— Anne, está me ouvindo?

Diana e Anne já estavam na terceira semana de aulas, atarefadas com todos os conteúdos dados pelos professores e as primeiras provas. Como sempre sendo boas alunas, estudavam todos os dias, mas desde que Anne recebeu a carta de Gilbert, ela tem andando distraída, suspirando pelos cantos e perdida no mundo da imaginação com seu Mr Darcy dançando com ela, chamando-a de “minha Anne”.

— Princesa Cordelia? Anne? Rosamond Montmorency? Anne!

— Diana! - Disse Anne, sobressaltada - Me desculpe! É que são tantas coisas acontecendo que acabo me perdendo. Estou com saudades da Marilla e do Matthew, saudades de Green Gables.. E, bem, ainda estou tentando entender como lidar com isso - Anne aponta para a carta, fazendo uma careta.

Diana ri, levanta e caminha até Anne, lendo a primeira linha da carta. Anne se joga em cima da cama de bruços, escondendo a cabeça no travesseiro e se esperneando. Ela tem esperado a segunda carta de Gilbert, já que ela enviou a primeira. Não sabia direito de como funcionava as regras de cortejo via correspondência, nem se elas existiam, mas, caso não existissem, ela mesmo criaria.

— Ah Anne, ele já diz que você é a querida dele! “Minha querida”, olha que coisa linda. Quem diria que o Gilbert seria tão galanteador. O restante acredito que não seja melhor eu ler, são coisas bem pessoais, não são?

Anne murmurou algo incompreensível, sentou na cama e olhou para Diana. Percebendo que ela não entendeu nada do que ela falou, ficou vermelha, e com um sorriso aberto, disse:

— Ele é incrível.

— Ah, que eu encontre alguém que eu perca a paciência, bata com a lousa na cara dele e nos apaixonamos perdidamente um pelo outro como vocês dois!

— Não foi bem assim, Diana. Ele teve que renunciar um noivado pra ficar comigo. É bem mais romântico e dramático do que isso. Poderia até escrever uma história!

As duas amigas de espíritos afins riram, e ambas se sentaram juntas na cama de Anne, olhando a carta em cima da mesa.

— Ele é tão romântico Anne, e é óbvio que você está apaixonada por ele. Ia sair daqui correndo pra encontrar ele depois de descobrir que ele te amava. Então qual é o problema?

Anne se endireitou, mostrou as mãos fechadas em punho, e, em seguida, foi levantando cada um dos seus dedos para cada pergunta.

— Se não estamos noivos, o que somos? Quero realmente ficar noiva na minha idade? Deveríamos ter nos beijado sem nenhum compromisso, como nos livros? Porque a realidade não é nem um pouco parecida com eles, e acho que a Marilla vai ter problemas com isso, e quero respeitar a opinião dela. Fora o que a senhora Lynde falaria. A Ruby não vai se incomodar com isso? Como vou falar tudo para as meninas? Será que vamos continuar com o mesmo sentimento se não alimentarmos ele pessoalmente? Será que vou poder visitá-lo? - Suspirou, olhou para os sete dedos levantados, e logo em seguida, para Diana - São até menos perguntas do que imaginei, tem algumas que só o Gilbert pode responder.

Diana riu, e se preparou para a conversa. Conhecia a amiga desde seus 12 anos, e sabia que a conversa ia demorar mais do que deveria por causa de seus estudos. Mas também sabia que se as duas não conversassem agora, Anne não iria conseguir focar nos seus estudos, e ela tinha que desabafar com alguém, pois não tinha os campos verdejantes e a presença de princesa Cordelia para tirar suas preocupações. E ela própria não conseguiria estudar, porque iria ficar imaginando o que estava passando pela cabeça de sua amiga. Foram dias longos e exaustivos de aulas e adaptações até aquele momento, e agora, poderiam ter a conversa que tinham adiado.

— Tudo bem Anne, vamos por partes. Não vou poder ajudar você com tudo, pois como você sabe, minha experiência não foi como a sua. Oh, como gostaria que fosse um pouco parecida com a sua, para ter o que contar sem me arrepender - Suspirando e se arrumando para ficar confortável, sentada na sua cama, pois a conversa iria render alguns bons minutos, começou - Obviamente vocês não são noivos. Gilbert teria feito um pedido lindo, e duvido que não seria na frente da sua família. Você não deve esperar isso tão cedo, pois ele começou a faculdade agora, são três anos que ele terá que passar em Toronto, não são?

— Sim, já tinha pensado nisso, mas é tão bom ouvir de outra pessoa as mesmas coisas que eu pensei só para ter elas confirmadas.

— Agora, sobre os beijos. - Diana se aproximou de Anne, apertou as mãos dela e perguntou - Como foi?

— Melhores que nos meus sonhos, isso posso garantir. Quando ele veio até mim e invés de falar algo, fez aquele olhar - você sabe qual olhar, Diana! - e me beijou, foi como se fizéssemos parte de um dos meus melhores livros de romance. Mas confesso que o beijo que veio depois, que foi a minha resposta, foi melhor ainda. Acredito que o beijo não seja somente o tocar dos lábios, mas toda a composição - ele me segurando pela cintura com firmeza, como se quisesse ter certeza de que eu realmente estava ali. Eu tocando o queixo dele, que eu já disse pra você, é lindo. Foi como se o tempo parasse. E realmente ele teria parado se o sino da igreja não tivesse tocado.

— Então, por que se preocupa tanto com o que os outros vão dizer? Principalmente a senhora Lynde, que fala até pelos cotovelos quando não tem platéia. Sei que você tem um carinho por ela, mas nem tudo o que ela fala tem fundamento. Só teria se considerássemos a imaginação maliciosa que ela tem para alguns assuntos algo válido. Até Marilla deixou de considerar as falácias dela, pelas coisas que você tem falado para mim. Agora, sobre Marilla, talvez você tenha que ter uma conversa com ela sobre isso. Não acredito que ela vá brigar com você por ter feito isso, ou por outros beijos que ainda vão vir, e ela ama o Gilbert. Acredito que ela confie nele. - Anne assentiu, mais confiante. - Agora, qual era a pŕoxima pergunta mesmo?

— Ruby e as meninas. Sei que a Ruby tem uma queda - vulgo abismo - pelo Moody, e que ele já até corresponde. Eles fazem um par lindo. Mas também sei que a Ruby foi apaixonada pelo Gilbert por anos! Isso pode soar até como uma traição para ela. Imagina você no lugar dela, Diana! Se você fosse apaixonada por alguém durante anos, e de repente, quando você finalmente supera e começa a se apaixonar por outra pessoa, eu apareço namorando ele? E quanto a Jane, Josie e Tillie - como vou contar? Só vou chegar para elas e falar: Oi, estou com Gilbert! Faz três semanas e ainda não sei como contar! E quero tanto contar! Teria contado, se a primeira pessoa que vi quando entrei novamente na pensão naquele dia tivesse sido a Ruby.

Diana lembrou como foi. Anne tinha acabado de voltar da conversa com Matthew e Marilla, estava com os olhos marejados e com o livro de sua mãe nas mãos. Ia começar a falar logo na escada sobre tudo o que aconteceu para ela, mas Ruby apareceu logo em seguida descendo das escadas, falando alto com Josie que vinha logo atrás, sobre os planos que tinham para o dia seguinte.

— Talvez você possa pedir para sair com a Ruby, tomar um café na cafeteria que fica perto da faculdade, e conversar sobre isso. Não creio que ela vai ficar muito chateada com você Anne. Todos já percebiam que Gilbert só tinha olhos para você, inclusive ela. Só não queria admitir. Agora, para as meninas, depois da conversa que você tiver com a Ruby, podemos organizar um chá entre nós, e você pode falar nele! O que você acha?

— Se a conversa entre eu e a Ruby terminar bem, acho ótimo!

— Agora, as últimas perguntas. Se não, não vamos conseguir estudar hoje!

— Relacionamento a distância é algo que somente vi em livros. Até hoje não conheci ninguém que tenha passado por isso. Vamos ter que cativar muito nosso amor através de cartas para que ele sobreviva por esse tempo. Se houvesse algo mais rápido para ser enviado, amaria! Kingston e Toronto não são tão longes um do outro, realmente não demora muito para receber as cartas, mas mesmo assim, são dias que se passam de sentimentos guardados em palavras, ansiosos para que alguém possa lê-los e responder com o mesmo furor.

— Anne, se o sentimento for verdadeiro, ele sobrevive. Sei que realmente não sabemos disso, mas agora, você poderá tirar a prova. Gilbert ama você, e não vai ser o tempo passando que vai apagar isso. Ele tem sentimentos por você desde sempre, e mesmo você não correspondendo ele até recentemente, durou. O que serão três anos a distância, com o sentimento correspondido?

— Você tem razão, Diana. Oh, como eu te amo! - Anne a abraçou, e em seguida, deitou no colo dela - Será que vou poder visitar Gilbert? Vou perguntar pra ele na próxima carta que eu enviar. Eles devem ter regras para visitar a pensão dele, assim como a nossa. Podemos passar o dia passeando em Toronto, nos parques. Seria tão romântico!

— Bem, não estou acostumada a ver a mulher indo visitar o homem. Geralmente é o contrário. Mas, conhecendo você, não é o status quo que vai te impedir, não é? Vai atrás do seu amado, com o vestido mais lindo, para arrancar alguns beijos e deixar ele louco para voltar logo para Avonlea!

As duas riram, e logo começaram a fazer cócegas uma na outra, rindo mais alto ainda, até que a governanta bateu na porta como aviso. Logo, voltaram para suas mesas para estudar, mas não sem um belo sorriso no rosto e olhares sonhadores.

A fazenda de Gilbert e Sebastian estava ficando cada vez mais diferente. Mesmo sem a presença de Mary para alegrar todos que ali passavam, a cada dia que passava ela adquire mais vida. Os pomares e as demais plantações sempre eram fartos, e até a mãe de Sebastian - Hazel - tinha acostumado a sorrir.

Sebastian estava com a carta de Gilbert nas mãos, indo até o riacho para lê-la. Tinha deixado Delphine dormindo com a sua mãe. Quando chegou, viu sua amiga, senhorita Stacy - Muriel - com suas belas calças, camisa e chapéu e sua fiel vara de pescar em mãos, no meio da ponte do riacho, pescando pacientemente e conversando consigo mesma sobre os novos alunos, que ele sabia que eram mais desafiadores dos que os que tinham saído para começar a cursar a faculdade. Conversavam praticamente todos os dias, com ela visitando a fazenda para mimar sua afilhada ou com ele encontrando ela ali mesmo. Até mesmo Hazel tinha começado a se acostumar com a presença dela, desconfiando cada vez menos de brancos ao passar dos dias.

— Olá Muriel! Olha o que chegou! - Disse Sebastian, levantando a carta de Gilbert.

Muriel levantou uma das mãos dando olá para ele, guardou rapidamente sua vara de pesca e foi até ele, sentando em uma das pedras ao lado dele.

— Ora, uma carta de Gilbert. Posso ler contigo? Estou com saudades dos meus alunos, principalmente dele e de Anne. Você sabe, eles eram os mais próximos de mim.

— Claro que pode. Mas antes de ler, saiba que não sei se essa carta é muito nova. Pode já ter vindo semana passada. Minha mãe sempre foi organizada, mas descobri que cartas não é o forte dela. Encontrei essa embaixo de um vidro na estante da cozinha por acaso, pois tinha um copo logo ao lado.

Sebastian retirou o selo, e ambos leram a carta.

“Sebastian,

Estou com saudades de você! Depois que me acostumei a ter um irmão próximo de mim, é difícil ter que ficar longe. Como você está? E Hazel? Delphine? E as plantações? Que saudades da comida da sua mãe! A comida daqui não é nada comparado a dela. Jamais!

Tenho estudado muito nesta primeira semana. Todo o esforço que fiz para chegar até aqui foi necessário. As aulas são desafiadoras, e nada comparadas ao que lia nos jornais da senhorita Stacy ou nos livros. Tenho me esforçado para ser um dos melhores alunos para, quem sabe, conseguir uma bolsa, mas nada é garantido.

E Bash, você tinha razão. Sou apaixonado pela Anne, e ela por mim. Pode fazer a sua dança!

Aconteceram tantos imprevistos, que só pessoalmente para explicar tudo o que aconteceu. Tinha uma carta dela na fazenda que ela escreveu para mim dizendo que me amava. Você pode procurar esta carta? Quero muito guardá-la. Aparentemente, ela escreveu essa carta quando você e eu não estávamos, então provavelmente sua mãe guardou em algum lugar. E aquela carta que escrevi para ela acabou num trágico acidente, e Anne acabou por nunca lê-la.

Nos encontramos em Kingston, e conseguimos nos resolver, finalmente. Estamos conversando por cartas, e ela está prometida a mim. Vou conversar pessoalmente com Matthew e Marilla quando chegar o natal, então por favor, se puder manter esse assunto longe deles até lá, melhor. Mandei uma carta já para eles explicando, para que eles saibam das minhas intenções, antes que chegue até eles o assunto por fofocas. Mas só fala desse assunto caso eles perguntarem, até porque não sei se você vai ler essa carta antes de eles lerem a deles.

De seu irmão,

Gilbert Blythe.”

— Eu já terminei de ler - Disse Muriel, com a voz baixa para não interromper Sebastian.

Quando Sebastian terminou, olhou para Muriel e os dois começaram a rir. Não faziam dois dias que os dois conversaram sobre o casal, perguntando-se quando eles se resolveriam. Logo, pararam e começaram a se olhar, assim como Gilbert e Anne faziam na sala de aula e que Muriel tinha contado a Sebastian.

Já fazia algum tempo que os dois perceberam que tinham essa estranha conexão. Conversavam por horas a fio, cozinhavam (ou melhor dizendo, Muriel cozinhava e Sebastian opinava no uso dos temperos), passeavam pela fazenda, mas sabiam que tinha algo a mais despertando. Quando percebeu, Muriel levantou rapidamente, quase derrubando seu balde com peixes.

— Perdão, Sebastian! Lembrei que tenho que corrigir as provas logo, amanhã tenho que distribuir as notas, preciso ir!

E saiu rapidamente dali, deixando Sebastian sentado no mesmo lugar, olhando onde Muriel tinha passado para ir embora. O passado, por melhor que tenha sido e deixado boas lembranças, às vezes pode ser uma prisão para novas experiências.

Anne estava caminhando com as meninas para a faculdade, pensando na carta de Gilbert. Ele pediu para visitar a aldeia para conversar com a curandeira, porém, não sabia se eles estavam mais lá ou até se a sua amiga Ka'kwet tinha finalmente saído do internato. Decidiu que logo iria escrever as cartas aos jornais.