Terra

“Queria lembrar do meu pai de uma maneira diferente. Não queria que toda maldita vez que me lembrasse dele, lembrasse da besteira que fiz naquele dia. Não tinha ideia do fardo que carregaria comigo desde então. Pior. Fui facilmente enganado pelo Diabo. Inferno! É sempre a mesma coisa quando começo a me lembrar. Não posso chamar isso de nostalgia, posso? Fiz o que fiz porque amava meu pai. Ele era minha fonte de inspiração. E hoje me lembrei dele. As principais rodovias de acesso a Nova York estavam fechadas. Tipo um aviso de não entre. Tudo bloqueado. Nenhum veículo terrestre podia entrar ou sair daquele aglomerado de metal retorcido. Ah, mas minha moto pode não ser bem terrestre quando o Espírito da Vingança toma o controle. Ele parece uma criança mimada. Eu digo não, ele diz sim. Quando ele acelerou a moto e saltou sobre os escombros, enquanto pairava no ar, o tempo parecia ter parado. Bem, afinal de contas, eu adorava aquela sensação. Aquela emoção. Meu pai foi quem me ensinou a saltar com motos. Mas ele, ele era o mestre nisso. Daí lembrei dele. Lembrei que uma vez lhe perguntaram: ‘Você não tem medo de saltar tão alto assim em suas apresentações ?’. Meu pai muito sábio respondeu: ‘Não é o salto que me assusta, e sim a aterrissagem.’ Neste momento senti o impacto da moto em solo firme. Derrapando de lado, o Espírito conseguiu controlar o pouso sem nos espatifarmos no chão. Claro, ele podia contar com minhas habilidades de piloto. Mas o barulho logo chamou a atenção deles. Encontrei poucos no caminho. Ali haviam centenas. Ah velho pai... O senhor não podia estar mais certo...”

O Motoqueiro Fantasma puxou a firme corrente que prendera transversalmente em sua jaqueta. Com uma das mãos a estralou no ar como um chicote e começou a gira-la freneticamente. Com a outra acelerava a moto, fazendo com que o ronco do motor os chamasse para a briga. As aberrações zumbificadas deram um passo a frente, e o Motoqueiro gargalhou. Sabia que eles não tinham a menor chance. Acelerou e soltou a embreagem de sua moto. Os que não morreram atropelados, ou foram queimados pelas chamas do inferno que exalavam de sua moto e outros eram decepados pelo forte atrito da corrente.

Era uma longa avenida. Ele agitava a moto de um lado para o outro. Tentava atingir o máximo de criaturas possíveis. Enfrentar um ou dois no mano a mano era fácil. Logo o número começou a fazer diferença. Ao virar em uma rua, o caminho se estreitou. O Motoqueiro já não agitava mais sua corrente. Com as duas mãos firmes ao guidão, tentava se manter em reta. Ricocheteou em todos os carros da rua, até perder o controle e cair. O Espírito estava fraco. Protegia o corpo de Jhonny a todos os atritos. Mas o Espírito cedeu, dando lugar a Jhonny Blaze. A horda caminhava em sua direção. Ele tentou se por de pé e quase caiu. Ainda estava levemente embriagado. Mas riu, afinal quem iria multa-lo por pilotar uma moto bêbado? Conseguiu alcançar sua moto, que ainda estava ligada, por sorte. A pôs em pé, quando um tremor o chama atenção de volta a horda. Ele vê uma figura pequena e ligeira, que saltitando de cabeça em cabeça vinha correndo em sua direção. Com um último salto, uma bola de pelos agarrou em suas costas. Munido de um revólver, o pequeno guaxinim que pousara em suas costas gritava apontando a arma para Jhonny:

– Acelera essa porra! Anda!

Os tremores começaram novamente. Seguido de um grito assustador, corpos dos zumbis são arremessados ao longe. Do meio da horda, o Hulk agora faminto por carne fresca corre em direção a eles.

– Por Deus... – Lamentou com pesar Jhonny Blaze - O Hulk não...

Rocket fechou as garras sobre o casaco de couro de Blaze, garantindo que a pistola estivesse segura em seu punho. Não fora tão difícil tirar a arma do ser – Não que ele fosse tentar qualquer coisa após ter a artéria dilacerada num frenesi de ódio vindo do pequeno grande guaxinim – mas queria mantê-la consigo por mais tempo que pudesse. Ainda mais com um Hulk vindo atrás deles.

“Sinceramente, essa é a melhor moto que conseguiu encontrar? Não tinha nada melhor não?” Ele disse, atrevendo-se a soltar da jaqueta por um segundo e recarregar a arma. Neste momento, um Hulk Smash violento fez tremer o solo e a moto deu uma nova guinchada para frente, lançando ao guaxinim e ao Motoqueiro com força. Rocket baixou as orelhas, as costas latejando, enquanto o homem ao seu lado gemia de dor, tendo sido lançado contra o semáforo, e disse a única coisa que poderia dizer naquele momento.

“Ferrou”.

Hulk respondeu com um novo Hulk Smash, mas ambos já estavam preparados para isso. O Guaxinim ignorou a dor nas costas e saltou no ombro do homem, atirando sem misericórdia contra o olho do monstro para tentar derrubá-lo. Não que a altura fosse ideal. “Meu parceiro Groot faz um trabalho muito melhor que o seu, humano. Só dizendo...” Ele disse, sorrindo, e, enquanto o gigante corria até eles, esperou pelo movimento do homem. Foi então que se tocou... Ele era apenas um humano. Um humano numa moto. Seu ticket para a morte. Por alguns segundos, o homem nada fez, perdido num transe enquanto a criatura se aproximava. As balas da pistola estavam acabando e o desespero começou a se instalar no coração irritado do pequeno guaxinim. “Se não fizer alguma coisa rápido, te entrego pro Hulk e ele come tua carcaça, ô, imbecil!”

Então Jhonny Blaze abriu os olhos. Colocando-se de pé, deu um passo a frente e cambaleou por um instante, mas logo recuperara o equilíbrio. A pequena bola de pelos em seu ombro se equilibrou com destreza.

– Fuja daqui... Pro mais longe que puder... As coisas vão esquentar... – Disse Jhonny levemente virando o rosto, tentando alcançar o pequeno guaxinim com os olhos apertados.

Mais do que depressa o pequeno desceu ligeiramente. A arma em suas mãos, só restava uma bala. Rocket a jogou aos pés de Jhonny Blaze, e resmungou: “Você é bem corajoso para um humano... Ae, tem uma bala só, mas vai acabar com seu sofrimento de uma maneira mais rápida...” Antes mesmo do pequeno guaxinim correr para as pequenas frestas de um prédio, pode ouvir a risada de Blaze:

– Uma bala? Haha, acredite... Não vai funcionar... Eu já tentei...

Rocket Racoon ficou fitando a figura humana. Pensou consigo: “Esse cara me lembra o Peter Quill...” Hulk avançava com velocidade de Jhonny Blaze. Mesmo como um zumbi, ele ainda era uma monstruosidade imbatível. Jhonny sorria quando o punho verde cerrado de Hulk o atingiu.

Rocket Racoon virou o rosto. Não queria acompanhar tal cena. Já viu como essas criaturas se alimentam. Aquele homem merecia uma segunda chance. Foi o que pensou o pequeno enquanto se projetava para frente em um pequeno salto. De repente Rocket parou. Suas orelhas se puseram de pé. Seus finos bigodes se agitaram. Quando se virou, o brilho da chama que avistara estava estampado em seus olhinhos escuros como a noite. Jhonny estava de pé e segurava o punho do grandalhão verde-zumbi com suas mãos.

Hulk... Você é... Culpado!

“Você tá de... Sacanagem!”. O pequeno parou abismado. O Motoqueiro Fantasma a sua frente media forças com o Hulk. Parecia que o grandalhão não teria Blaze mal passado para o jantar.

Onde uma vez estivera um homem comum, agora se encontrava uma figura. O rosto esquelético parecia emoldurado em um sorriso enquanto a mão daquele que estava tomado pelo Espírito de Vingança segurava o punho de Hulk com força. Antes que o antigo líder dos Guardiões da Galáxia pudesse entender completamente o que estava acontecendo, uma corrente demoníaca se materializou e esta, agora pegando fogo, bateu no chão com violência, como a atiçar ainda mais a criatura. Rocket estava prestes a se aproximar para observar o espetáculo mais de perto, mas então captou outro som... Não totalmente desconhecido, mas, no momento, esquecido.

Aparentemente, o resto da horda percebera a movimentação. E agora corria até eles.

“Oh, droga...” O guaxinim exclamou, arriscando-se a olhar para trás. Enfrentara o Hulk outras vezes e sabia que não seria fácil derrotá-lo mesmo para um... Um homem-esqueleto-pegando-fogo-mas-vivo-com-uma-corrente-em-brasa. É, ele gostava deste título. Pensando nisso, voltou-se para os zumbis famintos que se dirigiam à eles. Sua decisão estava feita.

“Avise-me quando terminar para darmos o fora daqui!” Ele gritou para o homem-esqueleto e, feito isso, abriu um ferimento já cicatrizado com as garras, sorrindo com desdém ao deixar o sangue encharcar seus pelos. Estalando o pescoço, o Guardião avançou contra os seres, observando a fúria nos olhos destes ao sentirem o cheiro daquilo que mais os atraía – Sangue de seres vivos. Rocket corria em zigue-zague por baixo dos monstros, rindo e xingando enquanto desviava, muitas vezes por um triz, de seus ataques. Há tempos não se sentia tão vivo!

E a sensação, ele soube, era maravilhosa.

O Motoqueiro Fantasma girou o punho do grandalhão. Hulk gritou, mas não de dor, e sim de raiva por seu jantar resistir a ser devorado. Com um rápido “chicotear” de sua corrente, o Motoqueiro acerta as pernas musculosas do ser e forçando o punho de Hulk para cima, arremessa a criatura zumbificada para o prédio a suas costas. O Motoqueiro Fantasma é forte. Precisa ser forte. Sabe que entre todos os heróis do planeta, Hulk era o único que não poderia ter caído em desgraça. Contudo, sabia que a criatura iria se levantar, ainda mais agora que é “imortal”.

O Motoqueiro olhou para seus pés revestidos com aquelas botas de motociclistas, pois sentira que havia chutado algo. Era o pequeno revólver que o guaxinim trouxera consigo agora a pouco. Ele se abaixou e segurou a arma em uma das mãos. Com a outra, posicionou os dois dedos a sua boca e assoviou. Sua moto responde ao chamado, e ganhando vida própria se aproxima de seu mestre. Diferente da velha “lowrider” que Rocket Racoon insultara antes agora ela estava toda carenada, rodas em chamas e todo um visual bem macabro. O Espírito da Vingança gostava disso. Gostava do ronco de sua moto. Gostava de como ela o fazia se sentir bem. Parece que Jhonny Blaze conseguiu colocar algum sentimento no “cavaleiro do diabo”.

Rocket Racoon permanecia em sua corrida frenética. Se aquele matusquela tinha alguma chance de parar o Hulk, tinha que abrir uma brecha para isso. Esgueirando-se entre as pernas desengonçadas dos zumbis, ele corria para viver. Para ele e o cabeça de fósforo viverem. “Bom trabalho! Você está fazendo um bom trabalho! Distraia esses pé na cova que o lamparina vai cuidar do Hulk!”, pensava consigo o destemido guaxinim. Quando saiu da aglomeração, permaneceu correndo com as suas quatro patinhas riscando o asfalto da rua. Estava da “liderança” agora. Estava no auge do “pega-pega”. Á frente de seu focinho, pôde notar uma sombra que pairava, aparentemente distante nos céus ao julgar pelo tamanho da sombra, sombra esta que começara a crescer cada vez mais. Junto com a sombra, um zumbido se alastrou e ecoou pela rua. Por puro instinto, Rocket Racoon se abaixou o máximo que pode de maneira que suas patas continuassem a correr. Um forte vento o sacudiu e fez com que o pequeno rolasse pelo asfalto. Rapidamente se levantou e a figura que via era de um ser repugnante antes da infestação, agora era ainda mais repugnante. Sem um dos braços, o ser deu um loop no ar enquanto seu planador aparentava leves falhas em seu funcionamento. Gargalhou quando se reinclinou no ar e voltava em direção o guaxinim das galáxias. “E agora temos um Duende-Verde Zumbi...”. As presas de Rocket ficaram expostas, devido ao sorriso de ironia em seu rosto peludo.

“Siga o arrepio que percorre sua espinha” Sibilou a criatura por entre dentes quebrados, um sinistro esgar pintando suas feições. Rocket reagiu rápido; assim que o alter-ego de Norman Osborn lançou uma bomba de gás contra o solo, o guaxinim deu um salto para trás e disparou em retirada mais uma vez por entre as pernas bambas dos zumbis. Segurando a respiração, não pôde evitar um arrepio ao ver os mortos reagirem ao gás com espasmos e gemidos. Não morreriam devido a ele, mas podiam sentir o que ele fazia e Rocket com certeza não o queria.

A risada maníaca do Duende ecoou pelo local, fazendo O Motoqueiro voltar-se para a horda e se distrair por um segundo – Segundo este onde Hulk se recompôs e avançou contra ele, lançando ao Fantasma contra um prédio a um quilômetro de distância. A morte, tudo indicava, não havia afetado a força do monstro de raios gama. Nem ao demônio que agora perseguia à pequena bola de pelos no meio de centenas de mortos-vivos.

O gás já dissipado, Rocket se permitiu respirar por um segundo antes de se jogar embaixo de um carro, cobrindo a cabeça em uma reação imediata a um ataque vindo de um dos seres. “Lembrete Mental 2: Nunca voltar à Nova York e tentar ajudar a uma caveira. Nunca!” ele disse a si mesmo um segundo antes de uma explosão lançar ao carro e a ele para longe.

“Todos nós usamos máscaras, Homem-Aranha. Mas qual é a real? A que esconde sua face, ou a que é sua face?” A criatura perguntou e então riu uma risada estridente antes de mergulhar com seu planador, as pontas afiadas viradas para o pequeno ser que ainda recuperava o equilíbrio. O guaxinim tossiu com força, tentando ignorar os cacos de vidro que se aprofundavam em sua pele, mas muito atordoado e cansado para fazê-lo. Ele podia ouvir o equipamento se aproximando, cortando o ar, e soube que não seria a única coisa que cortaria. Não estava desistindo mas mesmo ele sabia que era tarde demais.

O som de carne sendo rasgada foi abafado pelos gemidos dos seres que perseguiam à movimentação exagerada à frente, sem entenderem completamente o que acontecia. Olharam confusos para a cena à frente, incapazes de prosseguir devido aos estilhaços do automóvel à frente. O líquido rubro tão conhecido por eles esguichava incessantemente e o tempo pareceu parar por um segundo que durou uma eternidade.

O guaxinim abriu os olhos com dificuldade. Ante ele, a metade de um corpo que antes fora o Duende Verde. Ao seu lado, a corrente ainda em brasa satisfeita com seu trabalho. O Motoqueiro Fantasma olhou para o pequeno caído e lhe deu sinal para que subisse no seu ombro. Mais do que depressa, o pequenino obedeceu.

“Lembrete Mental 3: Jamais contar sobre isso para Star Lord. Jamais”.