, p-pare de chorar... – Continuava Elsword, com o rosto levemente ruborizado. – E-Ele é um idiota... Não percebe que a Rena é uma víbora, mas que esconde isso com os peitos. ... D-Digo! – Soltou confuso.

Tais coisas sem nexo fizeram a menina soltar uma risadinha, seguida de um sorriso sincero. Quem diria... Os rivais finalmente em paz. O espadachim pareceu corar ainda mais ao fitar a menina e ver o quão belo era seu sorriso. Não apenas isso; o quão belo era seu rosto, o cabelo que lhe caía sobre os olhos, e o quão adorável ela poderia ser. Pensava também no quanto haviam brigado e ele havia dito coisas que agora podia enxergar que não era verdade e que poderiam ter magoado a outra.

- V-Você... – Disse Aisha limpando a lágrima do canto dos outros, suspirando por ter dado tanta risada. – Você é um idiota... Porém... – Parou para olhar fundo em seus olhos carmesim. – Você é bonzinho.

Aquilo era demais pra ele. Totalmente ruborizado e sem graça, levantou-se num movimento brusco, não entendendo o que estava se passando consigo mesmo. Por que seu coração batia tão rápido afinal? E não era só o dele. O coraçãozinho da menina ali também palpitava de maneira diferente. Parecia... Mais calmo, mais feliz.

- Elsword! Aonde vai?

- E-Eu... E-eu vou encontrar o restante, devem estar nos esperando. – Falou sem encará-la. – Vamos logo!

Ela rapidamente se levantou, rumando atrás do menino. Porém, ao invés de acompanha-lo de volta, ela o abraçou por trás depositando sua testa na nuca do garoto. Podia sentir seu cheiro, sua presença calorosa. O ruivo tentou se soltar, mas em vão. – Espere... Só... Só mais um pouco. – Disse Aisha. E como pedido, ele obedeceu.

Pela proximidade de ambos os corpos, ele podia sentir o tórax da roxinha encostar-se a suas costas e em contrapartida, sentia algo palpitar fortemente ao lado esquerdo. Igualmente Aisha; que jazia uma de suas mãos sobre o peitoral do mais novo. Ambos os corações palpitando loucamente... E que apesar de tudo, sentiam-se calmos tendo a companhia um do outro, desejando que tal ação se repetisse depois.

E foi naquele momento que seus sentimentos por ele afloraram.”

- Dentro de mim – Murmurou Aisha, atraindo o olhar confuso de Angkor. - Está cheio de pensamentos sobre uma pessoa. – Pausou, ainda olhando seus joelhos cobertos pela meia branca e delicada. – Se essa pessoa sorrir para mim – Na tela mágica então apareceu o ruivo esquentado sorrindo. – Eu ficarei feliz. – E nos lábios da garota, um mínimo sorriso de esperança surgiu.

- Se você deseja ficar mais forte, estes sentimentos atrapalhar-... – Foi interrompido.

- Se essa pessoa ficar comigo... – Seus braços se apertaram mais ao redor de suas pernas, conforme outra imagem aparecia na tela; a imagem de ambos se abraçando. – Eu ficarei feliz. – Pausou novamente, fechando os olhos. – Se essa pessoa estiver feliz... Eu estarei feliz.

E então, Aisha reuniu forças para levantar o olhar e olhar as imagens que passavam diante de si. - Essa pessoa é especial, é diferente das outras... É valioso... – O sorriso doce se alargou, fazendo o demônio fitá-la confuso. – Essa... É a minha pessoa.

Seus orbes lilases passaram a olhar os olhos amarelos e miúdos de Angkor. Ela estava quebrando seu mundo com tantos sentimentos bons, por isso queria tomá-los antes que fosse tarde. Rachaduras surgiam entre tanta essência arroxeada, fazendo-o olhar constantemente ao redor.

- Eu desejo poder, mas... – A menina endireitou a postura e posicionou as mãos em frente ao peito. – Viver num mundo sem aqueles sentimentos por aquela pessoa não faria sentido. Eu seria poderosa, teria meus títulos de volta e o reconhecimento de meu avô como sempre quis, desde que o anel tomou meus poderes. – Ela se aproximou do demônio.

- Não se aproxime! – Ordenou ele, em vão. A maga continuava a aproximar suas mãos delicadas do corpo pequeno dele.

E então, posicionou seus dedos em cada lado deste, segurando-o como se fosse uma pelúcia. – Mas em contrapartida... Eu esqueceria a maior parte de minha jornada com aquela pessoa e isso seria inaceitável. – Pausou outra vez, sorrindo gentil à Angkor. – Eu estaria sendo egoísta aceitando sua proposta e esquecendo os princípios ensinados pelo meu avô. Ele sempre me dizia que o amor era bom e que isso um dia faria parte de mim. E hoje eu consigo enxergar isso.

Angkor a olhava surpreso... Segundos atrás, ela era apenas uma menininha inocente e indecisa.

- Entre ser poderosa, mas esquecer do amor que sinto por aquela pessoa... E ser fraca, mas trilhando meu caminho ao lado dela... Eu prefiro continuar sendo fraca. – Deu uma risadinha, soltando-o por fim. – Desculpe.

Não podia estar acontecendo... Ela havia o vencido somente com palavras. Que garota era aquela? O demônio encantou-se com a aura luminosa e quente que Aisha emanava, mesmo sendo portadora dos princípios de magia negra. Em todos os seus anos de vida, nunca havia visto aquilo. E novamente, o sorriso felino surgiu em sua pequena boca.

Uma luz invadiu o corpo de Angkor, e o mesmo voou em direção da menina, recobrindo seu corpo sobre o tecido de sua roupa. – Eu vejo em ti merecimento para usar meus poderes. – Aquela roupa antiga, fora substituída por uma nova, que se assimilava muito com as cores correspondentes ao pequeno corpo do demônio. – Como não posso vencer o amor que em si reside, aprenderei a conviver com ele.

A maga assistia sua roupa mudar surpresa. A tela mágica não demorou a se desfazer, e todas aquelas rachaduras mínimas na dimensão se intensificaram. Sem o dono dali, não fazia mais sentido aquela dimensão existir. Aisha cerrou os olhos, temendo o que poderia acontecer em seguida; não estava preparada.

E por incrível que pareça, ao abrir seus olhos novamente, se deparou deitada, olhando ao céu azul. Podia sentir a grama tocar sua nuca e suas costas nuas – graças às vestes da Void Princess – e uma brisa refrescante tocar seu rosto.

- Hey Aisha! Pare de dormir aí, temos muito que fazer! – A voz daquela pessoa entrou em seus ouvidos como uma melodia agradável. Elsword exclamava um tanto distante, fazendo a maga se colocar de pé.

- Eu já vou! – Respondeu um tanto invocada, apressando os passos para alcançá-lo.

Estava com as roupas daquele sonho, e notava que seu cajado também estava diferente, sem entender se aquilo realmente fora um sonho ou se era parte da realidade.

- Huh... Quando foi que trocou de roupa? – Perguntou o ruivo esboçando certa curiosidade.

- Você deve estar maluco, ruivo bobo. – Soltou divertida, passando por ele sem olhar para trás. Sem ter o menino olhando, Aisha colocou uma das mãos sobre o peito, sentindo algo falar dentro de si. Aquilo apenas aguçava a curiosidade do rapaz, que a observava ir à frente. Parecia... Mais madura.

- Ah! Espere! – E em passos desajeitados, ele a seguiu.

E ao longe, flutuando atrás de uma árvore, Angkor observava a garota tão cativante e agora podia realmente entender os motivos da tal não querer esquecer o rapaz tão bobo, mas que realmente aparentava ser poderoso.

“Você foi aquela que me venceu e ganhou merecimento de usar meus poderes graça ao seu amor puro. Faça meu esforço valer à pena e torne-se ainda mais poderosa, Princesa das Almas...”.