Queria entender o porquê de suspirar tanto... Tenho meus poderes de volta, estou com meus amigos, vencemos também todo o mal de Elyos...

Eu ainda não achei contentamento nisto, sinto que algo me falta. E suspirou pela oitava vez, desde que havia se deitado para descansar. A janela do quarto jazia aberta por onde entravam simples, mas lindos fiascos de luz lunar, banhando o corpo estirado da Princesa das Almas sobre a cama simplória.

Haviam se passado poucos meses desde o contrato com o demônio. Olhou as próprias mãos, ainda mantendo o outro antebraço sobre a testa, podendo sentir todo aquele poder correr por suas veias, constituir seu ser, também consumido pela angústia. Angkor estava ao seu lado, pousado entre o amontoado de cobertas que a garota havia causado com a inquietude de seus pés. Já beiravam três horas da manhã e nada do sono visitá-la.

Acabou se sentando e abraçando as próprias pernas. Engoliu pesado, tentando fazer aquela aflição toda contida em sua garganta descer junto de sua saliva, o que fora em vão.

– Eu... – Apenas um fio de voz deixou seus lábios delicados. – ... Que estes suspiros se transformem em felicidade, raios...! – Praguejou e comprimiu os lábios, encarando o morcego adormecido. Ele poderia dar-lhe todo o poder necessário, porém, de nada valeria se em si não houvesse a vontade de viver.

Jogou o próprio corpo para trás e então se deitou na mesma posição anterior, distraída. A angústia corroía suas entranhas até visualizar uma pena banhada em aura angelical pousar sobre sua barriga, automaticamente chamando sua atenção. Não demorou a virar seu olhar à janela aberta e se deparar com uma figura muito familiar à seus olhos, mas ao mesmo tempo, diferente.

Era uma garota assim como ela, seus cabelos eram lilases, presos em dois rabos de cavalos baixos. Esta estava sentada na janela, observando a maga sobre a cama. Suas roupas eram compostas por um casaco comprido branco, uma cacharréu roxa, saia com pregas e uma meia 7/8 que cobriam suas pernas. Ela sorria gentil e, apesar de ter poucas penas brancas ao seu redor, não possuía asas. De certa forma, ousada.

Mas o que...? O que é isso? – Q-Quem é você? – Perguntou Aisha surpresa, sentando-se na cama devagar. Não sabia se deixava a surpresa tomá-la, ou até o pavor por ter um indivíduo extremamente parecido consigo bem em sua frente.

- Eu sou você. – O sorriso da outra se alargou, conforme esta descia da janela e caminhava para o meio do quarto. Embora o cômodo estivesse apenas iluminado pela luz de fora, a aura angelical a acompanhava. Ao contrário da Princesa das Almas, a outra garota parecia feliz; nenhum tipo de vestígio de lágrimas ou angústia. Um semblante tranquilo. – Você se lembra, não?

- L-Lembro-me de q-que? – Aisha ainda estava sem reação.

- Aquilo que está te atrapalhando. – A outra pôs as mãos para trás e curvou brevemente o corpo para frente, soltando uma risada gostosa e agradável. – Eu sei que você se lembra e isso não deveria estar aí, com você.

- D-Do q-que... Está falando...? – Franzia o cenho constantemente. – E-Eu n-não me lembro de nad-...

E seu fisco de voz fora interrompido por um baque de muitas lembranças, invadindo sua mente e a levou para um lugar desconhecido. Ali Aisha podia ver ao longe... Uma garotinha de cabelos curtos e lilases lendo um livro em um canto e outro lado, muitas crianças juntas. Estas sorriam, mas por outro lado a garotinha esboçava um semblante tristonho. A princesa das Almas pôde caminhar para o lugar onde fora transportada, indo para o lado da pequenina agachada. Algumas crianças riam da menor, zombavam de si e de seu jeito.

A maga podia vê-la perfeitamente, porém, ao tentar tocá-la sua mão ultrapassava sua imagem. Aquilo não era real; era apenas uma ilusão montada com suas lembranças... Ainda sim podia ouvir os múrmuros de outrora, inclusive se entristecer com aquilo também. Suspirou frustrada; ainda não havia se tocado que aquela pequena maguinha era si própria quando menor.

Centrou seus olhos nos olhos grandes da menina agachada, notando bem seu semblante. Seus orbes lilases não deixaram de captar uma singela lágrima descer pela bochecha da criança, molhando a página de seu livro.

“- P-Pare c-com isso... E-Eu só quero amigos... Trocaria tudo p-por isso...” A pequena dizia baixinho e um soluço escapou de sua garganta, conforme se esforçava a colocar seu pequeno corpo em pé.

Os olhos da maga maior se arregalaram. Essa... S-Sou e-eu... Observava a menor limpar o rosto com a manga comprida de seu vestido, esforçando-se a continuar sua leitura.

“- Seria d-divertido se... As b-belas escrituras dos livros se t-tornassem realidade...” Ela deu uma pausa, soltando um sorriso sofrido. Crianças ao fundo apontavam para ela e riam maldosas. “Um g-grupo de heróis... Saem em uma aventura, u-unidos p-por um objetivo parecido... E acabar se t-tornando amigos...”

O corpo da maior tornou-se trêmulo e esta comprimiu os lábios abafando um soluço. Lágrimas deixavam seus olhos de uma maneira descontrolada, até que permitiu de seus joelhos encontrarem o chão bruscamente. Apertou uma das mãos ao peito; a angústia parecia consumir ainda mais seu corpo, porém, havia uma diferença. Agora havia descoberto o motivo de toda a sua aflição, vindo de um passado triste.

Um velho logo se aproximou da pequena maga sorrindo gentil e espantou todas as crianças.

- V-Vovô! – Gritou Aisha entre seus prantos, apoiando uma de suas mãos no chão e a outra estendia, tentando obter a figura do homem e a pequena se distanciando. Seu choro apenas se intensificou ao notar que ambos estavam indo embora. – V-Vovô! N-Não me d-deixe!!

Não adiantava; sequer podia tocá-los, sequer podiam ouvir seus prantos. Levou ambas as mãos ao peito agora, apertando o tecido da camisola que usava. Torcia o semblante e permitia diversos grunhidos providos de mágoas acumuladas escaparem de seus lábios entreabertos até o momento que sentiu dois braços entrelaçarem-se gentilmente ao redor de seu pescoço, uma presença angelical.

- Você se lembrou, não foi? – A voz atrás de si dizia calmamente. – Aquele dia nós desejamos trocar qualquer coisa para apenas termos amigos de verdade... Você sabe o que foi? – Apertou o abraço. – Nós tivemos nossos poderes sugados por um anel em uma de nossas viagens, lembra-se? Isso acabou nos unido a pessoas especiais...

Os prantos da maga apenas se intensificavam, tendo suas feridas cutucadas de forma cruel. Mas de fato, aquilo era verdade. Seu objetivo era apenas viajar em busca de poder e conhecimento, e por causa deste acabou ganhando amigos de verdade. Amigos que não a abandonaram, apesar de ter escolhido seu lado negro. Aquela que a abraçava, era seu lado branco, vindo talvez de outra realidade.

- Isso não deveria estar com você... – A maga angelical desvencilhou o abraço traseiro, caminhando para frente de Aisha. – Isso deveria fazer parte de mim, não de você. – Estendeu os braços. – Venha, deixe-me transformar seus suspiros em felicidade. – Sorriu abertamente, e a Princesa das Almas não se conteve em se levantar depressa e embora cambaleante, dirigir-se a abraçar seu outro eu.

Usou o ombro de seu alter-ego para prantear na tentativa de mandar suas mágoas embora e o sorriso bondoso da outra permanecia inabalável. – Você escolheu o poder e a ousadia... Eu escolhi o poder e o amor. Mas para ter acesso ao amor, eu devo saber o significado da dor. Você tem o que eu preciso e eu tenho o que você precisa.

Aisha passou a olhá-la confusa, parecendo cessar seu pranto por poucos segundos. Neste intervalo, a outra maga aproveitou para depositar um beijo carinhoso em sua testa, desejando apenas sugar aquela angústia para si e manter seu alter-ego com a felicidade. E de fato, aquilo aparentava funcionar... Asas angelicais deixaram suas costas, enquanto apertava ainda mais o abraço na maga negra, sugando-lhe o que a fazia mal.

Os minutos não tardaram. O abraço que era confortante logo fora desvencilhado, revelando a face tristonha e o sorriso sofrido da maga branca e a mesma ia se afastando de Aisha. – Desculpe a demora... Mas chegou sua hora de sorrir. Quanto à mim? Nossos amigos me ajudarão a superar sua angústia passada para mim.

Aisha a olhava incrédula, mas por outro lado, já não sentia necessidade de prantear ou até aquele aperto em seu coração. Sentia-se leve, feliz.

- Eu sou a Mestra Elemental, foi um prazer conhecê-la Princesa das Almas... – A outra enxugou seu rosto úmido por lágrimas constantes e suas asas brancas liberaram um brilho ofuscante, forçando Aisha a fechar seus olhos. – Cuide bem deles... – E fora a ultima coisa que ouviu.

Quando abriu os olhos, já se encontrava em seu quarto novamente, sentada sobre o tapete de centro. Olhou incrédula ao redor, tentando entender que a visão acabada de ser vista era um sonho ou se era real. Acabou por se deparar com uma pena branca caindo bem diante de seu rosto no momento em que o virou e não hesitou em toma-la entre seus dedos.

- Isso foi... Real...? – Levou a mão livre ao peito. Já não sentia aquela angústia dolorosa. Usou a mesma mão para enxugar o rosto molhado e por fim dera um sorriso gentil.

Levantou-se depressa rumando à janela aberta para olhar adiante, o que acabou acordando Angkor. Este soltou um bocejo preguiçoso e pôs-se a voar para o lado da maga, tentando tirar suas conclusões sobre sua possível animação. Então ela a visitou? Seu sorriso felino se alargou. Bom... Muito bom.

Aisha sorria contente, coisa que não fazia há muito tempo. Soltou aquela pena angelical para fora da janela e esta plainou no ar, tomando seu caminho livremente e a menina acompanhou-a com os olhos banhados em esperança. Um novo caminho estava aberto... Apenas esperava que seu outro eu também conseguisse ser tão feliz quanto ela estava no momento, de coração.

- Senhorita Aisha, beiram quatro da manhã, não é melhor que volte a dormir? – Dizia Angkor, aproximando-se da maga.

- Hm, já vou. – Resmungou de volta sem deixar de sorrir. Virou-se e se espreguiçou preguiçosa, bocejando em seguida. – Você também não deveria estar acordado. – Soltou uma risada baixa e divertida, caminhando em direção à sua cama. O morcego a seguiu fielmente, não deixando de sorrir misterioso. Não havia nada mais no caminho de sua hospedeira que a impedisse de ser a mais poderosa.

Ao final, a garota se ajeitou na cama e se cobriu, deixando um espaço sobre suas coxas para que o pequeno companheiro se aninhasse ali sem muitas cerimônias. Não tardando os minutos, ela fechou os olhos após soltar um longo suspiro. Não um suspiro aflito e sim um suspiro de felicidade e contentamento... Agora poderia dormir em paz graças à ela...

Desculpe por fazê-la carregar meu fardo, espero que seja tão feliz quanto eu sou agora... Também peço que cuide de nossos amigos, principalmente... Ele.

Obrigada, Mestra Elemental... De coração.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.