Apenas Capítulos Únicos!

Capítulo Único - Maria e Estevão


Às vezes sentimos que não temos força, que não seremos capazes de ultrapassar os desafios. Sentimos até que não merecemos qualquer gênero de felicidade. Mas estamos errados!
Todo mundo tem o direito de ficar de bem com vida. Mas também tem o dever de lutar até alcançar esse estado maravilhoso de paz e alegria. Mantenha o otimismo na sua mente e batalhe todos os dias por um sorriso ou um momento especial. Seja feliz, por mais difícil que lhe pareça!

Prólogo

"- Eu quero voar, Maria, quero voar até a Lua. – Estevão dizia animado enquanto largava seu brinquedo e começava a correr pelo jardim da minha casa com os braços abertos, imitando um avião.
— E eu quero ser uma bailarina famosa. – Gritei para que ele pudesse me escutar e saí junto com ele, fazendo algumas piruetas de uma forma infantil e desengonçada. Cheguei ao seu lado e paramos ao mesmo tempo com a brincadeira. Olhamo-nos, começamos a dar risada e corremos para dentro de casa quando a minha mãe nos chamou para o lanche."

Essa era uma das lembranças mais vivas que eu tinha da minha infância. Algumas coisas mudaram bastante desde aquele dia, hoje eu não queria ser mais uma bailarina famosa, não queria ter um castelo e já não fantasiava em ser uma princesa, ter um príncipe encantando. Mas podia dizer que do mesmo jeito que as coisas mudaram, algumas coisas continuaram as mesmas. Estevão ainda queria voar, queria voar o mais alto possível, o mais longe possível e esse sonho chegava a ser maior que a nossa amizade, que o nosso amor. Certas pessoas nascem com um destino traçado, Estevão era uma dessas pessoas e o destino dele era ser livre.

Maria's POV




— Sabe, eu imagino como tudo vai ser em alguns anos. Se a gente ainda vai poder deitar aqui e olhar as estrelas, ou se você vai estar sempre voando por aí... Se você ainda vai ser o meu melhor amigo. - Fechei meus olhos naquele momento, sentindo a brisa leve da noite. Senti que ele virava a cabeça pra poder me encarar, então disse:
— Deixa de frescura, Maria. Você sabe que eu vou sempre estar aqui. Quem mais passaria o dia conversando comigo nas sextas? Mesmo que eu esteja voando, vou sempre estar com você. Não existe Estevão sem Maria. - Abri os olhos naquele instante e o encarei sorrindo.
— E nem Maria sem chocolate. - ele me olhou sério e fez um beicinho de criança. - Quer dizer, não existe Maria sem Estevão.
Sua risada foi como música aos meus ouvidos. E era assim em toda sexta-feira depois de passarmos a tarde conversando, admirávamos as estrelas juntos. Esse era o meu Estevão, meu melhor amigo e minha primeira paixão.
— Olha, Maria, aquelas estrelas formam um coração!
Observei todo o céu, em busca do tal coracão, mas não achei nada.
— Estevão, você está louco! Não tem coracão nenhum! - Ou eu estava cega ou Estevão estava louco, não tinha nada ali.
—Você não está olhando pelo ângulo certo! Aquilo com certeza é um coração.- Ele dizia rindo, o que fortalecia minha ideia de que ele estava louco.
Ele aproximou sua cabeça da minha e apontou para o céu. Novamente nada. Já estava cansada daquela brincadeira e virei-me na intenção de reclamar, mas me deparei com um par de olhos me encarando a uma distância não muito segura. Eu era capaz de sentir sua respiracão tocando meus lábios. Tão perto. Tão perigoso. Seu hálito de menta alimentava minha vontade de continuar. Então, rapidamente nossas bocas se colaram... Éramos como um imã, éramos atraídos um pelo outro de uma forma inexplicável. Foi nesse misto de emoções que tornou o meu primeiro beijo inesquecível. Rápido e como começou, acabou.
Não sabia se deveria sentir vergonha, nem se deveria falar algo. Acho que nem ele sabia como reagir, mas ficamos ali por um tempo, apenas olhando as estrelas. Tomei coragem e em pouco tempo depois, eu já estava aconchegada em seu peito enquando ele alisava meu cabelo.
E assim ficamos por quase um ano. Eu não beijava ninguém além dele, não que nos beijássemos muito, mas muitas vezes acontecia de nossos imãs se atraírem e, às vezes eu me sentia uma boba, porque no fundo eu tinha a esperança de que um dia nossa relação pudesse evoluir.


Estevão’s POV


Ela estava linda. Seus cabelos que normalmente ficavam presos, hoje formavam uma cascata dourada em seus ombros nus. Seu vestido tomara que caia, seus salto discreto e sua maquiagem simples faziam dela a menina mais bonita do mundo. Sua beleza natural estava mais realçada e por um momento senti inveja do cara que sairia com ela hoje.
Enquanto a via terminar de se arrumar, lembrei do nosso beijo e naquele momento eu desejei que tudo fosse diferente. Queria que ela não fosse minha melhor amiga. Queria ser eu o cara que ela sonhava. Queria ser eu o cara que a levava pra jantar, que a levava ao cinema, que a deixava em casa alguns minutos depois do toque de recolher. Queria ser eu o cara que a abraçaria quando ela estivesse triste. Sabia que ela merecia muito mais do que aquele cara, então voltando para a minha posição de melhor amigo, me senti na obrigação de comentar alguma coisa.
— Maria, você não acha que pode encontrar alguém muito melhor que ele? – Falei um pouco envergonhado, mas com a intenção de fazê-la aceitar que ele era um imbecil e que a noite dela seria muito melhor se ela ficasse em casa comigo assistindo filme. Mas a única coisa que eu consegui foi provocar um olhar de desaprovação de Maria em relação ao meu comentário. Sem desistir eu continuei com o meu discurso de bom amigo ciumento. - Vamos combinar, Maria, você merece muito mais do que esse babaca. Todo mundo conhece a fama dele. Tem certeza de que quer continuar com isso? Aumentei meu tom de voz sem ao menos perceber. Vi que ela começava a ficar irritada com a minha atitude, então ela rebateu meu discurso com uma frase que me destruiu, que despedaçou meu coração.
— E quem seria o melhor pra mim, Estevão? Você, por um acaso? Convenhamos, você só liga pro seu sonho estúpido de voar. – Seu rosto estava vermelho e antes mesmo que uma lágrima escorresse pelo seu rosto ela já tinha a enxugado. Nunca a tinha visto com tanta raiva quanto agora e quando eu estava prestes a abrir a boca pra continuar a discussão, ouvimos a campainha tocar e nos olhamos. - É melhor você ir embora, Estevão. – Ela disse isso tentando desviar seus olhos dos meus, encarando o chão. Saí do seu quarto e ouvi a porta atrás de mim bater com força. Quando cheguei ao andar de baixo, abri a porta e dei de cara com Geraldo, saí e esbarrei em seu ombro propositalmente. Fui o caminho de volta pra casa pensando no que Maria havia me dito. Será que eu realmente só pensava em mim mesmo? Cheguei em casa e fui direto pro meu quarto, me deitei na cama de barriga pra cima e, pensando no rumo que a minha vida estava tomando acabei adormecendo. Acordei no dia seguinte com uma dor de cabeça terrível. Olhei no relógio e vi que eu tinha que levantar e ir pra escola. Os acontecimentos da noite passada voltaram à tona na minha mente e no mesmo momento, senti uma pontada na cabeça. Tentei ignorar e comecei a me trocar, saí de casa sem comer nada. Eu só queria ver logo Maria para pedir desculpa pelo jeito que eu tinha agido na noite passada. Quando eu cheguei à escola, fui direto pra minha sala na esperança de encontrá-la, e lá estava ela, lendo algum livro de romance ou coisa do gênero. Fui até o seu lado e dei um beijo estalado na sua bochecha, ela me olhou assustada e eu sorri.
— Maria, queria te pedir de desculpas por ontem, eu fui um idiota com você, mas eu só queria te proteger e se é com ele que você quer ficar, eu não posso fazer nada a não ser apoiar. – Sorri, tentando parecer o mais sincero possível, mas as palavras que Maria disse logo depois acabaram com todo o meu discurso de bom moço.
— Estevão, eu e Geraldo estamos namorando. – E foi naquele momento em que meu mundo acabou. Foi naquele momento que meu coração se partiu pela primeira vez.

17 anos - Maria’s POV

Enquanto vasculhava todos os quartos, ouvia a música alta no andar de baixo. Minha casa estava uma bagunça e só de pensar em arrumar tudo aquilo me dava preguiça. Estava cansada daquela festa, cansada da música que atrapalhava meus pensamentos e estava cansada principalmente de todas aquelas pessoas que não ligavam de verdade pra mim. Todos hipócritas. Perguntava-me repetidamente por que os tinha chamado pro meu aniversário. Aniversário era pra ser comemorado com pessoas que nos fazem bem, que nos fazem feliz, mas não era bem isso que acontecia hoje. Cortei esse pensamento assim que parei na frente do meu quarto. Adentrei o cômodo a fim de descansar um pouco, fechei a porta e sentei na cama. Fiquei analisando as paredes do meu quarto por um tempo indeterminado, até que vejo um Geraldo bêbado abrindo a porta, adentrando o cômodo e tropeçando nas próprias pernas, porém com coordenação suficiente pra fechar a porta atrás de si e trancá-la. Ele sentou do meu lado, colocou uma das mãos nos meus joelhos e começou a beijar meu ombro, logo trilhando seus beijos até meu pescoço. Comecei a sentir nojo daquela situação. Tentei afastá-lo de mim, mas ele segurava meus pulsos contra o seu peito. Senti que ele me empurrava, fazendo com que eu deitasse na cama, ficando sobre mim e ainda segurando meus pulsos, só que dessa vez, os segurava em cima da minha cabeça sem me dar chances de defesa. Comecei a pedir que ele me largasse, mas ele não me escutava ou simplesmente fingia não me escutar. Comecei então a me debater o máximo possível, o que não era muito, já que ele estava em cima de mim, impedindo qualquer movimento. O desespero era tanto que a minha única alternativa era gritar, mesmo sabendo que ninguém ia me escutar, graças a música alta. Sem aviso prévio ele me largou, saiu de cima de mim e me olhou furioso, nunca o tinha visto desse jeito. Ele ficou me encarando por um bom tempo, ou o que me pareceu ter levado um bom temp, e disse:

— Sabia que nunca deveria ter namorado você, foi a pior merda que eu já fiz na minha vida. Você não passa de uma garotinha assustada e mimada. – Deu um sorriso cínico e me deixou sozinha no quarto.

Não aguentei e me rendi às lágrimas que já brotavam nos meus olhos mesmo antes de Geraldo chegar.O que eu tinha visto naquele imbecil? Devia ter escutado os conselhos do Estevão. Sentia-me pior ainda ao lembrar que eu o tinha trocado por Geraldo. Fiquei no quarto por mais um tempo até conseguir me recompor, então desci as escadas em passos firmes e decidida a acabar com a festa desliguei a música e fiz meu comunicado. Todos saíram da minha casa jogando as piores pragas em mim por ter acabado com a festa antes da hora, mas eu não estava nem aí, na verdade, agradecia pelo fato de todos terem ido embora e não ter ninguém desmaiado nos banheiros ou na cozinha. Todos foram embora e deixaram uma casa suja e vazia pra mim. Só pra mim. Sem saber o que fazer direito, deitei no sofá da sala e sem querer acabei dormindo em meio a uma confusão de pensamentos. Acordei com a campainha tocando, o que me fez pular do sofá achando que já era de manhã, mas quando olhei no relógio de parede vi que marcava quatro e meia. Fiquei assustada e milhões de possibilidades passaram pela minha cabeça. Em uma fração de segundos imaginei diversas maneiras de morrer caso abrisse aquela porta, mas lembrei de que se alguém quisesse me matar, não tocaria a campainha da minha casa. Olhei pela janela da sala e vi um Estevão parado na minha porta segurando um embrulho dourado. Meu rosto se iluminou no mesmo instante e um largo sorriso apareceu em meus lábios. Abri a porta com certa pressa e me joguei em seus braços. Senti que ele afagava meu cabelo, afrouxei o abraço apertado e disse:

— Pensei que não vinha. – Disse fazendo uma carinha triste, fazendo-o rir. Até agora não tinha percebido o quanto eu sentia saudades dele. Não tive como não aumentar o meu sorriso, se é que isso podia acontecer, ao ouvir o som da sua risada. Ele me encarou por um momento, ainda sorrindo, me entregou o embrulho dourado e disse:

— Até parece que eu não ia aparecer no aniversário da minha pequena. Aliás, isso é pra você. – Peguei o embrulho de sua mão, tirei o papel que envolvia o objeto com o maior cuidado possível. Cheguei a uma caixa retangular, tirei sua tampa e vi um porta retratos dentro da caixa. Vi que era uma foto nossa quando crianças. Eu fazendo uma pose de bailarina e ele com os braços abertos. Ambos estávamos rindo no jardim de casa. Ao lembrar-me daquele dia, me emocionei e comecei a chorar. Senti os braços de Estevão me envolver e foi nesse simples gesto que eu comecei a chorar mais ainda.


— Desculpe-me, Estevão. Eu devia ter te escutado, eu não devia ter namorado o Geraldo, não devia ter trocado nossa amizade por ele. Eu sinto sua falta. Desculpe-me, por favor. – Falei entre lágrimas e soluços. Sinceramente, eu duvido que ele tenha entendido tudo o que eu falei devido ao meu estado descontrolado, mas mesmo assim ele sussurrou um “tudo bem” e continuou a me abraçar. Ele esperou que eu me acalmasse e me levou pra dentro da casa. Ao entrar, ele arregalou os olhos, alarmado com a bagunça que a minha casa se tornara.


— Acho que você precisa de ajuda pra limpar isso tudo. – Ele disse arqueando as sobrancelhas com um ar divertido. Quem oferece ajuda pra limpar a casa às quatro e meia da manhã? Estevão. Assenti rindo, afinal, não queria mais desperdiçar um segundo sequer longe dele. Comecei a arrumar a sala enquanto ele recolhia algumas coisas do quintal. Depois de um bom tempo arrumando tudo, nos encontramos lavando algumas louças que estavam na cozinha. Ele lavava e eu secava.

— Você pode falar o que quiser, mas não, eu não senti sua falta. Na verdade, gostei desse tempo sem você me enchendo o saco – Disse fazendo uma cara de sapeca e rindo logo depois. Senti um jato de água direito na minha cara e no mesmo instante ouvi um Estevão rindo. Fiz uma cara de indignada e comecei a jogar água nele também, quando nos demos conta, estávamos encharcados e ríamos mais que o normal. Um silêncio se instalou no local, não era o tipo de silêncio que nos deixava desconfortáveis, era somente o silêncio. Ficamos assim até que seus olhos encontraram os meus. Minhas pernas ficaram bambas e meu coração acelerou. Merda, o que estava acontecendo? Querendo quebrar aquele momento logo, sussurrei:

— É melhor a gente terminar de arrumar a cozinha, ela está pior do que estava antes. – Dei as costas pra ele e me virei novamente pra pia. Respirei fundo e nesse mesmo momento senti os dedos gelados de Estevão segurando meu braço direito. Ele me virou, me fazendo ficar de frente pra ele, segurou meu queixo e disse:

— Eu sei que você sentiu minha falta do mesmo jeito que eu senti a sua. Para de negar que você não sente nada por mim, porque eu já parei de fazer isso há um bom tempo. – Fiquei sem reação ao ouvir suas palavras e agradeci por ele ter selado nossos lábios tão rapidamente sem me dar oportunidade de resposta. Meu coração batia forte, tão forte que eu cheguei a achar que acordaria os vizinhos. Nosso beijo durou tão pouco que cortou o pensamento que insistia em me dizer que duraria para sempre. Quando nos separamos, continuei com os olhos fechados por um instante tentando raciocinar rápido, mas era impossível. Quando os abri, encontrei os grandes olhos de Estevão me encarando, vi um sorriso tímido em seus lábios e logo ele me soltou, pegou um pano e começou a limpar o balcão como se nada tivesse acontecido. Tentei me recuperar e voltar pra limpeza, mas era difícil me concentrar ali. Quando terminamos, estávamos tão cansados que nada mais fizemos do que subir, deitar na cama e dormir profundamente. Enquanto estava deitada em seu peito, percebi que eu pertencia ali, com ele e com mais ninguém. Senti alguém mexer no meu cabelo, me obrigando a abrir os olhos. Vi que Estevão estava ao meu lado, me olhando dormir, supostamente.

— Há quanto tempo você está acordado? – Perguntei me espreguiçando na cama e o olhando de novo.

— Meia hora, uma hora, não sei direito. – Ele respondeu me dando um sorriso.

Todas as vezes que ele me sorria era impossível não sorrir de volta. Sem aviso nenhum ele me beijou. De início foi um beijo calmo, não tínhamos pressa de nada, naquele momento era só eu e ele naquele quarto. Sem que eu percebesse, o beijo ganhava uma profundidade maior, senti suas mãos por baixo da minha blusa e minhas mãos espalmadas em suas costas. Sem hesitar, ele tirou minha blusa e beijava meu pescoço descendo em direção a minha clavícula. Tudo era tão diferente com ele. Suas mãos exploravam meu corpo até que chegou ao cós da minha calça, então ele me olhou pedindo permissão para continuar, assenti e o ouvi dizer:

— Tem certeza que quer isso, pequena? – Ele perguntou e eu não tive como não sorrir ao ver que ele se preocupava comigo.

— Nunca tive tanta certeza antes. - Ele sorriu de volta, e foi naquele momento em que eu me entreguei pela primeira vez. Eu não confiava em mais ninguém do jeito que eu confiava nele, e foi naquela manhã de domingo em que eu tive a certeza de que eu o queria pra sempre do meu lado.

18 anos - Estevão’s POV

Passei aquele fim de ano com Maria, e posso dizer que foi a melhor coisa que poderíamos ter feito. Aproveitamos cada momento com o outro, cada centímetro do outro, mas hoje era o dia em que eu daria adeus à nossa história, só que eu não estava pronto pra isso. Hoje eu ia atrás do meu sonho, mas largaria parte de mim aqui. Eram nove da manhã e eu ainda estava em casa colocando algumas coisas que faltavam na minha mala, quando ouvi minha mãe bater na porta e com um grande sorriso anunciar que eu tinha visita. Vi que ela deu espaço e uma Maria tristonha entrou. Esperei até que minha mãe saísse do quarto e fechasse a porta. Larguei tudo o que estava fazendo para abraçar Maria, que logo começou a chorar em meus braços, me segurei ao máximo pra não chorar junto com ela, então disse:

— Calma, pequena, vai ficar tudo bem. Eu não vou te abandonar nunca, eu vou estar sempre com você, queira você ou não. – Disse aquilo mais pra me convencer que tudo ficaria bem do que pra acalmá-la. Não queria deixá-la, mas depois de tantos anos, eu precisava seguir o meu sonho. Fiquei abraçado a ela até que se acalmasse, vi que ela limpava as lágrimas dos olhos tentando se recompor, e então me encarou e disse em tom sussurrado:

— É tão difícil te deixar ir. – Ela sentou na cama e ficou encarando o chão por um tempo. – Minhas aulas na faculdade vão começar logo e o que eu vou fazer sem ter você pra contar tudo? Pra saber que quando eu chegar em casa na sexta não vai ter ninguém pra conversar comigo? Eu não sei se consigo, Estevão. Você me deixou mal acostumada, agora é difícil ficar sem você por perto. – Abri um sorriso sincero quando ela terminou aquela frase, era bom saber que eu sempre a teria por perto. Agachei pra ficar na sua altura, olhei naqueles grandes olhos marejados e disse:

— Pequena, vamos fazer um trato, eu vou escrever tudo o que acontecer comigo e você faz o mesmo. Assim, mesmo quando estivermos longe, vamos sempre estar perto um do outro. – Vi surgir um sorriso tímido em seus lábios, e foi quando eu soube que estava tudo bem. Começamos um beijo calmo, só queríamos aproveitar a presença do outro, mas o beijo tomou grandes proporções e quando nos demos conta, nossas roupas estavam espalhadas pelo quarto.


Saí do carro dos meus pais com a mala na mão, pronto pra entrar no aeroporto. Pronto pra começar uma nova vida. Respirei fundo, fiz meu check-in e esperei que o horário do meu voo chegasse, e como prometido, comecei a escrever minha carta pra Maria. Quando me dei conta, ouvia anunciarem a hora do meu voo. Embarquei, coloquei minha mochila no compartimento e acabei dormindo pouco depois.


“Como combinado, eu disse que escreveria todos os detalhes da minha vida de agora em diante. Estou agora no aeroporto, esperando que chamem meu voo. Admito que estou um pouco nervoso com o rumo que a minha vida está tomando, mas nunca passou pela minha cabeça desistir. Quero voltar pra você como um piloto formado, você vai ter orgulho quando isso acontecer.
Cheguei à base faz três dias e só agora tive uma folga pra conseguir escrever o resto da carta. Estou adorando tudo, as aulas são puxadas, as pessoas são legais. A cidade é linda e você ia adorar. Um dia, depois que tudo isso acabar, podemos passar alguns dias aqui. Ah, suas aulas começam semana que vem, não é? Não esqueça de contar como foi tudo. Maria, eu sinto sua falta e nunca se esqueça do amor que eu tenho por você.
Estevão.”

19 anos - Maria's P.O.V

Flashback on

Sempre que chegava uma carta de Estevão eu ficava em estado de êxtase, dormia relendo suas palavras e contava os dias pra ele voltar pra mim. Coincidentemente, a nova carta de Estevão chegou no mesmo dia em que as minhas aulas na faculdade começariam. Levei-a comigo para caso eu me sentisse sozinha ou pra me passar confiança quando precisasse, mas acabei não precisando, já que tanto o ambiente quanto as pessoas eram ótimas. Acabei fazendo amizade com uma menina da minha turma e se eu soubesse o quanto ela seria importante na minha vida, a teria conhecido antes. Os dias seguiam e eu me apaixonava cada vez mais pelo curso e nada poderia me fazer desistir, assim achava eu, mas o destino nos prega peças quando menos esperamos. Saí da aula com Vivian rindo de alguma coisa que ela falava. Ela era tão engraçada e espontânea que às vezes eu a invejava por isso. Enquanto debatíamos sobre alguma coisa aleatória, minha visão começou a ficar turva, tudo começou a girar rapidamente e o som de Vivian me perguntando se eu estava bem parecia bem distante. De repente tudo desapareceu.

Acordei em uma sala branca, com uma luz forte machucando meus olhos e instintivamente virei pro lado tentando salvar minha visão mal acostumada ao ambiente claro, quando abri os olhos novamente vi Vivian me olhando assustada:

— Meu Deus, Maria, você não tem ideia do susto que você me deu agora. – Ela falava enquanto via a enfermeira chegar mais perto de mim com um grande sorriso no rosto. Ah, agora tudo se encaixava, eu estava na enfermaria da faculdade porque tinha passado mal no intervalo, mas isso não explicava o sorriso da pequena mulher que cuidava de mim.

— Quando vou poder ir pra casa, Rose? – Li seu nome na plaquinha grudada em seu peito

— Você pode ir agora mesmo, Maria, mas antes deixa eu fazer uma pergunta. Você está se alimentando bem? – Concordei com a cabeça já me lembrando de quando fora minha última refeição. – Está se sentindo enjoada ou com uma fome excessiva? – Comecei a entender onde Rose queria chegar e pedi mentalmente pra estar errada. Fechei os olhos e dei um longo suspiro, balançando a cabeça negativamente.

— Olha Rose, eu entendi o que você está insinuando, mas não pode ser, eu sempre tomo pílula. – Cruzei os braços e sorri de um jeito debochado. Rose me olhou séria e disse:

— Se eu fosse você, comprava um teste de farmácia. Isso é só a opinião de uma velha enfermeira que já viu de tudo, mas de qualquer jeito, você já pode ir pra casa. – Sorriu sincera e me deixou ali com uma Vivian me olhando mais preocupada do que antes, apertando minha mão forte e falando:

— Vamos sair daqui agora e vamos comprar esse teste, ok? – Concordei com Vivian mesmo achando besteira. Tudo o que eu queria era sair logo dali e provar pra todo mundo que eu não estava grávida e que aquilo tudo deveria ter sido causado por algum lanche que eu comi na hora do intervalo, ou no dia anterior. A verdade era que eu não estava grávida, não PODIA estar grávida. Fomos à farmácia comprar o teste e depois nos dirigirmos ao apartamento de Vivian, que ficava a alguns quarteirões de distância. Abri a porta pra entrar no banheiro e senti Vivian segurando meu braço e falando:

— Seja qual for o resultado, eu vou estar aqui com você, pra tudo o que você precisar. – Deu um sorriso sincero e piedoso, largando meu braço e permitindo que eu entrasse no banheiro e fechasse a porta. Suspirei alto e fechei os olhos tentando arrumar coragem pra fazer o teste. Toda a confiança que eu tinha uma hora atrás, não existia mais em mim. E se eu estivesse mesmo grávida? O que eu faria? Depois de fazer o teste, saí do banheiro e me sentei ao lado de Vivian na cama, que logo deitou a cabeça no meu ombro e pegou minha mão, entrelaçando nossos dedos em sinal de apoio. Aqueles minutos pareciam intermináveis, até que a hora passou e eu desejei que o teste não estivesse pronto ainda. Fiquei sentada na cama imóvel quando Vivian disse:

Quer que eu olhe o resultado pra você? – Neguei com a cabeça, levantei e olhei o palitinho caminhando pra fora do banheiro. Em menos de dois segundos eu não tinha mais sangue passando pelas veias do meu rosto. Estava tão pálida quanto um fantasma.

— Merda... – Sussurrei, encostando na parede e deslizando até o chão. Cobri meu rosto com as duas mãos e chorei. Chorei mais do que já tinha chorado em toda a minha vida. Chorava de medo, chorava de ódio de mim mesma, chorava de alegria, chorava por todos os motivos possíveis. Vivian entendeu qual era o resultado. Positivo. Eu estava grávida. Vivian sentou ao meu lado e me abraçou, beijando meu ombro e pedindo pra eu me acalmar. Depois de um longo tempo chorando incansavelmente, consegui me acalmar. Limpei as lágrimas que restavam em meu rosto tentando me recompor. Lavei o rosto escutando Vivian me convidando pra passar a noite ali, mas não tive como aceitar, precisava ir pra casa. Abracei-a o mais forte que pude agradecendo por todo o suporte que ela me tinha dado até o momento e saí de seu apartamento indo em direção ao metrô, que não ficava longe dali. No caminho, vi várias grávidas, várias mães agarradas aos filhos e casais dando a mão às crianças. INCRÍVEL. Era tudo o que eu precisava no momento. Cheguei ao metrô e agradeci mentalmente por não estar cheio demais. Antes de caminhar até minha casa, passei na farmácia de novo pra comprar outro teste de gravidez. Acabei comprando três de uma vez por todas. Enfiei o pacote com os testes na bolsa e andei até em casa. O que eu queria que fosse uma longa caminhada, acabou sendo mais curta que o normal. Entrei em casa e vi que meus pais ainda não tinham chegado do trabalho. Subi as escadas e me tranquei no quarto, fiz todos os três testes no mesmo fim de tarde e não tinha o que eu fazer, os três deram positivos. Fazia exatamente um mês desde que Estevão tinha se mudado e eu me indagava como eu contaria isso pra ele. Como eu poderia destruir seu sonho em uma única carta? Deitei na cama e sem que percebesse adormeci.

— Maria, você pode me explicar o que é isso?

Cheguei da faculdade no dia seguinte e encontrei meus pais sentados na sala com uma das caixas do teste na mão. Merda, tinha esquecido de jogar os três no lixo de fora. Fechei os olhos, tentando pensar em como eu me explicaria. Eu não estava pronta pra contar pra eles ainda.


— Vamos, Maria, estamos esperando uma explicação. – Meu pai se pronunciou agora demonstrando sua evidente irritação.


— Eu estou grávida. – Foi a única coisa que eu consegui dizer. Meus olhos se encheram de lágrimas e as segurei o máximo possível, mas algumas eram teimosas demais e escaparam dos meus olhos.


— Ah, Maria, como você pode fazer isso? Você não pensa?

— Engoli o nó que já formava na minha garganta e deixei as lágrimas saírem.


— Só aconteceu, pai, não foi nossa culpa. – Nesse ponto eu já soluçava alto. Meu pai balançava a cabeça negativamente, como se estivesse decepcionado comigo. Minha mãe chorava junto comigo, mas o choro dela era de desgosto.


— Você vai abortar, não é Maria? – Meu pai perguntou e eu arregalei meus olhos. Como assim abortar MEU filho? Ele só podia estar louco.

— Claro que não, pai. Eu quero ter esse filho, ele é parte de mim. – Falei aquilo com toda a sinceridade possível. Admito que já tinha pensado na possibilidade de aborto, mas vi que se tínhamos cometido um erro, deveríamos arcar com as consequências.


— E como você planeja bancar essa criança, Maria? Nós não temos como te ajudar. - Naquele momento eu já estava ficando irritada. As lágrimas tinham secado e tinham dado lugar à incredibilidade.


— Eu não estou pedindo a ajuda de vocês pra nada. E, não sei como, mas eu vou arrumar um jeito de bancar tudo. – Dei as costas pra eles e subi os degraus indo pro meu quarto. Peguei uma mochila e coloquei algumas roupas minhas. Desci as escadas indo em direção à porta. Hesitei por um breve momento e disse:


— Vou pra Vivian. – Saí da minha própria casa sem olhar pra trás. Não queria viver em um lugar onde eu e o meu filho não seriam bem vindos. Cheguei à casa de Vivian com a bolsa na mão e com muita vergonha na cara. Toquei a campainha e uma Vivian recém-saída do banho veio me atender. Viu minha bolsa e meu sorriso amarelo. Mandou-me entrar e pediu pra que eu contasse tudo o que aconteceu. Quando terminei, pedi pra ficar no apartamento dela por alguns dias e, como um anjo, ela fez ainda mais do que eu esperava, perguntou se eu queria dividir o apartamento com ela. Eu não pensei duas vezes em aceitar.


Minha barriga crescia cada vez mais e a cada dia eu ficava mais feliz. Minha estadia com Vivian estava dando muito certo, ela era quase uma irmã pra mim. Meses se passaram e eu ainda não tinha decidido como contar sobre a gravidez pro Estevão. Decidi esperar sua próxima carta chegar pra poder contar, mas quando finalmente isso aconteceu, tive que desistir da ideia de contar ao Estevão que ele seria pai.


"Já fazem 6 meses que eu estou aqui e em momento algum me senti tão mal como eu me sinto hoje. Você está fazendo 19 anos e eu não posso te abraçar. São nesses momentos que eu tenho vontade de largar tudo aqui e ir ficar com você.
Queria te dar uma boa notícia, mas a novidade que eu tenho para contar não é muito boa. Não sei se você se lembra, mas eu costumava falar sobre como as coisas funcionavam por aqui, eu costumava te falar que o melhor aluno de cada turma tem a oportunidade de fazer um curso “avançado” e mais longo, onde começamos a fazer os testes e pilotar algumas aeronaves mais simples, e avança com o tempo. Isso parece ótimo, não? Eu também achei isso, até lembrar que durante esse tempo, eu não posso receber cartas, somente uma por mês e obrigatoriamente de algum familiar. Eu poderia pedir pra você mandar cartas no lugar da minha mãe, mas eu realmente preciso me focar nisso. Não se preocupe, você receberá cartas minhas constantemente, só não poderá responder. Ruim para mim. Terei que passar um ano e meio sem notícias suas, nunca imaginei que isso aconteceria. Sei que não tenho o direito de te pedir isso, mas eu peço que você me espere. Eu vou te esperar.
Sinto sua falta. Todos os dias
Eu te amo.
Com muito amor,
Estevão."

Flashback off


— Parabéns, Maria. É um menino. – O médico me mostrava a criança recém-nascida, toda suja de sangue e que chorava alto. Não acreditava que aquele pedacinho de gente tinha saído de mim. Lágrimas de emoção eram derramadas. A enfermeira o enrolou em um pano azul e me entregou. Ele era tão pequeno, tão frágil, tão lindo. Abri um sorriso enorme e beijei sua testa. Ouvi o médico perguntar qual seria o nome, e disse sem pestanejar: “Heitor”. O médico me sorriu de volta e elogiou o nome escolhido.

No começo foi bem difícil conciliar a faculdade e o emprego com o Heitor. Não tinha Estevão pra me ajudar, mas por sorte tinha uma Vivian sempre bem humorada e carinhosa que sabia que podia contar sempre. Vivian era aquele típico tipo de madrinha babona, ela só conseguia ser um pouco menos que eu. Ao longo do tempo via como Heitor ficava parecido com Estevão e aquilo me matava por dentro. Era difícil olhar pro filho e enxergar o namorado que mal sabia da existência da criança. Mesmo com tudo sendo difícil, Heitor era a coisa boa da minha vida, ele era parte de mim e parte do meu primeiro amor.


"Faz um tempo que eu não tenho notícias suas, sinto tanto a sua falta aqui. Precisava de você aqui pra te contar sobre o meu dia, pra ouvir sobre o seu dia. Espero que você esteja bem, fico preocupado sem notícias suas. Queria saber como anda a sua vida. A minha não tem muita coisa a se falar a não ser o fato de que descobri um novo mundo pilotando. Conheci tantas pessoas legais, tantos lugares bonitos e eu só queria você ao meu lado pra poder compartilhar as paisagens e o momento. Valeu cada segundo estar aqui, mas a boa notícia é que eu me formo mês que vem e volto pra casa logo depois. Eu volto pra você, Maria.
Quanto a isso, eu queria te pedir um favor, volto quarta à noite e não vou aguentar até quinta pra poder te ver. Queria que você me buscasse no aeroporto, queria que você fosse a primeira a me abraçar. Não sei se a carta vai chegar a tempo. Espero que sim. Espero que você venha me receber também. Nunca se esqueça, Maria, eu te amo.
Estevão."


Estevão's POV


O voo foi mais longo do que o esperado, estranho estar em um avião e não estar o pilotando. Estou mais do que ansioso para ver Maria novamente. Praticamente um ano e meio sem notícias, já que a minha mãe só falava o básico sobre ela em suas cartas, o que me deixou ainda com mais vontade de voltar para casa. A primeira coisa que eu fiz depois de pegar meu diploma foi pegar todas as minhas coisas, jogá-las na mala e ir direto pro aeroporto. Já havia comprado minha passagem um mês antes e já tinha avisado Maria. Agora eu poderia passar um tempo com ela. Poderia finalmente pedi-la em casamento.
Todo esse tempo longe dela me fez perceber que voar não era tudo. Definitivamente não era. Senti tanta falta de Maria, de sua risada, de seus grandes olhos e de seu toque. Percebi nesse meio tempo que fiquei fora que jamais conseguiria ficar sem ela. Os minutos pareciam horas dentro daquele avião, desejava que o tempo voasse e como se o destino estivesse ao meu favor, ouvi anunciarem que o pouso aconteceria em alguns minutos.
Após todo o procedimento de desembarque, eu estava indo para o portão que me levaria à Maria. Com as malas nas mãos, mil coisas passaram pela minha mente e uma delas era a possibilidade dela não estar me esperando.
Meu desespero só aumentou quando eu passei pela porta automática e vasculhei todos os lados em busca do rosto que tanto senti falta. Já estava quase desistindo quando a vi encostada na parede ao lado, portando um sorriso no rosto. Por um momento, pensei que fosse algum tipo de miragem, pisquei meus olhos várias vezes pra confirmar o que vi e quando finalmente vi que meus olhos não me enganavam, fui ao seu encontro e a envolvi em um abraço apertado. Quando eu senti seu corpo encostado ao meu, percebi que tudo aquilo era real e que o lugar dela era nos meus braços.
Quando nos afastamos, olhei cada parte de seu delicado rosto, tentando memorizar cada detalhe de novo.

— Senti tanto a sua falta. – Quebrei o silêncio, continuando a vasculhar seu rosto em busca de mudanças.

— Você não foi o único. – Ela respondeu com um sorriso antes de selar nossos lábios. Senti tanta falta daquela sensação que só ela me trazia. Quando o beijo acabou, ela me encarou e, por conhecê-la tão bem, sabia que havia algo que a incomodava. Depois de muito pensar, pareceu tomar uma decisão:

— Tem um lugar que eu preciso te levar.


— Agora? Mas eu acabei de chegar! Não dá pra passar em casa antes? – Falei fazendo uma carinha de cachorro que caiu da mudança e ela riu.
— Deixa de ser preguiçoso, Estevão, você mal chegou e já está reclamando. Não sei como consegue. – Ela continuou a falar e a única coisa que eu fiz foi rir. Até disso eu tinha sentido falta. Chamamos um táxi e ela falou um endereço que eu não conhecia. Enquanto não chegávamos ao nosso destino, ela começou a contar tudo o que aconteceu enquanto eu estive fora.

O caminho foi curto e quando percebi já estávamos parados em frente a uma pré-escola. O que diabos viemos fazer nesse lugar? Maria nada falou, apenas segurou minha mão, deu um sorriso fraco e me puxou delicadamente até a porta, parou, respirou fundo e antes de abri-la, disse:

— Você tem que me prometer uma coisa antes de entrarmos. – Ela agora olhava pra baixo, sem uma expressão definida no rosto, o que me deixava preocupado porque eu não estava sendo capaz de ler sua mente naquele momento.

— Você está me deixando confuso, Maria. O que diabos estamos fazendo aqui? É seu novo emprego ou coisa assim? – Falei de um modo meio debochado e risonho, mas logo percebi que aquele não era o momento ideal pra gracinhas.

— Você vai entender tudo em alguns segundos, só quero que me prometa, Estevão. – Ela falou aquilo com os olhos fechados e uma voz fraca. Meu Deus, o que estava acontecendo?

— O que eu tenho que te prometer, pequena? – Segurei seu delicado rosto com as duas mãos e beijei sua testa. Ela suava frio, o que me deixava tenso.

— Só quero que você me prometa não me odiar depois que você entender a história toda. Quero que você tente entender meu lado, por mais difícil que seja. Por favor, Estevão, me promete isso? – Ela esperava que eu respondesse pra poder acabar logo com aquela história, antes que perdesse a coragem de prosseguir.

— Mas que diabos? – A vi enxugar a lágrima que caía de seus olhos rapidamente. Minha mente cansada começou a trabalhar e uma possibilidade em especial ficou na minha cabeça. Será que...? Não, não era possível. O olhar de reprovação de Maria cortou o pensamento que tive. – Não tem como eu te odiar, Maria, nem se eu quisesse. Mas se você quer que eu prometa, eu prometo. – Dei um beijo no topo da sua cabeça, mas aquele pensamento não saía da minha cabeça. Ela me encarou durante alguns segundos, puxou todo o ar que era capaz tentando continuar o que já tinha começado. Apertou minha mão mais forte e me arrastou pra dentro do lugar.Caminhamos em silêncio, passamos por várias salas de aula vazias até chegarmos a um pátio onde algumas crianças brincavam e corriam. Paramos na porta, Maria largou minha mão e fez um sinal para que eu ficasse ali. Obedeci a sua ordem com um aceno de cabeça e a vi continuar o curto trajeto. Vi um garotinho de mais ou menos dois anos correndo em sua direção de braços abertos. Ela abaixou ficando na sua altura, o abraçou e o pegou no colo, cochichando alguma coisa no ouvido do garoto que logo me encarou. Tentei afastar aquele pensamento de antes e comecei a tentar me lembrar se algum dos primos de Maria tinha filhos, mas nada veio a minha mente. Quando ela abaixou o menino, deu as mãos pra ele e eles vieram na minha direção, não teve como descartar o primeiro pensamento que tive. Os cabelos loiros, os olhos azuis, seu rosto em si me lembrava de quando eu era criança. Ele era a minha cara. Fiquei atônito por um momento, sem reação nenhuma. Eles se aproximaram de mim, o menino ainda me encarava e meu olhar alternava entre Maria e ele.

— Estevão, eu quero te apresentar alguém. Esse é o Heitor. – Ela mordia o lábio, com medo da minha reação, parecia uma eternidade o tempo que a minha mente levava pra entender tudo. Puxei-a mais perto e perguntei:

Maria, ele... Ele é o meu filho? – Eu não conseguia reagir, eu sempre quis ter um filho, mas nunca esperei receber a notícia que eu tinha um filho e não sabia. Vi que ela balançava a cabeça afirmativamente, virando o rosto pra toda e qualquer direção que não deixava com que eu a olhasse nos olhos. Vi Heitor agarrado a sua perna, sem entender nada. – Por que você não me contou nada? Por que minha mãe não me contou nada? Eu tenho um filho e sou o último a saber, eu não entendo. Maria, eu não estou bravo com você, de maneira nenhuma, todo mundo sabe que eu sempre quis ter um filho. – Disse aquelas palavras com um sorriso sincero no rosto, pegando as mãos de Maria e entrelaçando nossos dedos.

— Eu não queria estragar seu sonho, Estevão. Você lutou tanto para conseguir se formar que eu me senti mal por ter que colocar mais um peso nas suas costas, eu não queria te atrapalhar. Fiz sua mãe prometer não contar nada, mesmo querendo, além disso, ela me ajudou bastante, Carolina me ajudou tanto que eu nem tenho como agradecê-la. Estevão, me desculpe, por favor. – Seus olhos estavam cheios d’água. Abracei-a forte afagando seus cabelos e beijando a ponta do seu nariz. Vi Heitor com ciúmes e não consegui fazer nada mais do que abaixar e abraçar o menino com toda força possível, e ele retribuía. Agora eu tinha um filho. Um sorriso enorme surgiu em meio às lágrimas que queria sair desesperadamente. Soltei o pequeno Heitor, dei um beijo em seu rosto. Aproveitei que estava agachado e fiz uma coisa que deveria ter feito no momento em que voltei pra casa. Virei pra Maria, peguei sua mão e a vi chorar mais do que antes, colocando a mão que eu não estava segurando na boca, incrédula.

— Maria, eu estava deixando esse momento pra depois, quando eu fosse visitar seus pais com você. Planejei pedi-la em casamento na frente deles e assim pediria sua mão pro seu pai, mas acho que eu não posso mais esperar por isso. Maluquice sua achar que eu te odiaria por criar uma coisa tão maravilhosa, tão perfeita, tão NOSSA que é o Heitor. Eu sempre te amei, Maria, mas acho que eu tinha medo do sentimento que você provocava em mim, eu me sentia tão impotente e tão poderoso ao seu lado que tudo me confundia. Acho que eu não podia escolher mulher melhor pra ter um filho, pra casar, pra continuar minha vida. Além da namorada mais bonita do mundo, você é minha melhor amiga. Então, Maria, eu te pergunto: Você quer casar comigo?— Ela pulou em meus braços, quase fazendo com que nós dois caíssemos no pátio da escola. Ela enxugou todas as lágrimas que insistiam em cair, abriu um imenso sorriso, distribuindo beijos por todo o meu rosto, e naquele momento eu soube que ela aceitava ser minha. Só minha.



Muitas pessoas acham que já nascem com o destino traçado, e admito que até alguns anos atrás eu tinha a certeza de que o meu destino já estava pronto. Mas com todas as voltas que a vida nos dá, eu percebi que meu destino nunca foi traçado no dia em que eu nasci, mas eu comecei a traçá-lo do modo que eu quero, e hoje, eu não poderia querer nada mais do que eu já tenho.