Apenas Um Sonho

Maldita curiosidade


Estava difícil conseguir escutar a conversa, demorei demais para arranjar uma posição e no final eu acabei deitada no piso com o ouvido colado no vão entre a porta e o chão. Agora que estava em um bom lugar, finalmente consegui escutar a conversa.

– Ok, só espero que ela aceite a minha proposta sobre o aborto. – Ele parou de falar e aparentemente estava escutando algumas frases, frases que ele respondia com resmungos, por fim disse: - Tá bom, tchau.

Aborto? Será que Rowley realmente queria abortar a minha sobrinha? Ele havia sido homem para fazê-la, deveria também ser um homem para criá-la e não um mero covarde. Eu concordo que Rowley era muito novo e não tinha competência nenhuma para cuidar de uma criança, mas matá-la no ventre da mãe?

O que eu iria fazer? O que eu poderia fazer? Fiquei em um dilema se contava ou não para minha mãe. Fiquei desesperada e tentei buscar soluções, mas não veio nenhuma. Decidi me acalmar e voltei para sala, como se nada houvesse acontecido.

Provavelmente minha mãe tinha acertado o supermercado, já que ainda não havia chegado. Preferi não comentar sobre o assunto do Rowley com a minha mãe, sinceramente, ele não ia mudar de ideia e haveria mais confusão. Como eu poderia deixar as coisas assim? Simplesmente eu teria que deixar as coisas assim, isso me entristeceu.

*’*

Os dias passaram rapidamente e chegou o dia do meu aniversário. Não, o dia não havia amanhecido ensolarado e sim com uma grande chuva, trovoada e um barulho de sirene. Provavelmente havia ocorrido algum acidente. De manhã, eu tive o mesmo comportamento e para a minha surpresa Rowley havia me comprado um presente.

– Parabéns maninha! – Disse-me um pouco alegre e desconfiei, achando que talvez a sua “namorada” houvesse aceitado a proposta. – Ah! Não espere nada da nossa velha, você sabe como ela é. – Disse enquanto descia as escadas.

– Hã... Rowley, só não fale nada para mamãe, eu quero que ela lembre-se por si mesma. – Dei um sorriso forçado e ele me respondeu com outro, confirmando com a cabeça.

Fui até o meu quarto e abri o presente, era uma saia rosa. Coloquei o papel de presente embaixo da minha cama, segundo minha avó aquilo “trazia” mais presentes, embora eu achasse intimamente que não funcionasse.

Definitivamente o Rowley não compreendia o meu jeito, normalmente eu nunca usaria uma saia como aquela, era para meninas mais... Meninas que sabiam se vestir, mas como era o dia do meu aniversário eu resolvi inovar um pouco.

Depois de tomar banho e fazer a minha higiene eu fui me ajeitar na frente do espelho. Coloquei aquela saia rosa que dava uma valorizada na minha perna, peguei uma blusa branca que eu nunca havia usado e como era grande demais, fiz alguns cortes com a tesoura. Ficou linda, procurei acessórios na minha gaveta e encontrei duas pulseiras e um brinco que eu também nunca havia usado. Coloquei-os e me surpreendi com o resultado. Corri até o banheiro e peguei o secador da minha mãe e tentei fazer um penteado no meu cabelo, agora sim, estava do jeito que eu queria. Meus cabelos castanhos espalhados pelos meus ombros valorizavam a minha face, meus olhos e meu sorriso. Com o vestido cortado eu parecia mais adolescente, o contrário do que minha mãe queria que eu me vestisse. Por fim, passei um pouco de blush e um batom claro, com um pouco de maquiagem e estava pronta. Se minha mãe perguntasse, eu iria simplesmente dizer que estava indo na Sthefanni.

A tarde, alguns amigos da minha mãe vieram me dar os parabéns, no entanto a minha mãe fingia nem reparar na minha aparência, ou talvez ela nunca houvesse reparado. Vieram meus primos e tios, mas todos no horário em que minha mãe não estava em casa.

Depois de um almoço normal, depois de um café da tarde normal, depois de um dia normal, pelo menos para minha mãe, ela me pediu para ir até a praça comprar algumas fraldas, já que ela queria sair com os gêmeos.

Comprei as malditas fraldas e voltei para casa, não iria chorar, já havia demonstrado que era mais forte, mas mesmo assim eu continha uma mágoa dentro de mim. Larguei as fraldas em cima da mesa e subi correndo para o meu quarto. Escutei o barulho da porta batendo, ela já estava saindo com os meus queridos irmãos e eu fiquei no meu quarto, escutando algumas músicas.

Era normal ela esquecer meu aniversário, mas jamais pensei que ela fosse esquecer o meu aniversário de quinze anos. Não sabia onde Rowley estava, mas tinha alguma coisa acontecendo lá embaixo. O barulho era muito, muito grande.

Eu estava curiosa, mas também tinha medo. E se fosse um assalto? Resisti muito, até que a fome chegou e eu fui obrigada a descer para comer algo. Quando abri a porta do meu quarto eu vi... Ou melhor, eu nem vi, pois a casa estava completamente escura.

Tentei acender a luz do corredor, mas quando toquei no interruptor eu me lembrei que não tinha mas nenhuma lâmpada ali em cima. Acendi a luz do meu quarto e fui descendo as escadas apoiada no corrimão.

Silêncio.

Fui andando e quando eu encostei no interruptor eu levei um susto, não toquei no interruptor em sim em uma coisa, uma pessoa.

– Ah! – Comecei a gritar desesperada.

– Ei! Calma, sou eu... – Eu reconhecia aquela voz, mas no escuro eu não conseguia enxergar ninguém. Foi aí que a pessoa acendeu a luz e todos gritaram:

– Surpresa! - Sur... O quê? Haviam no mínimo umas quinze pessoas. Cinco delas eu reconheci, o Gerald era a coisa que eu havia tocado. Vi as duas amigas da Sthefanni e o Finn estava me olhando de um canto e a Sthefanni segurava um bolo com quinze velas pequenas em volta de uma vela com o número quinze bem grande.

– Feliz Aniversário! – Disse ela me abraçando.

–Feliz Aniversário Luna! – Disse o Gerald me entregando um presente, o que me deixou mais surpresa ainda.

Aí várias daquelas pessoas começaram a me dar feliz aniversário e entregar presentes. Sthefanni me explicou que a gente deveria sorrir bastante e parecer bem simpática, mesmo que não conhecesse ninguém.

Havia vários meninos gatinhos, mas eu estava olhando mesmo era o Finn, será que ele viria me desejar feliz aniversário? Esperei, com uma imensa força de vontade, ele vir falar comigo. E ele veio.

– Hm... Oi Luna, como você tá? – Ele parecia nervoso, eu também estava nervosa, mas disfarçava.

– Oi Finn, eu to ótima. – Disse sorrindo, - e você?

– Hã... Bem, eu também to legal – ele me olhou de cima para baixo e disse: - você está... Mais bonita.

Sorri.

– Obrigada. Fico feliz que você tenha vindo, mesmo que eu não soubesse de nada.

– Ah... A Sthefanni me convidou e eu vim, a propósito, aqui está o seu presente. – Disse ele me entregando uma caixa de tamanho médio. Quando eu abri, ali mesmo, eu vi que era uma tiara para festas de quinze anos e coloquei na minha cabeça. – Você está bem linda, mesmo. – E então ele saiu.

Todos começaram a cantar o “Parabéns” e eu confesso que fiquei emocionada. Se não fossem a Sthefanni e o Gerald, eu nem saberia o que é uma festa de aniversário de quinze anos.

Estava tudo tão bem, havia uma música tocando e todos estavam à vontade. Estava tocando RememberDecember, todos estava aproveitando e então... Então a minha mãe chegou com os gêmeos pedindo para parar a festa.

– Luna! O que é que está acontecendo aqui? Da onde veio tanta gente e pra quê? – Me perguntou. Ela estava assustada, eu entendia, mas eu não ia deixar de ter a melhor festa da minha vida e respondi secamente.

– O que está acontecendo aqui, mãe, é a festa da sua filha. – Todos me olharam nervosos e ela me olhou chocada. – Essas pessoas aqui são os meus amigos.

– M-m-mas hoje? – Os gêmeos olhavam para os meus amigos e eu pude perceber a imensa vontade que eles tinham de se jogar nos braços dos meus amigos para brincar.

– Sim, mãe – e frisei bem esta última palavra. – hoje eu faço quinze anos e você não se lembrou.

Eu pude ver a pizza caindo lentamente, ela me olhou com uma expressão totalmente diferente da normal.

– Hehe... – Ela deu uma risadinha sem graça e me abraçou dizendo: - Feliz aniversário filha. Desculpe-me se eu não sou uma boa mãe...

– Você realmente não é uma boa mãe. – Ela me olhou tristemente não falou mais nada. Subiu até o quarto dos bebês e a festa continuou.

A tristeza já havia se ido e aqui já não me assustava. Fazia tempo que ela não se lembrava do meu aniversário mesmo. Todos me olharam com piedade, mas eu sorri para todos e a festa foi ficando cada vez melhor. Em alguns minutos todos se esqueceram de que a minha mãe havia chegado.

Começaram a entrar mais pessoas, amigos populares de Finn. Ganhei vários presentes, mesmo que a maioria fossem coisas baratas vindo de gente que nem conhecia. Foi a melhor festa da minha vida, ou pelo menos estava sendo.

Bem, pelo menos a Sthefanni avisou e todos vieram preparados com refrigerantes e algumas pizzas. Estava terminando de falar com um garoto que eu nunca havia visto quando vi Sthefanni sentada na cadeira, deveria estar muito cansada e tentei distrai-la.

Caminhei até lá e me sentei na frente dela.

– Vocês me enganaram direitinho! – Disse, ela me olhou e sorriu. – Eu até achei que vocês haviam esquecido meu aniversário.

– Somos melhores amigas, não somos? – Perguntou-me sorrindo.

– É claro que somos! – Respondi apressada.

– Então você vai ter que se acostumar comigo eternamente, pois nunca vou te esquecer. – Disse enquanto me abraçava.

– Te aturar? Vai ser é um prazer! – E então ficamos ali abraçadas.

Eu queria que minha mãe estivesse ali vendo aquilo, que ela dissesse aquilo pra mim. Mas ela não disse, nem diria. Pior seria se ninguém lembrasse, então estava tudo bem.

Perguntei à Sthefanni se ela estava bem e ela me respondeu que sim, deixei-a sozinha um pouco e Gerald veio até mim.

– Parabéns Luna – disse-me com um sorriso no rosto. Sorriso esse que lhe deixava bem mais bonito. Ele estava bem arrumado com uma blusa preta e uma bermuda jeans, seus cabelos loiros estavam bem penteados, como sempre, e ele havia trocado o modelo dos seus óculos. – Você achou que nos esqueceríamos de você, né?

E então ele tirou mais um presente de algum lugar e me deu. Ao encostar, senti que era uma caixa, mas o estranho era que ele já havia me entregado o seu.

– Leia depois – disse. – Todos nós que organizamos escrevemos uma carta para você. Alguns escreveram duas, ou até três.

– Obrigada. – Agradeci corando. – Ninguém nunca fez isso por mim. – Sinceramente, eu estava começando a preferir que minha mãe se esquecesse do meu aniversário e só os meus amigos lembrassem, todos haviam se dedicado muito, muito mesmo.

– Ei! Ano que vem você tem mais festa, não se esqueça. E também há a minha festa de aniversário e da Sthefanni! Quero uma carta também. – Disse sorrindo.

– Claro, vou esperar o ano que vem ansiosamente e já estou começando a “organizar” a festa de vocês. – Rimos juntos.

Naquela noite eu vi que realmente fiz amigos. Até Gerald, que nunca se deu muito bem comigo, se tornou um grande amigo. Haviam garotas que antes me olhavam com nojo e agora falavam comigo me perguntando como eu havia me arrumado daquele jeito.

Finn então se aproximou novamente e me perguntou:*

– Luna, onde fica o banheiro?

– Hã... Bem, tem um que fica ali naquela porta... – Disse apontando o dedo, - e tem outro lá em cima. É a porta no final do corredor à direita. E então, o que está achando da festa?

– Bem, eu vou ao banheiro de baixo, vai que eu me perco lá em cima e acabo conhecendo a sua mãe... – Ele lançou um sorrisinho e eu também ri – e a festa? Nossa tá muito legal. A sua casa é muito legal.

– Bem... Você pode vir sempre que quiser – disse, e só depois vi quais os sentidos que aquela frase poderia dar. Mas aparentemente e levou inocentemente.

– Pode deixar, eu venho com certeza!

E então eu coloquei a mão na minha cabeça para ver se a tiara que ele me dera ainda estava ali, toquei nela e sorri enquanto eu via ele se dirigindo ao banheiro.

– Obrigada, Finn.

Subi até o meu quarto para trocar de roupa, eu estava muito suada devido a festa que estava muito agitada. Enquanto eu subi, ganhei mais presentes que deixei na cama. Coloquei uma calça jeans nova e uma blusa preta, arrumei mais ainda o meu cabelo e então escutei o “Tuts, tuts, tuts...” e meu primo me avisou que haviam chamado um DJ para agitar a festa.

Enquanto todos dançavam do lado de fora da minha casa eu fui falar com Sthefanni que estava lá no meio do povo.

– Amiga, quando a festa terminar eu vou seguir o Finn, quero ver se ele fica comigo! – Ela me olhou com um olhar de reprovação.

– Não faça isso! – Ela me disse. – Ele vai achar que você está desesperada e se ele não te beijar você vai ficar decepcionada.

– Tá... Não importa isso, mas talvez ele me beije, já pensou? É melhor ir e se decepcionar do que viver de arrependimento. – Nem sei de onde eu tirei essa frase, deve ter sido de um livro.

Bem, ela continuou insistindo para eu não ir, então simplesmente concordei para terminar com a conversa. Mesmo que interiormente eu estivesse decidida a ir atrás dele.

Todos estavam dançando ao som do DJ, que era um ótimo profissional. O tempo foi passando e eu subi até o meu quarto para abrir mais alguns presentes. Encontrei blusas, calças, meias, prendedores de cabelo, dinheiro... Sim, até dinheiro eu ganhei. Estava surpresa com a qualidade desses novos presentes, os outros haviam sido... Piores.

Confesso que aquilo não consertava a ignorância da minha mãe, mas ajudava de certa forma, a cobrir o buraco que ele havia feito em meu peito.

*’*

Era por volta das onze horas e eu decidi que a festa logo teria que acabar, e apesar da minha mãe não falar nada, eu podia sentir que meus irmãos estavam acordados pentelhando ela ao som das músicas.

Desci as escadas e vi a Sthefanni me esperando lá embaixo.

– Luna, meus parabéns novamente, mas agora eu vou ter que ir, - ela estava um pouco preocupada comigo, com certeza ela desconfiava da minha resposta. – A minha mãe marcou um horário e eu tenho que tomar alguns remédios para prevenir... Você sabe né?

– Ok, mas leve um pedaço de bolo para ela e pro seu pai – Disse sorrindo, puxei ela pela mão e fomos até a cozinha.

– Obrigada. – Disse ela pegando o bolo, eu decidi levá-la até a porta de casa e foi aí que eu vi o Finn saindo.

– Tchau Sthefanni, - disse olhando para ela enquanto eu observava o caminho que o Finn estava se dirigindo. Ele nem ao menos se despedira de mim.

– Tchau Luna, até amanhã? – Ela me perguntou, eu sorri, pois não sabia se iria vê-la no dia seguinte ou não.

Esperei Sthefanni sair e depois de algum tempo decidi seguir o Finn. Fui procurando entre as ruas e os quarteirões do meu bairro. Procurei seguir a mesma direção que ele, mas ele, aparentemente, não estava em lugar nenhum. Demorei um bom tempo para achá-lo.

Fui seguindo uma voz alta e cheguei a uma rua escura. No começo eu não vi nada, passei dessa rua escura para outro, ver se eu encontrava algo ou alguém. Também não encontrei nada ali. Vi então que os barulhos vinham de uma casa que ficava ali perto. Decidi inspecionar as ruas, só que um pouco mais de cuidado. Passei de rua em rua e escutei barulhos diferentes que vinham da mesma casa.

Finalmente eu encontrei a casa e olhei pela janela, vi um garoto de costas e quando ele se virou para observar a rua eu tive a certeza. Era o Finn, e também ela, entrelaçada entre suas pernas.