Fazia um dia lindo em Green Gables. Logo pela manhã, o som dos pássaros ecoava dentro da casa, e as árvores farfalhavam com o suave vento que passava entre seus galhos. Marilla, logo que preparou o desjejum de Matthew e Jerry, começou a limpar a casa (que na opinião de Jerry, já estava extremamente limpa, a ponto de ver parte do reflexo de seus calçados no chão), e logo estava na porta do quarto de Anne.

Mal Anne sabia da saudades que ela deixou na sua casa. Enquanto os sons da natureza chamavam Anne para mais uma aventura, ela estava em Kingston, formando seu próprio futuro. Em alguns momentos, Marilla jurava que ouvia suas risadas e seus passos rápidos indo em sua direção, indo contar mais uma vez como foi seu dia com sua visão única sobre o mundo.

Entre seus devaneios, mal percebeu seus pés irem no automático para a cozinha para colocar água para esquentar. Logo, Rachel Lynde entrou pela porta da cozinha, fazendo sua presença encher o lugar.

— Olá, Marilla! Que dia lindo! A caminhada até aqui mal pareceu longa.

Marilla, que estava concentrada nas tarefas diárias, se assustou com a repentina aparição de sua amiga, porém, logo se acostumou. Afinal, quem mais entrava na sua casa sem fazer cerimônia além dela? Nem Matthew fazia isso, porém, nunca iria questionar. Da última vez que isso aconteceu, geraram uma briga, e como era uma pessoa sensata, não iria repetir o ato.

Secou suas mãos e logo ofereceu para senhora Lynde uma boa xícara de chá. As duas amigas sentaram-se uma de frente para a outra na mesa. Com um sorriso em seus lábios, Marilla começou a conversa.

— Tem alguma novidade, Rachel?

— Oh, nenhuma. Avonlea está pacata desde que Anne saiu deste lugar. Os velhos continuam ranzinzas, o pastor continua com seus sermões, e os homens do comitê continuam tão rudes quanto antes. Mas isso irá mudar logo, não vai?

— Claro que vai. - Falou Marilla, lembrando que ela, Rachel e mais duas mulheres que ainda irão levantar estavam participando das reuniões que decidirão o futuro de Avonlea. Igualdade, no fim das contas - Mas curioso o fato de você não ter novidades, enquanto eu estou com uma novidade fresca!

Rachel se mexeu na cadeira, mostrando-se desconfortável com a situação. Sua feição mudou para seu típico estado curioso, e estava determinada a tirar qualquer informação de Marilla. Como estava sedenta de algo novo para contar pelas ruas de Avonlea! Ninguém deixava de contar as novidades à ela. Ninguém era louco de fazer tal atrocidade!

— Deixe de ser mesquinha e me fale logo o que aconteceu Marilla! - Olhou no fundo dos olhos da sua amiga, espremendo os seus e se inclinando para frente, aproximando-se - O que eu não sei que você sabe?

— Rachel Lynde, se ajeite na cadeira que te conto.

Se arrumou na cadeira, contrariada. De fato, Marilla estava no poder enquanto possuísse uma informação que ela não tivesse. Sua amiga era uma fonte confiável de informações, pois sabia que embora dela não viessem muitas fofocas, as que vinham eram verídicas. Nunca passava uma informação sem que checasse suas fontes.

— Anne está sendo cortejada! E você não imagina por quem!

— Se você me dizer que é Sloane, irei eu mesma para Kingston para colocar juízo na cabeça dela! Não importa se ele for bom, um Sloane sempre será um Sloane. - Disse Rachel, impassível. Já ouviu algumas fofocas da família Sloane, falando que Charlie Sloane achava Anne uma moça suficientemente interessante para um futuro casamento, o que achou ridículo. Anne é realmente uma moça interessante para casar, mas Charlie Sloane não era digno de achar qualquer coisa sobre ela! - Agora, se você me disser que é Gilbert Blythe, esperarei ansiosa pelo dia que casarem. Ouvi dizer por aí que ela viajou sozinha para Paris, deixando ele sozinho aqui. Então imagino que possa ter acontecido algo. Fora que os dois formam um belo casal. As conversas entre os dois nunca me enganaram.

— E aconteceu! - Disse Marilla, radiante. Ninguém torcia pela felicidade de Anne que nem ela - Gilbert não pediu a moça em casamento pois está apaixonado pela minha Anne. Os dois conversaram, e no natal Gilbert virá aqui para nos contar suas intenções.

— Que notícia maravilhosa! Não acredito! A pequena e destrambelhada Anne está sendo cortejada!

As duas começaram a conversar animadamente, falando o quanto Anne tinha amadurecido nos últimos meses e imaginando quantos filhos eles terão juntos, enquanto Matthew abriu a porta e, vendo a situação, fechou lentamente, passando despercebido para seu alívio.

O mês passou rápido, e logo as meninas da pensão da senhora Blackmore estavam fazendo os preparativos para as férias de natal. Estavam todas animadas que os primeiros três meses de faculdade passaram rápido, e logo estariam na metade de seu primeiro ano. Anne, como a professora Stacy tinha aconselhado, começou no segundo ano para se formar no magistério logo no fim de seu primeiro ano como universitária, já sonhando para qual escola ela iria lecionar.

— Diana, está preparada para o Natal? Tenho que comprar presentes! Agora, além de você, Marilla e Matthew, tenho que comprar presentes para Jerry e Gilbert. São tantas coisas para fazer! Ter dezesseis anos é incrível - Disse Anne, se jogando em cima de sua cama de braços abertos. Estava cansada de tanto estudar, mas satisfeita por ver o desenrolar do tempo. Já trocara algumas cartas com Gilbert, e seu amor estava cada vez mais forte. Estava com saudades de casa, e logo estaria lá com ele!

— Estou preparada para o que vier, mas estou vendo que terei um novo desafio pela frente. - Diana disse, um pouco desconfortável por ter ouvido o nome de Jerry sendo mencionado. Já tinha superado como tudo aconteceu, porém, preferia não lembrar do assunto com frequência - Pretendo dizer para os meus pais que, quando me formar no magistério, não quero voltar para casa.

— Como assim, Diana?

— Quero cursar música. Quero ser musicista, Anne! - Disse Diana, com intensidade - Talvez não queira viajar o mundo, porém, quero trabalhar com música. Minha mãe terá que entender. Não quero voltar para casa comprometida a ter que me casar. Quero, sim, me casar um dia, mas não quero depender do casamento para ser feliz. Quero ser dona do meu futuro.

Anne olhou sua melhor amiga com admiração. Desde quando ela mudara tanto? Antes, ela era uma garota insegura, obedecendo cegamente a vontade de seus pais, e hoje ela começou a buscar seus próprios anseios.

As duas amigas se levantaram e se abraçaram longamente, selando a amizade que tinham. Anne se separou da amiga, e levantou seu dedo mindinho.

— Podemos fazer um novo juramento então?

— Claro que sim!

— Nove meses para começarmos nosso futuro.

Diana levantou seu dedo mindinho, e logo o uniu ao de Anne. E ambas repetiram em uníssono:

— Nove meses para começarmos nosso futuro.

Marilla e Rachel estavam na frente de Green Gables, sentadas nas cadeiras de descanso. Passaram a tarde falando de Anne e Gilbert, animadas pelo que o futuro irá trazer a eles, sem sinal de Matthew. A opinião de Marilla é de que Anne não irá ter mais que 2 filhos, mas Rachel disse que, pelo tamanho do quadril da pequena, teria no mínimo seis.

— Trocando de assunto, Rachel, quem você acha que deve fazer parte conosco das reuniões do comitê?

— Certamente a senhorita Stacy deve ser uma das mulheres a fazer parte. Ela é inteligente, não se deixaria levar pelas mentiras que aqueles homens tolos contam, além de poder proteger suas crianças e a escola. E quem sabe, até resgatar a prensa! Agora, não sei quem pode ser a quarta mulher.

— Talvez a senhora Barry? - Rachel olhou com descrença Marilla, que continuou - Veja, os pais de Diana permitiram que ela fizesse faculdade, invés de se formar em uma escola de etiqueta para ser uma esposa. Talvez ela esteja mudada, e possamos ajudar ela nesse processo. Ninguém nasce com consciência do que é certo ou errado, Rachel, não seja tão dura. Até mesmo você mudou sua opinião sobre várias coisas no último ano.

Rachel consentiu, lembrando dos acontecimentos. Algumas coisas permaneceram as mesmas, mas sua visão sobre as mulheres tinha mudado, e se sentia mais aberta para novas mudanças. E não podia negar o fato de que seu ego inflou diante da afirmação de que poderia ajudar outra pessoa, ainda mais sendo a nobre senhora Barry.

— Vamos conversar com elas depois das festas do final de ano, quando as reuniões retornarem. Assim, estarão animadas diante das festividades e dispostas a participarem. Escreva o que eu digo, pois sempre tenho razão. Mas agora, sou obrigada a me despedir, Marilla - Disse Rachel, já levantando da cadeira de descanso e esticando suas pernas - Meu marido está doente, não sei se te contei. Não espalhe sobre isso, por favor, não sabemos o que ele tem. Está tossindo muito, e sempre está dormindo. Minha filha, Emily, voltou para Avonlea para cuidar dele junto comigo, mas não posso abusar da sorte.

Gilbert estava no quarto da pensão, organizando seus estudos, que eram muitos. As férias de natal estavam incrivelmente perto, e logo poderia ver novamente Anne pessoalmente. Finalmente poderia compensar o tempo que perdeu longe dela, mesmo tão perto um do outro.

Enquanto estava lendo, o pensionista passou algumas cartas embaixo de sua porta. Uma era de sua amada Anne, com um selo vermelho que nem seus cabelos ruivos. Se era possível aumentar seu amor mesmo a distância, tinha certeza de que estava acontecendo isso com ele. Praticamente todas as semanas os dois escreviam um ao outro falando sobre suas aulas, professores e amizades. Esperavam que quando se vissem pessoalmente, não parecesse que faziam meses desde que não estavam juntos pessoalmente, mas que só tinham se passado algumas horas, ou até, quem sabe, minutos. Gilbert bem sabia que isso não era possível tamanha a saudade que ele sentia de sua amada, mas nunca recusaria receber as cartas tão cheias de animosidade.

Outra carta era de Sebastian, seu irmão. Como sentia falta dele! Queria falar com ele pessoalmente logo, pois Bash não era o tipo de pessoa que conseguia expressar tudo o que queria através de palavras, mas sim de gestos e conversas animadas. Entendia suas pequenas cartas, também pelo fato de que ele nunca teve um amigo do qual tivesse que compartilhar tal ato.

As informações da carta de Sebastian eram sucintas. Sua mãe não encontrou a carta de Anne, infelizmente. Já imaginava isso, pois em uma das cartas que Anne tinha lhe mandado, falou que era um pequeno pedaço de papel dobrado ao meio. Poderia ter se perdido no meio de tantas coisas que tinham na cozinha, ainda mais com uma bebê curiosa e esperta como Delphine constantemente na mesa. Falou também que as safras estavam boas! Enviou uma quantidade de dinheiro ao sócio, para que pudesse viajar e também ter uma reserva para pagar o aluguel de onde estava, assim podendo ter uma certa folga financeira para que comprasse os presentes de natal.

Logo, ele foi até o banco e retirou uma parte do dinheiro que tinha recebido, e saiu pelo centro de Toronto em um breve intervalo de seus estudos para procurar um presente para Anne. Ora, para Sebastian, Delphine e senhora Hazel já tinha em mente o que comprar, mas para Anne tinha que ser algo especial. Já tinha combinado com ela para procurarem presentes para Marilla e Matthew juntos, então, agora era o tempo para procurar um presente para ela.

Andou pelas ruas, observando as lojas. Não sabia ao certo as medidas do corpo de Anne, então não poderia comprar um vestido. Poderia comprar um livro, mas isso parecia o tipo de presente fácil demais para dar a ela. Queria mostrar que a conhecia mais do que qualquer pessoa, então, deveria ser ousado.

Parou subitamente quando avisou um antiquário do outro lado da rua. Lembrou-se felizmente do amor que Anne sentia por objetos antigos pela história que eles possuem, e, na vitrine, estavam expostas jóias muito belas. Algumas que ele não poderia comprar, mas, quando atravessou a rua e fitou de perto, viu algo que Anne certamente irá gostar. Ele estava imaginando perfeitamente Anne feliz, usando-o e colocando-o contra o sol para ver todas as luzes que poderiam surgir quando refletido. Sorrindo com a imagem que sua imaginação formou, entrou pronto para barganhar.

Não muito longe dali, Anne e Ruby caminhavam pelo centro de Kingston em busca dos primeiros presentes de natal que irão comprar. As outras tiveram que ficar na pensão estudando, mas as duas felizmente terminaram o conteúdo mais cedo e logo saíram, de braços dados e andando felizes. Ruby aceitou de bom grado o pedido de Anne para acompanhá-la às compras.

Enquanto caminhavam, Anne olhava atentamente as lojas de ambos os lados da rua, imaginando o que Gilbert estaria fazendo naquele momento.

— Anne, do que Gilbert gosta?

— Ah, ele é prático. Gosta de ler, estudar, planejar o que vai fazer. Não gosta muitas surpresas no caminho dele. Gosta das coisas nos seus devidos lugares - lembrou ela, lembrando da disposição dos itens dentro da casa dele.

— Ou seja, ele te complementa!

— Sem dúvidas! - disse Anne, sorrindo - Eu o ajudo com imaginação e leveza, e ele me ajuda a colocar as ideias no lugar e a me organizar.

— Mas o que você quer comprar pra ele de natal? Uma agenda?

— Ah não, esse tipo de coisa ele já tem. - lembrou-se de todos os papéis e cadernos que ele carregava. Com certeza ali deveria ter uma agenda - Não tenho muito dinheiro para comprar um presente caro. Já avisei ele sobre isso, e ele não se importa. Estava pensando em fazer algo eu mesma, sabe?

— Mais uma invenção de Anne Shirley-Cuthbert. Essa eu quero ver!

As duas continuaram caminhando, até Anne avistar algumas coisas que poderia utilizar em um presente para Gilbert. Foram comprando algumas coisas no caminho, e quando acharam que já compraram o que era suficiente, caminharam retornando para a pensão.

Quando passaram em frente a uma livraria, Ruby pediu para parar, lendo um panfleto que estava colado a parede. Anne se aproximou, lendo em voz alta:

— Bolsa integral para Redmond? Para qualquer curso que desejarmos?

Ruby e Anne se olharam, felizes. O panfleto informava que somente os dez alunos mais bem avaliados de Queens poderiam ingressar no Redmond College, em Kingsport, Nova Escócia, com bolsas integrais de estudo. Era uma oportunidade que elas não poderiam perder.