Eu já não aguentava mais aquilo! Annika estava na sala de parto há horas, e eu não havia recebido notícias! Em verdade, não ouvira absolutamente nada! Nem um grito, nenhum choro de criança... Gabrielle, Meg e Madame Giry estavam lá dentro, com ela, mas ninguém viera me dizer coisa alguma. Mais um pouco, e eu arrombaria aquela maldita porta com o ombro, para saber como estava minha esposa!

Para piorar meu desespero, de repente ouvi o primeiro som desde que Annie entrara naquela sala, já em trabalho de parto: um grito feminino, abafado, de dor. Era minha amada quem gritava e aquilo me fez saltar da cadeira outra vez; empurrei a porta, mas não pude entrar, uma vez que Antoinette vinha saindo. Ao me ver, ela rapidamente empurrou-me para longe da porta, e falou:

— Está correndo tudo bem. Vim aqui dar notícias, antes que você arrombasse a porta. O bebê vai nascer a qualquer segundo, e virei chama-lo quando puder ver seu filho e esposa. Mas precisa ficar tranquilo: seu desespero não vai ajudar Annika.

— Como ela está? – perguntei, em desespero, impedido apenas pelo carinho que tinha por Antoinette de empurrá-la para o lado e entrar à força.

— Cansada, mas bem. Seu corpo é forte, e está aguentando muito bem. Logo, logo, vai ter seu filho ou filha nos braços. Mas eu tenho de voltar para lá, então, trate de ficar sossegado, e não arrombar a porta! – como ela havia, mesmo, sabido o que eu estava a ponto de fazer?! Com a preocupação a me apertar o coração, sentei-me outra vez, ansioso e sentindo-me horrivelmente impotente. Annika estava naquele quarto, sentindo dores, provavelmente com medo, e eu não podia fazer NADA! Não podia segurar sua mão, dizer-lhe palavras de conforto... Ah, com mil demônios! Quanto tempo aquilo duraria?!

Já não tinha nenhuma noção de tempo, perdido naquele mar de preocupação, ansiedade, irritação e desespero quando, de repente, um novo som veio me arrancar daquele estupor: o choro agudo de um recém-nascido! Saltei da cadeira mais uma vez, sabendo o que aquilo significara: meu filho, ou filha, havia nascido, e a força de seu choro não podia vir de uma criança doente! Eu precisava ver aquele bebê, pegá-lo no colo! Queria conhecer meu filho! Precisava saber como estava Annie, e falar com ela!

Mas os minutos se passaram, o choro se acalmou, e nada acontecia; a porta não se abria, ninguém vinha me dar notícias! O que estava acontecendo lá dentro?! Frustrado, praguejando mentalmente contra Madame Giry, Gabrielle, Meg, o médico e as enfermeiras, bati na parede com os punhos, deixando escapar um som que deve ter soado próximo a um rosnado. Foi uma idiotice, eu sei, pois a parede não sentiu nada, enquanto minhas mãos ficaram latejando; mas a dor serviu como válvula de escape, e apeguei-me a ela para tentar esvaziar a mente. Totalmente inútil. Não há como não pensar, nessas horas. Por Deus, seria tão difícil, assim, virem me dar notícias? As piores hipóteses passavam por minha cabeça: e se Annika não houvesse resistido? E se o bebê houvesse sufocado? Teriam feito uma cesariana, e minha esposa não aguentara? EU PRECISAVA SABER!

Depois do que pareceu uma eternidade, ouvi outra vez o choro do bebê; mas o que estavam fazendo lá dentro?!!! Teria meu filho nascido com algum problema? Eu queria – não, eu EXIGIA – ver meu filho e minha esposa AGORA MESMO! Encaminhei-me para a porta e, pela segunda vez, esta se abriu antes que eu batesse. Desta vez, era Meg quem saía, carregando nos braços uma coisinha miúda e cor-de-rosa que chupava a própria mão. Os cabelos eram louros, mas não claros como os de Annika... Eram mais escuros, como ouro puro. Os olhos estavam fechados, mas o rostinho pequeno já mostrava alguns traços similares aos da mãe, e outros parecidos comigo! De imediato, todo o turbilhão de emoções anterior desapareceu como poeira a vento. O bebê era lindo! Lindo e perfeito! Preocupei-me com a pequena mancha mais clara sobre o olho direito, mas era tão discreta que não seria um problema, quando crescesse. Meg me entregou aquela criaturinha frágil, que cabia tão folgadamente no meu colo, e disse:

— É uma menina. – e com delicadeza, puxou-me para dentro do quarto. A primeira coisa que vi, para minha perplexidade, foi outro bebê, nos braços de minha esposa, mamando. Mas o que era aquilo?! Eu estava vendo dobrado?! Olhei para Annika, e então para o bebê em meus braços, e de novo para minha esposa, começando a entender a situação. Gêmeas!

Minha expressão deve ter sido de confusão, pois Annika deu uma gargalhada – fraca, devido ao cansaço, mas não menos divertida – e falou:

— Você tem duas filhas lindas, meu Fantasma. Venha conhecer sua caçulinha!

Encantado, sentei-me com cuidado junto a minha mulher, tentando mover a cama o mínimo possível. Ela acariciou o rosto do bebê em meus braços e, depois, levou minha mão até a menininha que mamava vorazmente. Minhas mãos estavam trêmulas de emoção: agora que o desespero por Annika passara, toda a força do momento me atingia de uma só vez! Eram minhas filhas. Filhas de minha amada, de nosso amor! Lindas, frágeis, pequeninas, e idênticas até mesmo na manchinha sobre o olho. Perfeitas... Nossas filhas...

Senti algo escorrendo por meu rosto, que minha musa acariciou com a mão livre, secando a lágrima que escorreu sem que percebesse. Não sei dizer o que sentia – emoções não são meu forte – mas era algo tão intenso! Uma feroz vontade de proteger Annika e aquelas duas garotinhas, de matar quem quer que ousasse olhar para elas com maldade! Um misto de ternura, proteção, carinho... Minhas filhas despertavam em mim o mesmo sentimento que Alain despertara, tantos meses atrás! Agora, segurando-as no colo, ouvindo seus débeis gemidos, acariciando as peles tão finas e macias quanto um pêssego... Como podiam ser, mesmo, minhas filhas? Elas eram perfeitas! Perfeitas e maravilhosas!

Aconcheguei contra o peito a mais velha, que já mamara, enquanto minha esposa amamentava a mais nova. Minha filha gemeu e aconchegou contra mim, o que me trouxe enorme sensação de culpa: quando soubera que Annika corria risco de morrer, e à medida que ela fora enfraquecendo com a gestação, eu chegara a odiar a criança em seu ventre, e desejar sua morte, por culpar o bebê pela situação de minha mulher. Agora, eu não conseguia mais compreender como pudera ter tão horríveis pensamentos... Aquelas eram nossas filhas! O pequeno milagre que havíamos criado juntos, mais uma alegria para vir completar nossas vidas! Abaixei o rosto para perto do bebê, e sussurrei ao seu ouvido, mesmo sabendo que ainda não podia me entender:

— Eu juro que nunca vou deixar nenhum mal acontecer com você, ou com sua irmã. Eu amo vocês, minha filhas.

POV Narrador

Depois de as duas filhas estarem amamentadas e dormindo, Annika manifestou o desejo de tomar um banho. Uma das enfermeiras se opôs, mas o Dr. François, que vinha entrando no quarto, interveio:

— Isso é só uma superstição tola, senhorita Maison, e não devia passa-la adiante às pacientes. É claro que Madame Destler deve se banhar: está suja de sangue e suor. Não há nada que a impeça de se banhar normalmente. Trate de ajuda-la, por favor. É para isso, afinal, que temos banheiras no hospital.

Enquanto a enfermeira, ruborizada pela censura, ajudava Annika a ir se banhar, seguida por Meg e Gabrielle, o Dr. François se aproximou de Erik – Madame Giry levara as duas meninas, banhadas e vestidas, para o quarto onde ficaria sua mãe – e falou em voz baixa:

— Senhor Destler, sua esposa está muito bem. Ela é incrivelmente forte e saudável, mas serei sincero com o senhor: não seria aconselhável arriscar outra gravidez. Ela emagreceu e enfraqueceu bastante, o parto foi bastante difícil, e uma segunda gestação tem grande chance de mata-la.

— E o que devemos fazer, Doutor? Se é o caso, ela não deve engravidar outra vez.

— Há medicações que podem esterilizar uma mulher. Vou recomendá-lo a um boticário de minha confiança, que dará a ela os remédios certos. Mas espere que ela se recupere primeiro. Descanso, boa alimentação, apoio e cuidado, e ela voltará a ser a mesma de sempre.

— Repouso? Se eu tentar segurá-la na cama mais um pouco, vou ser esfaqueado por minha esposa! Isso sem contar os vasos e facas que ela vai arremessar em mim! O senhor a conhece, doutor! – riu-se Erik. O médico, já conhecendo bem o gênio de Annika, também riu, sabendo que era bem possível ela fazer o que o Sr. Destler dissera.

— Bem, basta segurar um pouco o ímpeto dela. Não é repouso absoluto, mas não a deixe trabalhar do modo como sei que tentará. De qualquer modo, vou fazê-la dormir aqui hoje, para ficar em observação; amanhã, se não houver nenhum sintoma anormal ou hemorragia, poderá leva-la para casa.

— Obrigado, doutor. – o Fantasma foi até a sala de banho, onde Meg e Gabrielle ajudavam Annika a vestir a camisola. A moça tinha um ar de felicidade inigualável, não obstante a aparência abatida de quem passara a últimas quinze horas em trabalho de parto. Erik sorriu para ela e falou:

— As meninas estão bem. Você vai ficar aqui mais uma noite, apenas por precaução, e amanhã iremos para casa.

— Ah, isso é um alívio! – suspirou a mulher, terminando de ajeitar a camisola no corpo. Sem se preocupar com o que a enfermeira diria, o músico levantou sua esposa nos braços, fazendo-a rir.

— Vamos para o quarto, Madame Destler? Suas filhas a aguardam!

A enfermeira pensou em protestar, dizer que levaria Annika com a cadeira de rodas, mas percebeu que seria inútil. Impossível dizer qual dos dois era mais teimoso, ali...

*

Mais tarde, já sozinhos no quarto, após Madame Giry, Meg e Gabi terem ido embora – Alain, com quase dois anos de idade, estava se divertindo muito em ficar com os Garotos do Beco, que faziam todas as suas vontades – o casal pôde contemplar melhor suas filhas. Gêmeas idênticas até o último fio de cabelo, igualmente lindas e perfeitas. Haviam surpreendido os pais ao abrirem os olhos, revelando nestes o mesmo tom dourado que havia nos do pai, que sorrira com orgulho.

— Elas são lindas. – Disse Erik, debruçado na borda do berço, antes de beijar os lábios de sua mulher – como a mãe.

— Como o pai – respondeu a mulher, acariciando o rosto de seu amado. Seu corpo estava terrivelmente dolorido, mas ela nunca fora tão feliz! – Obrigada, meu amor.

— Pelo quê?! – espantou-se o artista.

— Por tudo. Por ser meu esposo, por ter-me dado Alain e, agora, as meninas... Por ter entrado em minha vida.

— Estamos quites – disse ele, ao ouvido dela – Não tenho palavras para descrever o que você representa em minha vida... Como um farol guiando um navio perdido em alto mar. Uma estrela brilhante mostrando o caminho a seguir... O primeiro Sol de primavera, após o frio do inverno. Eu te amo, Annika Destler.

A resposta da moça foi um beijo profundo e demorado, com o qual ambos se deleitaram por longos segundos. Separaram-se com sorrisos, e Annie se debruçou sobre o berço das filhas:

— Havíamos escolhido apenas um nome, se fosse uma menina... Agora precisamos escolher mais um.

Erik sorriu e se debruçou junto à esposa. Uma das meninas – a mais nova - era calma, silenciosa, tranquila... Sim, àquela dariam o nome escolhido antes:

— Selene. A lua serena que faz sua jornada pelos céus, perfeita e inatingível. – declarou o Fantasma, acariciando a caçula. A mais velha, atenta a tudo e briguenta, que sequer se deixara enrolar por faixas, gritando quando a enfermeira tentara, agora fitava o pai e a mãe com seus olhos dourados, parecendo muito ciente do que ocorria em volta.

— Caroline. – disse Annika – minha pequena guerreira. – Erik sorriu, aprovando o nome, e brincou:

— Quero ver é descobrirmos quem é quem.

— Basta ver qual delas está brigando com os cobertores – riu a jovem mãe, pegando Caroline no colo e acalentando-a – pare de brigar, pequenina. Mamãe está aqui. Papai está aqui. Você está protegida. – e calmamente, começou a cantarolar uma canção sem letra para a filha. Erik tirou Selene do berço e pôs-se a niná-la, também. Foi só quando Annika, exausta pelo parto, enfim adormeceu, que ele pegou ambas as filhas e as deitou no berço. Também as meninas haviam dormido, e por longos minutos ele ficou ali, contemplando-as em deleite. A felicidade era plena.