Park Chan-yeol foi um furacão que bagunçou tudo por onde passou. Tudo em nós. E tudo em mim.

Eu tentava entender onde tudo aquilo havia começado, mas não havia um ponto de partida. Havia nós dois e nossos sentimentos, as decisões que tomamos e os momentos que protagonizamos. Chan-yeol diz que eu deveria parar de tentar entender tudo, que eu complico tudo, e eu complico mesmo, pois sou complicado. Mas por muito tempo não consegui aceitar que gostar de Chan-yeol era assim tão simples como nos filmes. Até que desisti de tentar.

Chan-yeol e eu nos conhecemos no Ensino Médio — o momento que é um divisor de águas na vida das pessoas, podendo significar tudo ou nada de uma maneira cruel. Para mim, significou tudo: eu tinha um grupo de bons amigos e uma relativa popularidade na escola, notas medianas e não gostava de literatura. Para Chan-yeol, porém, de início não significou nada.

Ele não conhecia ninguém da turma por ter vindo de um outro colégio para cursar o Ensino Médio. Tentava puxar assunto com algumas poucas pessoas que se sentavam ao seu redor no fundo da turma, mas essas pessoas preferiam o taxar como o “nerd virgem que só falava de animes e mangás” e simplesmente virar a cara torcendo o nariz.

Minha família não viajava durante o verão, então eu alternava meus dias de férias entre minhas leituras de quadrinhos em casa e tardes de filmes e séries na casa de Baek-hyun, que ficara marcada como nosso point de encontro, já que seus pais estavam sempre fora trabalhando. Éramos um grupo um tanto distinto em personalidade, mas que funcionava de alguma maneira: Kyung-soo era mais sério e reservado, assim como Min-seok. Mas Min-seok, ou Xiumin, como ele odiava ser chamado, era uma pessoa de mais sorrisos e simpatias para com os outros. Jong-dae era doce e sorridente e Baek-hyun era o piadista chato.

Ainda que tivéssemos passado boa parte das tardes quentes juntos, havia um sentimento que crescia em nós desde o final do último ano letivo sobre a nova etapa que estava para começar. Não era somente mais um degrau acadêmico, mas também o começo de três anos que não chegavam perto de serem mansos. Havia aquela vontade de ser o adolescente transgressor dos filmes americanos, que viviam muitos amores e muitas festas, mas a realidade não chegou nem perto de ser como um filme estadunidense.

Não fomos a festas porque não haviam festas, mas havia o sentimento de culpa constante de que deveríamos estar estudando, colocado sobre nós o tempo todo pela escola e por nossas famílias. Havia as complicações decorrentes dessa pressão constante em nossas vidas, um adoecimento gradual de nossas mentes, que geraram quadros de depressão e de crises de ansiedade.

Ainda assim, quando não estávamos quebrados demais e com cobranças demais para termos boas notas, estávamos juntos. Kyung-soo tinha uma banda e vez ou outra conseguiram tocar num lugar que não fosse a garagem de Yixing, e assim tivemos uma experiência menos problemática de uma adolescência conturbada.

Era uma avalanche que eu achava que tinha começado no Ensino Médio, mas depois entendi ser consequência de questões de longa data.

Naquele primeiro dia de aula, sabíamos que era o início de algo novo e acreditávamos que fosse algo bom. E foi, em partes. Chan-yeol, eu soube depois, apesar de ter perdido toda sua fé na ideia de que algo poderia ser diferente, tinha uma pequena chama de esperança acesa.

Por algum motivo, foi a figura na qual pousei meu olhar enquanto meus amigos e eu procurávamos os rostos novos. Estava quieto e observando a todos em silêncio, sentado sozinho na última carteira da sala, vez ou outra tentando se ajeitar nela, visivelmente desconfortável, e então reparei em suas pernas grandes demais.

Baek-hyun fez algum comentário sobre suas pernas grandes que fez os outros rirem, com exceção de mim mesmo, que continuei a observar Chan-yeol quieto, olhando em volta para todos os outros alunos que conversavam em seus grupos de amigos. Fiz uma anotação mental para tentar falar com ele em algum momento oportuno. Odiava ver pessoas sendo excluídas por eu mesmo ter ocupado esse lugar no primário e sabia que não fora fácil ficar sem amigos por tanto tempo.

Na quinta-feira, tivemos a primeira aula de Educação Física do ano. As aulas de Educação Física foram meu terror durante um tempo, pois marcavam como a turma estava sendo dividida em panelinhas e como as pessoas que não estavam em panelinhas eram cruelmente excluídas. Apesar de ser apenas a primeira aula do ano, os 30 minutos iniciais já mostravam as fronteiras entre os grupos e quem havia sido escolhido para ficar de dentro e de fora destes. Chan-yeol estava de fora de todos. A convivência de menos de uma semana, porém diária, já marcara ele como alguém a ser deixado de fora das rodas de conversa. Naquele dia, estava calado, observando a divisão dos times de vôlei que seria feita por mim e por Zitao.

Depois de ter claramente escolhido meus amigos para integrarem meu time, apontei para a figura alta um pouco isolada dos outros.

— Eu quero ele — disse.

— Eu? — Lu Han levantou o braço.

— Não, ele. Atrás de você.

E foi então que todos ali pareciam ter notado a presença de Chan-yeol. Vi ele arregalar brevemente os olhos por trás dos óculos redondos e, se vi bem, suas bochechas ruborizaram.

— Eu? — disse ele, com o dedo no peito. Sua voz afinando levemente.

— Sim. — Sorri.

Receoso, ele caminhou até onde eu estava e parou atrás dos outros jogadores. Com a grande quantidade de alunos, fomos organizados em quatro times com alguns outros alunos ficando de reserva para um rodízio que aconteceria durante os jogos. Escolhemos os dois primeiros grupos que jogariam e o nosso iria para o banco.

Chan-yeol se sentou um pouco afastado de nós na arquibancada e pegou o celular. Em algum momento, eu me afastei dos outros e me aproximei dele, sentando-me ao seu lado sem que ele sequer me notasse. Assistia Cavaleiros do Zodíaco.

— Oi! — comecei, receoso, e ele me olhou brevemente.

— O-oi — respondeu ele, então se voltou para a tela do celular. Suspirei.

— Eu também assistia Cavaleiros quando criança. Gostava muito — falei. Ele ajeitou os óculos no rosto e me olhou.

— Ah, eu também. É… É um dos meus animes preferidos — respondeu, tímido. Sua voz parecia ter mudado alguns tons, do agudo para o grave, e eu contive uma risada. Ele era enorme, mas sua voz às vezes era fina por conta da mudança em curso.

— Atualmente não gosto muito. Prefiro Naruto — comentei, e vi seus olhos se arregalarem um pouco e a sombra de um sorriso se formar em seu rosto.

— Eu terminei o clássico na semana passada.

— Meu amigo ali tem quase todos os mangás — contei, apontando para Baek-hyun.

— Eu vi ele lendo um dia desses.

— Ele ama. Não quer se sentar com a gente?

A sugestão pareceu ter deixado Chan-yeol desconfortável

— É… Acho que não, obrigado — disse, voltando seus olhos para a tela do celular.

— Tem certeza? O pessoal vai gostar de te conhecer.

— Tenho certeza — disse ele, convicto, e eu suspirei derrotado.

— Tudo bem, então. Eu ainda não sei o seu nome — falei e ele voltou seus olhos para mim.

— Park Chan-yeol.

— Sou Kim Jun-myeon. — Sorri, e Chan-yeol sorriu tímido — Podemos almoçar juntos qualquer dia.

— Quem sabe — disse, mas de novo senti aquele desconforto vindo dele e a ideia de que falava aquilo só para não me dizer "não" ficou presa em minha cabeça.

— Jun-myeon! — A voz de Jong-dae soou atrás de mim — É nossa vez!

Acenei para Jong-dae e me virei para Chan-yeol, vendo-o observar a quadra parecendo amedrontado.

— Relaxa, ninguém do nosso time joga bem — brinquei, fazendo Chan-yeol dar uma risadinha.

Apesar de Min-seok e eu não sermos bons jogadores, o jogo foi um inferno apenas para Chan-yeol. Ele era desajeitado jogando, o que rendeu muitas risadas e piadas, principalmente porque ele perdia muitas bolas, mostrando que adolescentes podem ser verdadeiros babacas quando o propósito é rebaixar alguém fazendo o mínimo de esforço. Jong-dae, Baek-hyun e Yixing salvaram o time, mas embora Jong-dae fosse um excelente jogador, perdemos a rodada e, consequentemente, o jogo final com o vencedor da primeira rodada, sendo obrigados a voltar para o banco.

Secando o suor do rosto, ouvi risadas vindas do lado esquerdo da arquibancada. Apesar de eu ter levado uma bolada no rosto por ter sido lento demais, eram sobre Chan-yeol que faziam piadas.

Duas semanas se passaram desde o início das aulas e eu ainda não conseguia falar direito com Chan-yeol. Ele se fechava sempre que eu chegava perto, principalmente acompanhado, e continuava isolado no fundo da sala. Passou a faltar às aulas de Educação Física e eu não sabia por onde andava no almoço.

Estava na biblioteca com Baek-hyun me afogando em tédio sentado em uma cadeira enquanto ele procurava algum livro para a aula de Literatura. Eu olhava os detalhes inóspitos do teto de cor clara, contando as lâmpadas que eu poderia enxergar naquela parte da biblioteca, quando o senti cutucar meu ombro.

— Será que dá para você me ajudar com isso? — perguntou ele, irritado.

— Por que você está pegando tantos livros?

— Um deles é para estudo — respondeu ele e eu revirei os olhos.

— Como se você estudasse.

— Se fode, Jun-myeon.

— Qual você quer?

— Pode procurar pelo da Park Wan-suh? — perguntou, me dando um pedaço de papel no qual anotou a localização do livro.

Me levantei da cadeira e fui andando pelo corredor checando a identificação das estantes, caminhando por toda a extensão do corredor até a última estante, na sessão de bibliografias. Alguém mexia nos livros do outro lado, mas não dei importância até que estivesse na minha frente. Olhando de relance, percebi ser Chan-yeol.

— Hey! — cumprimentei e só então ele notou que não estava sozinho.

— O-olá, Jun-myeon — respondeu ele, como sempre, de uma maneira tímida que eu passei a achar fofa.

— Também está procurando o livro para a aula de literatura?

— Sim. Pensei que não fosse ler.

— Não vou mesmo. Estou apenas ajudando Baek-hyun.

— Ah…

Não sabia se era impressão minha, mas a expressão dele pareceu mudar levemente ao ouvir o nome de Baek-hyun. Pareceu mais acuado e mais tímido do que já era.

— Não te vi mais na Educação Física. Aconteceu alguma coisa?

— Ah… Hum… — Limpou a garganta, ajeitando os óculos sobre o nariz — Nada em especial, só não gosto das aulas.

Eu sabia bem que não era por causa disso, mas decidi não dizer nada, ainda mais por não saber como agir caso ele dissesse que, sim, ele não ia mais às aulas por causa das piadas e comentários que fizeram e que continuavam fazendo quando lembravam que ele existia ao passar pelos corredores.

Chan-yeol deu a volta na estante e parou na minha frente com dois livros nos braços, estendendo-me um deles — o livro de que precisávamos para a aula de literatura.

— Espero que mude de ideia e leia o livro — disse ele, e dei uma risada.

— Eu provavelmente não vou mudar de ideia.

— Que pena, é um bom livro — comentou ele.

— Você gosta dessa autora?

— Já li todos os livros dela. — Sorriu.

— Wow! E eu que achava o Jong-dae corajoso por ter lido Naruto.

Atrás dele, Baek-hyun apareceu com alguns livros em mãos, tagarelando por estar faltando um ou dois dos que procurava. Notei que Chan-yeol pareceu retesar e que não conseguia encará-lo.

— Jun-myeon, você achou o livro da... — E então ele viu Chan-yeol — Ah! Olá… Me desculpe, eu ainda não sei o seu nome.

— Park Chan-yeol — respondeu, baixo, e visivelmente desconfortável.

— Isso! O cara que está sempre assistindo animes! — Riu, mas Chan-yeol não o acompanhou. Murmurou um "preciso ir agora" e saiu de perto de nós com pressa.

— Tchau, orelhudo! — disse Baek-hyun. Vi Chan-yeol olhar brevemente para trás com algo no olhar que eu não soube definir. — Esse cara é muito estranho.

— Ele achou o livro que você procurava — falei, estendendo o livro no ar — Ele ainda é tão estranho?

— Sim. Sempre que eu olho pra esse cara ele tá lendo mangás ou assistindo animes no telefone.

— Ninguém chama ele pra conversar.

— Se ele não fosse tão estranho, talvez eu conversasse com ele.

— Que seja. Vamos logo, estou com fome.

Numa tarde de sábado, Jong-dae e eu fomos à casa de Baek-hyun para fazer o trabalho de literatura. No final das contas, eu tive que realmente ler o livro para responder às questões propostas pela professora. Eu lia em um ritmo lento e impaciente, não conseguindo passar dos 15 minutos de leitura. Jong-dae me ajudava. Ainda que, como eu, também não gostasse da atividade de leitura como Min-seok, tinha concentração o suficiente para as leituras obrigatórias da escola.

Apesar de uma tarde inteira escrevendo e reescrevendo o trabalho, decidimos que mexeríamos na parte final em algum outro dia, e então chamamos Kyung-soo e Min-seok, que formaram um trio com algum outro aluno, para comer pizza. Kyung-soo parecia um tanto irritado com o trabalho, enquanto Min-seok não parava de falar no quão bom era o livro que tivemos que ler para fazê-lo.

— Pensei que tivesse gostado do livro — disse a Kyung-soo.

— E eu gostei, mas esse trabalho foi muito idiota. Como você exige uma única interpretação possível de um livro? Isso é Literatura, não Física! — Suspirou. — O outro garoto também não ajuda muito. Não leu o livro e acha que resolverá tudo lendo resumos da internet.

— Eu achava que poderia resolver tudo lendo resumos da internet — falei, risonho.

— Você se tocou tem um tempo de que você não vai conseguir. Ao menos eu espero.

— Eu soube que um dos garotos novos é bom Literatura — comentou Min-seok. — Aquele que jogou vôlei com a gente e nunca mais apareceu.

— Park Chan-yeol — disse Jong-dae.

— Ele mesmo. Está sempre lendo alguma coisa e eu ouvi a professora elogiando o último trabalho dele. Disse que tinha sensibilidade, e sei lá o quê.

— Ele fez o último trabalho dele sobre a última edição de Bleach, então? Porque a única coisa que vejo ele lendo são mangás — debochou Baek-hyun, colocando um pedaço de pizza na boca em seguida.

— Ele disse ter lido todos os livros dessa autora — contei. — Ele parece ser muito legal, mas é muito tímido. Sempre que eu tento falar com ele, ele parece se esquivar.

— Se o Baek-hyun não tivesse sido um babaca com ele, talvez você tivesse conseguido falar com ele. — Jong-dae olhou de maneira enviesada para Baek-hyun.

— O que você fez, Baek-hyun? — perguntei.

— Eu fiz um comentário de nada...

— Você comentou das orelhas dele no banheiro e ele ouviu — cortou Kyung-soo, ajeitando os óculos no rosto.

— Foi um comentário inocente!

— Foi tão inocente que ele mal olha na sua cara agora. Você foi desnecessário mesmo.

— Sério, Baek-hyun? — Olhei-o. — Ninguém na turma quer falar com ele e você ainda faz isso?

— Eu não sabia que ele estava na cabine!

— Não deveria ter feito!

— Eu ainda acho que não foi nada demais.

— As pessoas que comentavam seu peso há alguns anos também achavam que não era nada demais.

Minhas palavras calaram não só a Baek-hyun, mas também aos outros, e o silêncio um tanto incômodo pairou sobre nós. Foi quando até mesmo eu entendi o que o olhar de Chan-yeol significava.

— Você é um babaca, Jun-myeon — disse Baek-hyun, por fim, e então saiu do quarto, sendo seguido por Jong-dae. Suspirei.

Kyung-soo se sentou ao meu lado e me olhou daquele seu jeito sereno com seus olhos esbugalhados por trás dos óculos.

— Sabe que isso foi 'mó barra pro Baek.

— Sei. Mas acho que isso tá sendo uma barra pro Chan-yeol também.

E então Kyung-soo e eu nos calamos.

Desci as escadas para ir embora mais cedo do que costumava quando estava na casa de Baek-hyun. Vi-o sentado na mesa da cozinha, de costas para mim e cabisbaixo, com as mãos de Jong-dae passando por sua camisa dizendo coisas para ele que eu não conseguia entender. Jong-dae desviou os olhos dele ao me perceber ali e acenou com a cabeça de maneira positiva quando apontei para a porta.

O caminho para casa foi uma reflexão solitária sobre o acontecimento na casa de Baek-hyun, mas principalmente as respeito de tudo o que estávamos deixando passar sobre Chan-yeol e o que acontecia diariamente com ele. O que aconteceu com Baek-hyun o marcou de tal forma que às vezes eu achava que não seria possível que ele se recuperasse totalmente do trauma causado pelas piadas de mal gosto que ele direcionava a Chan-yeol em nossos 15 anos. Não só não parecia justo o que ele fazia, mas também o silêncio de todos nós vendo as coisas acontecerem na nossa frente e simplesmente cruzando os braços ou voltando a cochilar sobre a carteira.

Cheguei em casa tão triste quanto Baek-hyun parecia estar e fui direto para meu quarto. Não demorou muito para que minha mãe batesse na porta para me perguntar se estava tudo bem e, não convencida do meu "sim" nada animador, sentou-se ao meu lado na cama e se pôs a mexer em meus cabelos curtos, e eu, como o bom tagarela que era, logo comecei a contar tudo o que tinha acontecido.

Minha mãe logo entendeu o peso do que eu havia dito. Era amiga da mãe de Baek-hyun há tanto tempo quanto éramos amigos, há quatro anos, pois haviam se conhecido por esse motivo em uma reunião da escola. Não demorou a saber o que Baek-hyun passava na escola porque eu fui o primeiro amigo que ele teve e a mãe dele se emocionava com o fato.

— Eu não queria ofender ele… Só fiquei chateado em saber do que ele fez com Chan-yeol, sabe? — disse por fim, depois de cerca de 40 minutos contando não só o que havia acontecido na casa de Baek-hyun, mas também as coisas pelas quais eu via Chan-yeol passando na escola.

— Eu entendo, querido, mas Baek-hyun não. Você sabe o quão difícil foi para ele fazer amigos e ter passado pelo o que ele passou — disse ela, em seu tom calmo de sempre. — Converse com ele quando achar melhor.

— Não acho que ele vá me desculpar por isso.

— Baek-hyun pode estar com raiva agora, mas no fundo ele entende que não era o que você queria dizer. Tenho certeza.

Após suas palavras simplórias, minha mãe deixou o quarto para que eu ficasse sozinho. Ao som de Paramore, adormeci em um sono inquieto, mas sem sonhos.

Despertei de um sono desconfortável ainda na biblioteca da escola. Estava sobre o livro que vinha lendo para fazer o trabalho de literatura, em mais uma das minhas infrutíferas sessões de leitura que eu encerrava pensando que não faria mal tirar um cochilo. O andamento lento e sem avanços significativos era consequência direta da postura que eu dizia todos os dias que iria mudar, mas sempre terminava da mesma forma: entediado.

Estiquei meu corpo na cadeira dura sentindo o estalo em minha coluna seguido do alívio, e então eu encarei o livro. Não poderia continuar enrolando para sempre e sabia disso, ou prejudicaria Baek-hyun e Min-seok.

— Com licença, Jun-myeon… — Uma voz tímida me chamou, fazendo-me finalmente despertar para a figura alta ao lado da mesa — Todas as outras mesas estão ocupadas e eu gostaria de saber se eu poderia sentar com você.

Chan-yeol se esforçava para sorrir. A timidez era tanta que nem olhava em meus olhos, parecendo se esconder por entre os fios de cabelo que ondulavam por sua testa enquanto olhava algum ponto no chão.

— Claro, Chan-yeol! — Sorri, e ele timidamente puxou a cadeira na minha frente e se sentou, tirando alguns livros da mochila e abrindo-os na mesa.

— Conseguiu terminar o trabalho de literatura? — perguntei.

— Ah, sim. Já está entregue, até. E você?

Nada respondi, apenas levantei o livro que lia para responder às perguntas e Chan-yeol deu uma risadinha.

— Baek-hyun e Jong-dae não vão me carregar dessa vez — brinquei. — Aposto que você fez tudo sozinho. Devorou o livro.

— Como você sabe, eu adoro essa autora. — Sorriu — E, sim, fiz tudo sozinho.

— Com quem fez grupo? — perguntei.

— Fiz individualmente — respondeu ele, simploriamente.

— A professora deixou? — Me inclinei mais sobre a mesa, interessado, lembrando-me perfeitamente da professora dizendo que o trabalho obrigatoriamente seria feito em grupo.

— Todos os grupos estavam completos.

— Tenho certeza que ela teria deixado você entrar em algum grupo se pedisse.

— Jun-myeon… — Chan-yeol chamou meu nome de maneira calma e então olhou para mim — Ninguém iria querer fazer comigo.

As palavras de Chan-yeol, embora ditas com calma e naturalidade, pesaram em mim. Assustava-me seu costume com o isolamento, e mais ainda, o isolamento de uma pessoa em uma classe de 50 alunos. Assustava-me que as pessoas fizessem isso e que pessoas ficassem caladas com isso.

Assustava-me perceber que eu ficava calado.

— Por que não falou comigo? — perguntei — Poderíamos ter feito juntos.

— Você também já tinha seus amigos — disse ele, e só então percebi seu corpo expressando desconforto.

Suspirei, passando a mão por meus cabelos.

— Eu soube do que Baek-hyun fez…

— Ah… Isso…

— Eu sinto muito, Chan-yeol. Não sabia que isso tinha acontecido.

— Não foi a primeira vez que algo do tipo aconteceu, sendo feito por Baek-hyun ou não. Já nem importa mais.

— É claro que importa, Chan-yeol.

— Não importa se nada muda, Jun-myeon, se ninguém se posiciona quando algo acontece.

Calei-me.

Chan-yeol suspirou pesado, tenso, desviando os olhos dos meus e voltando-os para seus livros sobre a mesa. Deixei o silêncio me levar também. Qualquer coisa que eu fosse tentar dizer seria inútil, eu sabia e ele também, e assim permanecemos até o sinal da próxima aula tocar.

Já eram seis da noite quando fechei o livro de Física sobre a mesa. Ao meu lado, Jong-dae bocejou cansado, terminando o último exercício dos vários que passamos a tarde fazendo e me passou o papel quando achou o resultado final. Eu sentia seu olhar frustrado sobre mim enquanto eu corrigia a conta checando todo o raciocínio até finalmente chegar à resposta. Olhei para ele.

— Errei de novo? — perguntou ele, em parte chateado, mas também conformado. Já havia aceitado sua dificuldade nas matérias da área de exatas e tardes como aquela, em que passávamos juntos para que eu lhe explicasse a matéria, se tornaram comuns desde o último ano.

— Você está no caminho, mas errou metade da conta.

— Merda! — Jogou o corpo para trás. — Sempre fico na metade do caminho. A prova é em dois dias e parece que não sei nada!

— Você sabe a teoria.

— Não serve de muita coisa se não consigo desenvolver a conta. Não consigo nem mesmo entender o que o exercício quer! Como isso pode ser tão complicado?

— É mais fácil do que parece, mas você sempre deixa para estudar nas vésperas.

— Porque isso não entra de jeito nenhum! — justificou-se, fazendo-me rir. Aquela desculpa nunca colava.

— Vamos parar por aqui e amanhã eu volto para continuarmos. Tudo bem? — perguntei e ele confirmou com a cabeça.

Estiquei-me na cadeira e em seguida me levantei, seguindo para o banheiro. Quando voltei para o quarto, Jong-dae terminava de recolher os inúmeros papéis que haviam sido usados para anotações e contas durante a tarde. Aproximei-me da mesa e recolhi os livros, colocando um em minha mochila e o outro em um dos cantos da escrivaninha.

— Jun-myeon — chamou —, Baek-hyun, Min-seok e Kyung-soo estão vindo. Tinha me esquecido totalmente que tinha combinado na segunda-feira que a tarde de filmes seria hoje. Você fica também? Pode dormir aqui.

Senti um certo desconforto quando ele mencionou que Baek-hyun também estava a caminho, pois me fazia lembrar que ainda não tínhamos nos resolvido quanto ao nosso desentendimento e que ele ainda não havia pedido desculpas a Chan-yeol. Jong-dae notou e suspirou.

— Vocês precisam conversar. Já faz uma semana que aconteceu — disse.

— Eu sei, só…

— Talvez você pudesse ter dito aquilo de maneira diferente.

Suspirei derrotado e então acenei com a cabeça dizendo silenciosamente que ele estava certo. Jong-dae às vezes parecia ter o dobro de sua idade quando dizia certas coisas, parecendo saber sempre como agir. Muitas vezes me deixei levar por isso e cobrei demais dele, esquecendo-me de que ele era só um adolescente.

Cerca de trinta minutos depois, os outros chegaram. Min-seok se apressou em ir para a cozinha para fazer pipoca com Jong-dae em seu encalço gritando para que não queimasse a pipoca outra vez, como sempre acontecia. Kyung-soo abriu um sorrisinho ao me contar que havíamos conseguido a nota máxima naquele maldito trabalho de literatura com o bônus de um elogio da professora à parte que eu tinha escrito. Baek-hyun parecia tão desconcertado quanto eu, mas tentava não demonstrar. Porém, quando Kyung-soo já não mais aguentava segurar o refrigerante e sentiu o característico cheiro da pipoca queimada, ele seguiu para a cozinha nos deixando sozinhos na sala. Ficou um silêncio um tanto desagradável por um tempo; Baek-hyun mexendo nos DVD’s trazidos, enquanto eu tirava uma dúvida de Yixing por mensagem, mas quando bloqueei o celular, aquilo tudo se tornou incômodo, de forma que eu soube que deveria dizer algo.

— Quais filmes vocês trouxeram? — perguntei, relutante.

Batman: O Cavaleiro das Trevas para Kyung-soo, que ainda não assistiu; os dois primeiros filmes do Capitão América e a trilogia do Homem-Aranha.

— Min-seok ainda não assistiu Esquadrão Suicida.

— Eu sei, mas não fará falta de qualquer forma. O filme é uma merda — disse, por fim, e voltamos ao nosso incômodo silêncio inicial. Na cozinha, Jong-dae ainda brigava com Min-seok por ter queimado a pipoca enquanto que este ria na cara dele sem ligar nem um pouco para o fato. Ouvimos o barulho de um líquido sendo derramado e soubemos que Kyung-soo se atrapalhou com o refrigerante, o que nos fez rir instantaneamente.

— Baek-hyun… — chamei, ganhando sua atenção — Eu… Eu não deveria ter dito aquilo… Não daquela forma.

— Eu fiquei muito mal naquele dia — disse ele, depois de um tempo, remexendo os dedos nervosamente em cima da pilha de filmes em seu colo — Não imaginava que fosse fazer aquilo…

— Eu só queria que você pensasse sobre suas piadas nem sempre serem legais para todo mundo.

— Eu sei, Jun-myeon. E eu pensei — contou. — Só não queria que tivesse desenterrado aquilo. Foi… difícil para mim. Demais, sabe disso.

— Me desculpe, Baek-hyun. Prometo nunca mais fazer aquilo outra vez.

Baek-hyun sorriu pequeno para mim e eu soube que tinha sido perdoado, mas que o sentimento de mágoa talvez ainda ficasse ali por um tempo. Eu sabia o quanto Baek-hyun tinha sido sozinho, mas nunca entenderia por sempre ter sido tão cercado de amigos, e fora bastante desonesto da minha parte ter jogado aquilo contra ele sabendo de tudo isso.

— Prometo falar com Chan-yeol assim que possível — disse ele — Espero que ele me desculpe.

— Também espero, mas acho que ele vai. Ele parece ser muito legal.

— E nerd.

— Deveria dizer a ele que também assiste Cavaleiros do Zodíaco — provoquei e vi Baek-hyun revirar os olhos.

— Assistia — corrigiu.

— Você estava assistindo na aula de Química que eu vi!

— E já parei!

— Só por hoje para vir aqui.

— Vai à merda, Jun-myeon! — disse ele, mas eu sabia que havia uma gargalhada presa naquele bico que fazia de riso contido.

Faltavam míseros dois dias para o fim de semana, e eu já queria jogar tudo para o alto após aqueles três dias de provas. Tinha sido arrasado pelas provas de História e Língua Coreana, e, embora soubesse que me sairia bem na prova de Matemática, continuava nervoso com a chegada da prova de Literatura, para a qual eu deveria ler um livro que não tinha lido. Min-seok disse para eu não me preocupar, pois me passaria um resumo completo, mas ainda assim eu continuava tenso.

Carregava os livros para estudar na biblioteca quando avistei Chan-yeol sentado em uma das mesas de costas para mim. Devagar, andei até ele vendo que estudava Matemática, mas parecendo travado na resolução da questão, lembrando-me dos surtos de Jong-dae no fim de semana com os conteúdos.

— Quer ajuda? — perguntei baixinho, fazendo-o se assustar e chamar atenção dos outros na biblioteca — Me desculpe, não queria te assustar — falei.

— Jun-myeon! — sobressaltou-se, sua voz afinando ao pronunciar meu nome. — Não poderia ter chegado pela frente? — perguntou, emburrado, e então suspirou voltando sua atenção para o caderno, respondendo minha pergunta — Só se você puder fazer um milagre por mim. Sou um caso perdido.

— Nem Jong-dae é um caso perdido, e olha que ele não tira mais que 2— comentei, arrancando uma risadinha tímida de Chan-yeol. — No que está tendo dificuldades?

— Preciso de ajuda com Geometria. Em especial, com Funções.

Peguei meu próprio caderno e abri no resumo da matéria que tinha feito para ensinar a Jong-dae e, com lápis em mão, comecei a explicar para Chan-yeol. Ele parecia bastante tímido de início, principalmente para me pedir para repetir algo. Disse a ele que não precisava sentir vergonha de me pedir para repetir qualquer coisa que ele não entendesse, que eu explicava várias vezes também para Jong-dae quando necessário, e ele pareceu se sentir melhor. E, então, um pouco mais à vontade, a explicação foi caminhando e aos poucos as expressões de Chan-yeol se clareavam conforme entendia a matéria.

Ele era realmente dedicado e genuinamente interessado em muitos aspectos ao me fazer perguntas curiosas, mas não era de ferro e algumas vezes se distraía. Entre os blocos de exercícios, a gente acabava conversando sobre coisas para além da escola. Divergíamos muito no que diz respeito aos nossos gostos, mas isso não fez da conversa menos interessante e fiquei a imaginar como poderia ser ter Chan-yeol no nosso grupo de amigos, e então lamentei profundamente o que havia acontecido entre Baek-hyun e ele.

— Como posso te agradecer por ter me ajudado? — perguntou Chan-yeol, enquanto caminhávamos para a porta da escola

— Não precisa fazer nada, Chan-yeol. — Sorri. — Te ajudei porque precisava.

— Eu faço questão — Insistiu e em seu tom de voz eu percebi que não desistiria tão cedo, então pensei um pouco.

— Gostaria que almoçasse comigo e com meus amigos amanhã. O que acha? — sugeri.

— Jun-myeon…

— Baek-hyun e eu conversamos e ele está arrependido do que fez. Ele gostaria de se desculpar, mas nunca tem a oportunidade de falar com você. Eu vou entender se não quiser ir, mas realmente gostaria que fizéssemos algo juntos. Estou com problemas com Literatura.

Embora tímido, Chan-yeol sorriu ao saber que eu precisava de ajuda com sua matéria preferida e assim combinamos que ao menos nos encontraríamos na biblioteca após o almoço no dia seguinte e nos despedimos desejando um ao outro que fizesse uma boa prova.

Após a prova, Jong-dae só sabia resmungar. Estava mal-humorado e contando com uma nota baixa e já falando de reprovação, enquanto que eu ria de sua irritação enquanto colocava comida no meu prato dizendo a ele que, caso tivesse realmente ido mal, ainda poderíamos fazer algo para recuperar a nota. Cabeça dura como era, não me ouvia, dizendo que nada poderia ajuda-lo, então em determinado momento eu simplesmente me desliguei e segui para nossa mesa.

Nos sentamos junto com Kyung-soo e Min-seok, esperando por Baek-hyun, que ainda estava na fila. Kyung-soo falava da questão de função que não conseguira resolver, enquanto que Min-seok comentava a de permutação, mas ao focarem em algo atrás de mim, pararam de falar. Baek-hyun e Chan-yeol caminhavam na direção da nossa mesa conversando sobre algo que parecia um tanto sério, mas na metade do caminho, Chan-yeol abriu um sorriso tímido e a expressão de Baek-hyun se suavizou.

— Pessoal, Chan-yeol veio almoçar conosco hoje — anunciou Baek-hyun, sorrindo. Chan-yeol continuava tímido e um pouco corado, mas ainda sorridente, e então se sentou ao meu lado de frente para Baek-hyun, Kyung-soo e Min-seok.

— Acho que ainda não te apresentamos ao pessoal — falei. — Esses são Do Kyung-soo e Kim Min-seok — apresentei, apontando para ambos de frente para ele e então para Jong-dae ao meu lado — E este é Kim Jong-dae.

Ainda que surpresos, abriram sorrisos e logo puxaram Chan-yeol para a conversa sobre a prova, e então ele se voltou para mim mais uma vez me agradecendo pela ajuda e dizendo que foi melhor do que esperava. Nos mantivemos conversando até o final da hora do almoço, para então voltarmos para as salas de aula.

Era só um almoço, mas ao cair da primeira neve, Chan-yeol foi mais para mim.