Ao contrário de Annika, Gabrielle reagiu com lágrimas à chegada de Renard. Lágrimas de alívio por ele estar à salvo – também ela sabia bem o que ele fora fazer – e alívio por saber que o homem que fora fonte de tantos males para si e para sua irmã estava, finalmente, morto. Quando o jovem Andrieux chegou ao Casarão, encontrou sua esposa sentada encolhida junto a Sarah, que a consolava e tentava animar. Ao verem o moço entrar na sala íntima do segundo andar, ambas sorriram, e Gabi correu para seu amado, praticamente pulando sobre ele.

— Ah, meu Deus! Graças a Deus você está bem! – ela o beijou várias e várias vezes, sorrindo e chorando a um só tempo – eu tive tanto medo... Tanto medo por você... Ah... – Renard tomou o rosto gentil da menina nas mãos e, beijando sua testa com delicadeza, disse:

— Está tudo bem, Gabrielle. Eu estou aqui, com você. Calma. – ele a abraçou – Acabou, meu amor. Ele não vai mais te machucar. Ninguém, nunca mais, vai te machucar. – ele encarou Sarah, que se aproximou e deu um soco no ombro do amigo:

— Idiota! Estávamos preocupadas com você! Gabrielle só não foi procura-lo porque ameacei amarrá-la numa cadeira!

— É bom te ver, também, Sarah – disse ele, passando o braço pelo ombro da cigana. – Obrigado por cuidar de Gabi.

— Obrigado uma banana! – respondeu a moça – se a deixar preocupada assim, de novo, quebro seus dentes com um martelo, e te faço engoli-los um a um, antes de quebrar cada osso do seu corpo, ouviu?

O moço riu e soltou a amiga, abraçando com ainda mais força a esposa, que deitava o rosto em seu peito. Com um olhar que pedia licença a Sarah, carregou sua amada para o quarto de ambos e a sentou no banco da penteadeira, surpreso ao vê-la deixando escapar uma lágrima de alívio. – hey, hey, Gabi... Calma. Estou aqui. – ele a beijou – por que está chorando?

— Estou feliz por ter você de volta – respondeu a moça, doce – tive tanto medo por você! Preferia que fosse eu a estar fazendo isso a...

— Não diga bobagens, abelhinha. – ele a envolveu nos braços – você não é Annika, nem Erik, nem eu. Você é uma mulher maravilhosamente boa, de coração puro e alma gentil. Você nunca cometeria um assassinato frio como tivemos de fazer, nem eu iria permitir que fosse exposta a isto. Veja – ele guiou a pequena mão por seu corpo, para que ela se certificasse de não haver ferimentos – nenhum arranhão. Sei o que faço. Tenho prática nisso – por Deus, como Gabrielle, a doce e tímida Gabrielle, podia amá-lo, mesmo sabendo ser ele um assassino e chefe de marginais?!

— Prometa que nunca me deixará, Renard. Prometa que sempre voltará para mim. – pediu ela, com olhos apaixonados.

Segurando a mão de sua esposa contra o próprio coração, ele a envolveu pela cintura com o braço livre e respondeu:

— Eu prometo. Não importa onde você esteja, nem aonde eu tenha de ir: eu sempre vou te encontrar. Eu sempre voltarei para você. Eu sou seu, e você é minha, Gabrielle, e qualquer um que tentar se colocar entre nós será um homem morto.

Ela o fitou com mais paixão ainda, tomou o rosto masculino entre as mãos e declarou, com profunda sinceridade:

— Eu te amo, raposa! – seus lábios se selaram, e ele a envolveu num abraço cheio de amor. Já não saberia mais viver sem sua pequena fada.

— Também te amo, Gabrielle. – sussurrou ele. Quando fora que a pequena abelhinha deixara de ser, para ele, a menininha irmã de Annika, e se tornara a mulher a quem amava tão loucamente?

*

As duas irmãs se abraçaram com força; Gabrielle enterrou o rosto no pescoço de Annika, que afagou seus cabelos, apertando-a com força:

— Está tudo bem, abelhinha. Agora acabou. Acabou. – o tom de voz das duas mostrava que poderiam chorar a qualquer momento, mas não de tristeza, e sim, de alegria. Mas não o fizeram. Afinal, nenhuma das duas era fraca, e não iam derramar lágrimas agora, quando enfim haviam vencido outro desafio!

Quando as moças se afastaram, foi a vez de Madame Giry e Meg as abraçarem. Embora geralmente se opusessem aos assassinatos de Erik, concordavam que fora necessário, sim, pôr fim àquele maldito Sr. Anjou. A morte dele surgira nos jornais, como sendo culpa da tuberculose, e nenhuma suspeita de assassinato fora levantada. Sim, estavam livres, enfim!

Annika pegou Carol do colo de Erik, enquanto Selly dormia no de Renard; Alain, como sempre, estava correndo por perto dos adultos, na companhia de outro garotinho de sua idade, também uma das crianças do teatro. Os seis adultos trocaram sorrisos cúmplices, felizes que tudo aquilo houvesse acabado, e Annie resolveu dar sua feliz notícia:

— Já que as más notícias acabaram, tenho uma boa-nova a contar: recebi as permissões para que se inicie o funcionamento da escola! – Um novo ânimo pareceu se instalar entre todos, e Renard perguntou, empolgado:

— Quando abrimos as portas?!

— Bem, temos os professores para as matérias obrigatórias de um colégio, e temos os professores de arte, música, dança e teatro. Algumas mães e pais já nos procuraram para matricular seus filhos, especialmente os do teatro e... E há crianças que tomaremos sob nossa guarda, em regime de internato. As aulas se iniciam em um mês, com o começo do semestre, mas já começaremos a alocar os pequenos que residirão conosco.

— Residirão? – perguntou Renard, surpreso, e olhou para o Fantasma – Ela te convenceu, enfim?

Erik riu e anuiu:

— Você sabe bem o quão persuasiva Annika pode ser... – e abaixando-se depressa, interceptou a corrida de Alain, levantando-o de cabeça para baixo, o que fez o pequeno dar gargalhadas. Rindo, botou o menino no chão, e logo este voltara a correr com o amigo de brincadeiras – de qualquer modo, estou começando a gostar da ideia.

Gabrielle olhou acusadoramente para a irmã:

— Que feitiçaria foi essa?

— Meus encantos pessoais – brincou a mais velha, adotando ar de mistério, o que fez todos rirem.

— E Meg e Madame Giry? Estão nessa, também?

— Ah, é claro! – respondeu a viúva - Meg será professora de balé, e eu tenho ajudado com cada segundo da administração.

— E você, Annie? – perguntou Renard – vai ser professora de que? Luta livre? Arremesso com facas? – e gargalhou. A moça olhou para seu marido, pôs o bebê no colo dele, tirou Selly do colo do ruivo, entregando-a a Meg e, como se ainda fosse uma garota de rua, deu uma gravata no amigo, exigindo:

— Retire o que disse, ou desmaio você. – Madame Giry ria e esbravejava, exigindo que Annika agisse como uma dama, o que só causava mais risos e fazia a mulher apertar mais o pescoço do amigo.

— Está bem, está bem, eu retiro! – e quando ela o soltou, rindo – Erik, você sabe que não se pode sair por aí com animais ferozes. Devia pôr Annika numa coleira! – um par de sapatos voou no ruivo: um pé vindo de Annika, e o outro, de Gabrielle – ah, o que é isso, Gabi? Até você?

— Psiu! – censurou Meg – vão acabar acordando as meninas. Brincaram tanto que estão exaustas!

As brincadeiras dos adultos se aquietaram, e sentaram-se juntos nos bancos do refeitório vazio do teatro, enquanto Annie informava:

— Eu serei a coordenadora do lugar, raposa. E professora de piano.

— Ufa, ainda bem que não será professora de etiqueta. – riu-se o jovem, baixinho para não apanhar novamente.

— Mas Sarah vai dar aulas de dança cigana para as meninas interessadas, e já permiti a ela que ensine arremesso de faca. É claro que estas não são matérias presentes na grade curricular, ou jamais liberariam a abertura da escola. – riu-se Annika. Erik revirou os olhos, como se dissesse “que se há de fazer com ela”. – e consegui convencer Erik a fazer aparições esporádicas! Ocasionalmente, irá ele mesmo ministrar as aulas de canto.

Aquilo deixou Gabrielle e Renard boquiabertos, e o Fantasma começou a se incomodar:

— Fechem a boca, antes que uma mosca entre nelas. – nesse instante, Jean entrou na sala onde o grupo se reunia, e provocou:

— Veja bem, Annie: você pode usar o Fantasma para garantir o bom comportamento das crianças. Quem estiver fora da cama depois da hora, será torturado por ele. Ou talvez, cozido numa panela gigante...

— Jean, seu monstro! – censurou Meg, jogando uma sapatilha no noivo, que deixou escapar um “ai” e, pegando o objeto no chão, perguntou incrédulo:

— Até você, Meg? O que é isso, Annika ensinou todas vocês?

— Você mereceu. – disse a moça, pegando a sapatilha de volta e a vestindo. Em seguida sorriu e deu um beijo em seu noivo, abraçando-o.

— O que faz aqui tão cedo, Jean? – perguntou Madame Giry, surpresa em ver o trabalhador rapaz fora de seu posto, ainda no meio da tarde.

— Queria estar com Meg para anunciar aquilo que conversamos com Madame. – e ante o sorriso de aprovação da senhora, dirigiu-se aos outros – Meg e eu vamos nos casar em três meses!

Todos comemoraram e deram felicitações ao casal, radiantes com a união próxima de ambos. Um bom acontecimento, para apagar os maus momentos recém-terminados!

— E onde será? – perguntou Gabrielle, curiosa.

— Eu nasci e cresci neste teatro... – disse a jovem bailarina – gostaria que nosso casamento também fosse aqui, na capela da Ópera. – ela sorriu, abraçando o braço de Jean – com todos os nossos verdadeiros amigos presentes.

Os que estavam na sala de imediato confirmaram que tomariam parte, e Gabrielle correu em se juntar à amiga para fazerem planos. Enquanto as moças se juntavam, felizes e falando sem parar, os homem congratulavam Jean e faziam piadinhas às custas do loiro. Todos estavam felizes, e havia inúmeras vitórias a serem comemoradas. A vida podia ser melhor do estava?

*

Um mês depois

Annika percorreu pela centésima vez todos os quartos, certificando-se de que os dormitórios estavam prontos. Testou cada lanterna a gás e a óleo, abriu e fechou cada janela, percorreu dezenas de vezes os corredores, à cata das mínimas falhas; só parou quando Meg, Erik e Gabi se cansaram de vê-la naquele frenesi, e a obrigaram a se sentar.

— Por Deus, Annika, até eu estou ficando tonta com toda a sua correria! – exclamou a irmã mais nova – relaxe! Está tudo pronto, e arranjado! Agora é só esperar até amanhã!

— Eu sei, Gabrielle, mas não consigo parar! Tudo tem que estar perfeito, amanhã, e... – Erik tapou a boca da esposa com uma das mãos e falou, sério:

— jà chega, Annie. Gabrielle tem razão. Tudo tem que estar perfeito amanhã, inclusive sua disposição. O lugar está impecável, e só nos resta ir para casa, descansar e aguardar o dia seguinte.

Ela baixou os olhos, torcendo as mãos nervosamente, e Erik entendia bem a ansiedade de sua amada: haviam sido tantos meses dedicados àquela obra, tantos planos feitos, tanto trabalho... Era compreensível o nervosismo dela em ver aquela obra finalmente pronta. O mesmo nervosismo que acometia o Fantasma sempre que concluía uma obra, e a enviava para ser apresentada, embora ele não ficasse andando pela casa quase até abrir uma vala no chão, de tanto passar pelo mesmo caminho.

— Acho que alguém não tem dormido bem – arriscou Meg – está com cara cansada, Annika.

— Não consigo pensar em nada que não seja o primeiro dia. – confessou a mulher – ficarei bem depois que tudo tiver corrido perfeitamente, amanhã.

— E vai. – assegurou Gabi, firme e feliz – nós conseguimos, Annika. Não importa o que tenha ocorrido no passado, não podem mais nos tirar nossas vitórias. Está feito. Agora, a escola é um fato.

As irmãs trocaram sorrisos cúmplices e abraçaram-se com força, compartilhando aquela emoção que, por mais que compartilhassem com os demais, no fundo era apenas delas. Apenas delas, porque nenhum dos outros poderia sentir na própria pele aquilo que elas haviam sentido, a necessidade dos sonhos, mesmo quando eram absurdos, e a felicidade indescritível de ver um desses sonhos, enfim, realizado.

— Vamos voltar para casa, e amanhã bem cedo estaremos todos aqui, para começar as aulas. – declarou Gabi.

— E hoje, você precisa dormir, Annika. E não se esqueça de que você está amamentando: todo esse nervosismo vai acabar fazendo mal para as meninas.

Com um suspiro, a moça concordou em, finalmente, deixar o prédio do internato. Voltaram todos juntos ao teatro, e a mulher mais velha foi buscar seus filhos, que haviam ficado com Madame Giry. As meninas, com oito meses de vida, estavam sentadas juntas sobre um tapete multicor na sala da “vovó Giry”, e brincavam com formas geométricas pintadas com várias cores, instrumentos entalhados em madeira e chocalhos coloridos. As duas se alegraram em ver a mãe, e Alain, que estava sentado com a avó, ouvindo uma história, praticamente pulou no colo de Annika. Ah, só aqueles pequenos para conseguirem acalmar seu nervosismo!

— Minha criança! – exclamou a professora de balé, dando um beijo no rosto da jovem – e então? Como foi?

— Perfeito, Madame. Acho que vou chorar, amanhã, quando vir os quartos cheios de crianças, as aulas se iniciando...

— Tenho certeza de que irá. E não tenha vergonha de expressar sua alegria, porque ninguém no mundo a merece tanto quanto você. Fez por merecer toda felicidade que a vida lhe dê, minha menina.

— Eu concordo com ela –a voz de Erik soou carinhosa, à porta da sala, e Alain correu até o mascarado, gritando feliz:

— Papai! – sem cerimônias, o garotinho escalou o pai até subir em seus ombros, o que sempre arrancava gargalhadas do músico:

— Oi, meu diabinho. Comportou-se, ou estava enlouquecendo sua avó?

— Eu me comportei, papai.

— No dia em que você se comportar de verdade, essa Ópera vai desabar. – riu o homem, pondo o pequeno no chão – ele deu muito trabalho, Anntoinette?

— Nenhum! É uma criança doce e tranquila! Ah, se Meg houvesse sido tão calma e fácil de lidar...

— Ainda falamos de Alain? – brincou o Fantasma, vendo o filho se sentar junto às irmãs, que engatinharam para cima dele, brincando. – Seja gentil, filho. Elas ainda não têm idade para acompanhar sua força, ao brincar.

— Eu sei, papai.

Annika se sentou ao lado das crianças, que subiram todas em seu colo, aninhando-se nos braços da pianista, que sorriu e declarou:

— Temos de ir para casa, crianças. Amanhã é um dia importante!

Com as palavras da mãe, o menino se levantou, enquanto a moça levantava as filhas nos braços. Erik pegou Carol, enquanto Selly se agarrava ao vestido da mãe. Madame Giry não pôde se impedir de dar um lindo sorriso ao fitar a cena daquela família tão linda, completa e cheia de alegria, apesar de tudo o que já haviam enfrentado. Vendo-a quase sonhadora, Annie perguntou:

— O que foi, Madame?

— Apenas vendo uma cena linda, e que nunca tinha imaginado que veria. – declarou a viúva – fico tão feliz por vocês!

— Devemos muito à senhora. – Annie sorriu para Erik – teríamos matado um ao outro, sem ajuda.

— Provavelmente – riu a senhora – vão para casa, e descansem: amanhã será um grande dia.

— Certamente. – o casal se despediu com um abraço de sua amiga e protetora, antes de adentrar uma das tantas passagens secretas que conduziam ao seu lar.

Mais tarde, com os pequenos já dormindo, Erik se aproximou de Annika, que lia distraidamente no leito, e acariciou o braço exposto pela camisola branca, antes de depositar um beijo no rosto dela.

— Olá, meu amor – suspirou ela, num sorriso, numa carícia no rosto de seu esposo.

— Você é perfeita, sabia disso?

— Você é suspeito para dizer, sabia disso? – ela beijou seu amado – estou tão tensa... E se algo der errado? Quero dizer... Parece perfeito demais para correr sem nenhum problema... – ela olhou para baixo – nada de bom ocorreu sem algum problema, antes.

— Então, fique sossegada: mais problemas do que houve, enquanto essa escola era construída? Veja bem: a gravidez complicada das meninas, as investidas de seu pai, toda a burocracia que você enfrentou... Certamente não foi um período tranquilo. Se algo tinha de dar errado, já deu.

Ela sorriu e abraçou o músico, que se deitou puxando-a contra o peito, feliz, acariciando os longos cabelos cor de trigo:

— Vai ficar tudo bem, meu amor. Amanhã, seu sonho vai se concretizar, e nada dará errado.

— Promete? – perguntou ela, acariciando o peito nu dele. Ah, como era delicioso o perfume do corpo de Erik!

— Prometo. – os brilhantes olhos dourados capturaram os azuis dela, e trocaram um beijo apaixonado. Tudo estava bem, enfim.