Aquela primeira audiência ia ser um verdadeiro inferno, e Jake sabia bem disso. Ele tinha uma advogada muito boa, e que fora muito bacana com ele e os acordos que formularam. Mas ele avisou que Ella não iria aceitar nada. Ela ia tentar vencer ele por cansaço.

—Então pode tratar de arrumar uma terapia alternativa, meu caro. Que por cansaço essa mulher não vai te vencer no tribunal. Eu te garanto.

Colocou uma roupa social preta simples, arrumou o cabelo e encontrou sua advogada na frente do tribunal.

—Fez uma excelente escolha de apresentação, Jake. Sua ex-esposa está parecendo uma femme fatale ao lado do advogado metido a gogoboy. Só não deixe a juíza perceber que isso te afeta.

O guitarrista deu uma boa olhada na mulher de vermelho do outro lado do corredor. Viu como vários homens a olhavam também. Então deu de ombros para sua advogada.

—Não afeta. Eles querem aquilo que não tem, eu tive por muitos anos.

—E isso faz tanta diferença?

—Experimente comer o mesmo ingrediente principal, de diversas formas, todos os dias da sua vida por cinco anos.

—Cinco anos? Eu precisaria de dez dias.

Os dois riram baixinho, e então foram se colocar perante a juíza.

—Doutora Connor, senhor Pitts.

—Meritissima.

A audiência começou bem tranquila. Elizabeth Connor apresentou com tranquilidade todos os acordos pensados por ela e Jake, mostrando estratos bancários e avaliações imobiliárias que eles mesmo haviam pedido para serem feitas. Jake achou interessante como a juíza ficou interessada em sua pacificidade para resolver o divórcio.

—Bom, com toda a tranquilidade com a qual está lidando... Senhor Pitts, posso lhe perguntar a razão do divórcio?

—Aquela vadia ruiva.

Foi o primeiro sinal de agressividade de Ella. Mas o guitarrista fingiu sequer ter ouvido. Apesar de ter visto o quão ressabiada a juíza ficou com ele.

—Eu não quis colocar no processo, por achar irrelevante, meritissima. Mas eu não me importo de apresentar os laudos. Eu tenho TEP e um transtorno de ansiedade severos. E sei o quão complicado é conviver com alguém assim. Alem de tudo, eu perdi minha mãe para um câncer agressivo há seis meses.-A magistrada sentiu oncoracoandoer quando a voz do rapaz falhou, especialmente por ele não ter chorado, ou ter tentado disfarçar. Aquilo não era atuação.-E apesar de ter sido uma tragédia... Serviu para que eu visse o que eu estava fazendo com a minha vida. Então eu mudei radicalmente o meu estilo de vida.

—E acha que minha cliente é incapaz de acompanhá-lo? Isso se chama prepotência.

A voz do advogado bonitão ressoou pela sala. E novamente Jake fingiu que nada havia acontecido.

—Eu não sei se a senhora sabe, mas o Transtorno de Personidade Esquiva me faz uma pessoa...

Ele tentou procurar a palavra, e Elizabeth se apiedou dele.

—Jacob é muito tímido e tem uma resistência grande em tentar aprender coisas novas.

—Isso, obrigado Elizabeth.-Ele deu um sorrisinho sem graça.-E eu sei o quanto é chato você ter que tomar cuidado com o que fala para não magoar alguém mais... Sensível que o normal...

—Sem querer ser invasiva... Senhor Pitts, acha que vivia algum tipo de relacionamento abusivo?-O homem franziu as sobrancelhas, e a mulher fez uma vara indignada quase digna de Oscar.-Um relacionamento abusivo tem vários patamares.-Explicou.-Como você mesmo declarou, tem um transtorno complicado. Entoa entenda da seguinte forma: se alguém está preso na areia movediça, ou se afogando, e alguém o puxa para cima, tentando auxiliar... Isso é uma relação saudável.-O franzir diminuiu.-Agora, se a outra pessoa estender a mão apenasnpara permitir que ele respire melhor, mas sem tira-lo daquela situação, o relacionamento está no primeiro estágio para ser abusivo. Agora você entende o que eu perguntei, Jacob?

—Sim, senhora...

—Eu preciso que você fale em voz alta, querido. No mundo jurídico a frase "quem cala consente" não tem valor, salvo guardo algumas poucas e específicas ocasiões. E esta não é uma delas. Você acha que estava em um relacionamento abusivo?

Elizabeth deu um olhar duro ao colega da parte contraria, que estava pronto para pressionar Jake. O homem encarou as próprias mãos, pensando no último ano de casamento.

—Sim, Meritissima...-Ergueu os olhos castanhos para a magistrada.-Há pelo menos um ano eu vivo um relacionamento abusivo.

A juíza escreveu e leu a sentença final. Ella teve um ataque, enquanto que Jake apenas assinou o que era necessário. Então ficou quietinho, sentado ao lado de sua advogada.

—Senhorita Colle, se não calar a boca e parar de fazer bagunça no meu tribunal eu vou incluir na sentença duas indenizações, uma a Jacob Mark Pitts por calúnia e outra ao Estado por ferir a dignidade da justiça. Assine e se retire deste tribunal imediatamente.

Ela assinou resmungando e simplesmente saiu, jogando os cabelos para trás. Elizabeth cutucou seu cliente.

—Vamos Jake? Eu te dou carona até em casa.

—Obrigado, Izzy.-Sairam lado a lado e adentraram o carro da advogada.-Será que pode me deixar em Arts District?

—Você tem onde ficar lá?

—Eu sempre tenho.

•~☠~•


Estava terminando de separar os ingredientes para o jantar quando alguém bateu na porta.

Ela tinha três opções. Jinxx, Jake, ou alguma coisa bem ruim. Como o rezando para que não fosse nenhuma notícia ruim. Jinxx havia lhe avisado que hoje seria a audiência de divórcio, e que talvez Jake fosse procurar conforto onde era mais bem vindo.

Aparentemente ele era bom de palpite, pois havia um Jake com a maior carinha de abandono em sua porta.

—Oi Jake! Chegou a tempo para o jantar.-Acenou para o carro que o havia levado até ali.-Vem, entra. Vai pegar friagem aí fora.

Assim que a porta fechou, Jake apenas abraçou a ruiva pelo quadril, se escondendo na curva do pescoço, lamentando que os cabelos laranjas estivessem presos em um coque alto. Então deixou duas lágrimas em paz para rolarem, e seus soluços soarem pela casa.

Não sabe como, mas logo estavam no sofá. Ele deitado no colo dela, que estava parcialmente sentada no sofá. Estava tão grudado nela, que talvez até a machucasse. Mas não pensava nisso. Apenas estava ali, com o rosto escondido no colo, a bochecha apoiada em um dos seios. Sentia como ela acarinhava seus cabelos e arranjava sua nuca com bastante suavidade, enquanto cantava baixinho, tentando confortá-lo.

—Está tudo bem Jake. Você pode respirar em paz agora.-Murmurou baixinho.-Está seguro aqui dentro. Mas precisa me deixar fazer o jantar. Vem, eu faço um smootie de frutas vermelhas se for bonzinho.

Conseguiu acalmar a respiração, e até riu daquela chantagem. Parecia uma coisa tão comum... Uma demonstração meio torta de carinho tão típica daquela figura. Aquilo o aquecia.

Então levantou do sofá e ajudou a ruiva a fazer o mesmo. Sentou na mesa e logo ganhou seu smootie favorito da vida.

—Por isso nunca achei um tão delicioso! Era o seu smootie que eu tomei a vida inteira. Ninguém ia fazer igual mesmo.

—Até porque ninguém iria colocar menta in natura em um smootie com yogurte.

—Azar o deles. Sorte a minha.-Deu o último gole na bebida, fazendo um barulho proposital com o canudinho.-Amelyne... Acabei...

A ruiva deu uma gargalhada, antes de colocar mais da bebida no copo. Jake abriu um sorrisinho, antes de voltar a beber.

—Chega, já é o sexto copo, Jake! E sua vida fitness?

—Minha vida continua fitness! Isso aqui não tem açúcar. É yogurte e frutas congeladas. Pare de ser chata!!!

—Tem mel aí, mocinho.

—Mel! Mel não faz mal nenhum!

—Certo, mas já chega. Ou não vai comer a macarronada que está gratinando no forno.

Ele levantou da cadeira e foi lavar toda a louça, empurrando a amiga com o quadril no meio do caminho, para fazer graça.

—Sua comida é um crime contra a humanidade. Olha o cheiro disso!

—Já fazem mais de 20 anos que você reclama disso! Mas cozinhar pra mim que é bom, nada.

—Eu não sei cozinhar!

—Não é por falta de tentativa de te ensinar. Você não aprendeu porque não quis.

—Hey!

Tudo logo ficou pronto, e os dois sentaram na mesinha de centro da sala, onde ligaram uma das músicas favoritas dos dois bem baixinha. Em algum momento, Jake ficou sério, totalmente cabisbaixo.

—O que foi, bearboy? Por que está tão quietinho?

Jake tinha certeza de que ela sabia. Não fazia ideia de como, mas a ruiva sabia.

—Não é nada...-Abaixou o olhar.-Minha audiência de divórcio foi difícil hoje...

—Você sabe porquê foi difícil?

—Sei... Eu descobri uma coisa que eu não sabia sobre meu casamento. E isso doeu. A juíza até disse que podia ser inconsciente, e talvez no começo até fosse... Não imaginava que havia casado com uma víbora...

—Nunca sabemos com quem casamos, Jake. E levando em conta o seu histórico, você não sabe mesmo com quem se casa. Não pode ver uma bunda bonita!

—Posso sim! Eu não me apaixono só por bundas bonitas. Sinto um tesão desgraçado, mas não é o bastante para me fazer amar.

"Veja bem, eu levei 16 anos para entender e aceitar que amava você."

Completou em pensamento.

—Tudo bem, não vamos brigar. Já foi um dia ruim o suficiente.

"Aquela cadela ainda vai me pagar."

Os dois voltaram a ficar em silêncio. Comeram o jantar e a sobremesa, antes de voltarem ao sofá, que virava uma cama bastante espaçosa. Deitaram ali e ficaram olhando o céu pelas portas de vidro da varanda do quintal.

—Ame... Vamos fazer uma viagem?-Jake sentiu ela prender a respiração. Eles estavam deitados juntos, e dessa vez era ela quem estava aconchegada, respirando suavemente em seu pescoço.-Nós podíamos ir a Alemanha.

—Achei que fosse dizer Índia.

—Não... Eu não consigo lidar com aquela coisa de quietude e meditação. Eu sou ligado na tomada.

Ela ficou em silêncio, e ele sentiu pequenas lágrimas em seu ombro, molhando a pele, uma vez que havia se livrado do terno e a ruiva lhe dera uma bermuda de moletom para ficar mais avontade.

—É Jake... Você é ligado na tomada.