Tentei reagir normal como se aquilo fosse apenas um sonho, e terrivelmente assustado por pensar que hoje eu poderia perdê-la novamente e aquilo seria terrível, pois nunca imaginei que aquilo poderia ocorrer conosco, com a minha Paulina. A minha Paulina iria morrer, a doce e meiga Paulina.

Saímos de casa e descemos as escadas, ela me chama enquanto caminhamos até a empresa.

— Carlos Daniel, o que tá acontecendo hein? Eu já queimei tantas vezes a mão naquilo.

— É? - Pergunto desatento.

— É. - Ela me responde e eu viro a rua e ela espera para atravessar fazer aquele caminho que estávamos acostumados, se virou para mim e deu um sorriso estranhando. - O que tá fazendo?

— Ah... - Gaguejei. - A gente sempre vai por ali.

— E... Você sabe por quê? - Ela pergunta e ajeita as luvas da mão, sorriu para mim.

— Por que? - Pergunto, mesmo sabendo já da resposta, o caminho que fazemos há tanto tempo, ela sorriu novamente e virou sua cabeça.

— Porque é onde você trabalha e onde eu leciono. - Respondi, aquela voz doce e o seu sorriso que fazia minha cabeça pensar que não poderia existir mulher mais linda no mundo que não fosse Paulina Martins.

— Ah, vamos fazer um caminho diferente. - Ela me olhou estranhando o meu pedido. - Vamos dar uma volta. - Dou um passo a frente e pego sua mão que vem ao meu lado, ela segura meu braço e arruma o violino que carregava nas costas. Não poderia fazer o mesmo caminho eu precisava de alguma prova de que nessa noite ela não irá morrer.

Caminhamos, e definitivamente o caminho era ainda mais longo, mas não estava ligando.

— Achei o caminho melhor, você não? - Pergunto a ela novamente ainda segurando em sua mão, ela não me respondeu nada, ouço uma buzina e ao olhar para trás era a moto e com ele haviam duas pessoas e uma delas estava com um copo de café, e me lembrei que ontem no sonho ou na realidade não sei, jogavam café em cima dela. Eu não deixaria aquilo acontecer, não com ela. A abracei e a peguei no colo colando-a na calçada, ela ficou assustada.

Fechei meus olhos e assim que os abri ela me olhava e segurava meu ombro.

— Será que pode explicar? - Ela pergunta, aceno com a cabeça em concordância pensando no que falar para ela.

— Ah posso sim, eu só achei que... "tava" rápida. - Respondo, ela se arruma e eu ajeito meu terno, dando um sorriso para tentar disfarçar, caminho na frente para tentar disfarçar novamente, e um rapaz passa por mim e esbarra na Paulina que terminava de se arrumar para me acompanhar e grita "Olha por onde anda" tentei encarar aquele 2 milésimos de segundo e olhei para trás.

— Mais que ódio! - Ela resmunga, ao olhar para o seu rosto nervosa e sua roupa suja de refrigerante, meu coração acelerou e minha respiração ficou ofegante.

— Não foi um sonho. - Resmungo.

— Ah, o que? - Ela pergunta limpando seu suéter.

— Tudo isso que aconteceu até agora, tudo isso. Eu sabia que aconteceria. - Aumento meu tom de voz.

— O que você tá dizendo?

— A jaqueta, a queimadura, o refrigerante, o seu suéter, eu já tinha visto... Eu sonhei com isso, com alguma diferença mas é...

— Carlos Daniel. - Ela me chama, olho para os lados nervoso esperando o próximo ataque. - Ás vezes a gente tem um déjà vu, se acalma tá tudo bem. - Ela me respondeu e tentou seguir em frente, continuei gritando.

— Não é déjà vu. - Afirmo e dou um passo para seguirmos adiante. - Déjà vu é quando você pensa que já aconteceu, e não que vai acontecer, entendeu? - Paulina para na minha frente colocando suas mãos em mim, suspiro fundo.

— Tá legal, agora fala com o que você sonhou a noite que te deixou tão apavorado. - Ela me pede.

— Foi... - Olhei para o lado e logo olho para seu rosto me lembrando do sonho. - Foi terrível. - Respondo. Ela fecha os olhos e os abre logo em seguida tentando entender.

— Tá legal... Olha, vamos pensar direito primeiro nisso tudo e seu sonho, ou visão ou seja lá o que for. O que acontece agora? - Ela me pergunta, paro por um momento para lembrar.

— Você vai para casa lavar o suéter e eu vou para a minha reunião. - Digo, ela me olha estranhando, aquilo era bem óbvio.

— Isso é... terrível. - Ela ironiza.

— Ah, no... no... no caminho para a reunião eu vou quebrar o relógio. - Me lembro, ela olha para o lado por um momento.

— Ah tá bom, tá bom eu já sei o que a gente vai fazer... A gente vai junto para o seu escritório e se o seu relógio quebrar a gente vai saber que tem alguma coisa errada e a gente vê o que faz. Tá bom? - Ela pergunta e segura minha mão, respiro fundo.

— Tá. - Respondo.

Caminhamos até o escritório conversamos e contando piadas para tentar distrair. - Estamos quase chegando - Ela disse enquanto estávamos prestes a ficar em frente a empresa. - De mãos dadas, eu gosto de ficar de mãos dadas. - Ela diz a mim e sorri.

— Eu também. - Respondo, nunca curti muito todo o lance de relacionamento que temos, mas curtia tudo quando estava com Paulina.

— Ah! - Ela para na minha frente e faz uma reação de surpresa. - Que horas são? - Pergunta. - Ah desculpa, o relógio é o objeto da visão. - Ela brinca. Exito em olhar por um segundo, meu pulso coberto com o terno, o retiro e olho para o relógio.

— Tá inteiro. - Respondo e logo sinto meu coração desacelerar um momento, ela coloca sua mão doce no meu rosto.

— Você só tá nervoso. - Ela responde e caminhamos para dentro do escritório, ainda de mãos dadas novamente.

— Tem razão, tem toda razão.

— Então... Tudo bem? Tá pronto para a reunião? - Paramos em frente a porta.

— Tô.

— Ótimo. Boa sorte, não que precise. Vai dar tudo certo. Eu sei. - Ela me diz e se aproxima para me dar um beijo. - Te vejo a noite na audição.

— Audição? Que audição? - Pergunto, ela fica triste novamente, aquela expressão de ontem quando realmente tinha esquecido e dessa vez não esqueci porque tecnicamente ainda não aconteceu. - Tô brincando. - Sorrio. - É brincadeira, você sabe o humor inglês. Esquece.

Paulina sorri e limpa meu terno.

— Tchau. - Ela diz.

— Tchau, até mais. - Respondo e me viro soltando de sua mão, mas não queria soltar, queria estar com ela.

Entrei no escritório e assinei uns papéis, encontrei com minha assistente Claire.

— Por favor, liga pro Tantra e muda a reserva pras 21h.

— Certo. - Ela responde e sorri ironicamente.

— É e compre algo no Harvey Nicks, tenho que dar um presente pra Paulina...

— Pra audição de formatura da Paulina... Você esqueceu e eu lembrei você duas vezes. - Claire me diz, entramos na minha sala caminho jogando a jaqueta que usava por cima do terno na cadeira do canto e coloco a pasta na cadeira onde deveria me sentar e apoio numa barra atrás de mim.

— Eu sei. Não... Eu não sei se esqueci ontem ou se esqueci hoje. - Claire me olhava estranho, e olhei para sua roupa. - Você usou essa roupa ontem? - Ela ficou sem graça, mas não era a intenção, só lembrei do sonho que tive.

— É bem provável, com o que eu ganho não dá pra variar muito. - Ela responde. Concordo.

— Posso fazer uma pergunta? - Claire suspira fundo.

— Se precisa. - Ela responde.

— Alguma vez já sonhou e no dia seguinte tudo te parecia familiar? Como se fosse num sonho? - Pergunto, ela me olha estranho.

— Siiiim... É claro. Por exemplo, ontem eu sonhei que você iria me incomodar muito esta manhã, e aqui estamos nós. - Claire brinca.

— Para vai sem brincadeira.

— Sem brincadeira? - Ela pergunta.

— É. - Respondo.

— Carlos Daniel, eu acho que os sonhos são muito importantes, temos que prestar atenção neles.

— Você acha mesmo?

— Acho. - Ela responde, fico olhando para o seu rosto sem responder nada. - E também acho que você deve ir para a reunião porque senão vai acabar demitido e eu na assistência social. - Ela brinca e saí da minha sala.

Os sinais estavam claros:

Jaqueta.

Queimadura.

Refrigerante.

Relógio.

Reunião.

Bar.

Taxista.

Até o aluno Oliver.

Acidente.

Se é que eu não me esquecera de mais nada.