— Isso, querido! – sorriu Annika, quando Alain segurou as cordas do balanço com as mãozinhas roliças – segure firme. – delicadamente, ela começou a balançar o menino no brinquedo que Erik fizera para as crianças. O menino ria e, com as palavras vacilantes de uma criança pequena, pediu:

— Mais, mamãe!

— Há, nem pensar, mocinho! – riu-se Annie – seu pai ficaria muito bravo se você caísse. – ela o pegou no colo e sentou-se com ele no balanço, aumentando a força das oscilações – divertido?

O bebê riu e bateu palmas, feliz com o vento que batia em seu rosto e com a sensação de ir e vir do balanço. O jardim era o lugar de brincadeiras preferido do pequeno, depois do casarão dos Garotos do Beco, é claro.

Gabrielle apareceu à porta que dava para o jardim e, apoiando-se no batente, cruzou os braços com um sorriso ao fitar a irmã. As meninas estavam dormindo, de modo que a moça descera para ver Annika brincando com seu sobrinho; era uma cena linda e maravilhosa de ver. Nunca imaginara que veria Annie daquele modo, tão feliz... Na verdade, momentos como aquele apagavam as memórias que tinha da pior parte de sua infância; porém, faziam-na lembrar-se de outros. Ela se lembrava de como Annika sempre procurava sorrir e brincar, mesmo depois de ser espancada ou abusada. Lembrava como a irmã trazia livros para lerem escondidas, como roubava doces de janelas e vitrines, apenas para agradá-la, ou inventava brincadeiras e histórias, para fazer a mais nova continuar acreditando em milagres, magia... Contra todas as possibilidades, Annika conseguira dar à irmã várias lembranças de alegria, em meio às de dor. Ela não pensava que sua própria mãe teria tido tanta força e tanto desapego.

Saindo para o jardim, a garota sentiu o perfume das flores que a cercavam enquanto caminhava; a grama acariciava seus pés descalços e a luz do sol matinal a banhava gentilmente. Annika parou o balanço e fitou a irmã, perguntando jovialmente:

— Quer se balançar com Alain, abelhinha?

— É claro! – a mais nova pegou o sobrinho no colo e tomou o lugar da irmã no balanço. Sentindo o sol suave em sua pele, a pianista se estendeu languidamente sobre a grama macia, como uma gata manhosa. Subitamente, uma voz masculina as surpreendeu:

— Eu poderia ficar admirando esta visão pela eternidade.

As duas mulheres se voltaram para a porta, onde Erik se postava com aquele meio-sorriso que demonstrava sua serenidade e contentamento. Quando as duas mulheres vieram para junto dele, envolveu-as num abraço, e beijou os lábios de sua esposa ternamente.

— Papai! – chamou Alain, praticamente se jogando do colo de Gabrielle para o do Fantasma, que riu e pegou o filho no colo:

— Bom dia, meu diabinho.

— Erik! – protestou Annika – já falei para não chama-lo assim!

— Quer que eu o chame de que? Anjinho? – ele se voltou para Gabrielle – foi ela quem criou o apelido!

Gabi ficou vermelha e riu, brincando com Alain:

— Mostre o diabinho para a mamãe, Alain! – o bebê colocou as mãos na cabeça, apenas os indicadores levantados, imitando pequenos chifres. Erik riu, e Annika tentou fingir zanga, sem conseguir.

— Ah, vocês são dois monstros – censurou a jovem mãe, com divertimento na voz, beijando seu bebê – ele é um anjinho, isso sim!

— Um anjinho que derrubou toda a louça sobre a mesa, puxando a toalha – riu Gabi. – você nunca foi tão paciente comigo!

— Ah, eu era jovem demais, e você adorava me provocar. – defendeu-se a mais velha. O Fantasma viu-se obrigado a intervir:

— Calma, senhoras! Sem brigas, ou daqui a pouco estarão rolando pela grama, outra vez – ele se lembrava bem da última vez em que Annika e Gabrielle haviam brincado de lutar... A brincadeira delas nunca era delicada. – e terei de colocar cada uma trancada num quarto, de castigo.

— E por falar em quarto – Annika deu um último beijo em Alain e se voltou para a casa – vou ver como estão as meninas. Este silêncio prolongado chega a me assustar – Selene era um bebê tranquilo, mas Caroline teimava em acordar a cada duas horas e, com seu gemidos e gritinhos, acordar a irmã; isso resultava em dois bebês chorando, e elas certamente haviam herdado a potência vocal de Erik. Gabi chegara a colocar uma taça perto delas, enquanto choravam, apostando que o objeto se quebraria, o que lhe rendera bons tapas da parte da irmã.

Felizmente, as gêmeas dormiam muito tranquilas: Selene se virara sobre Carol, e as duas dormiam “abraçadas”. A imagem enterneceu o coração da mãe, que sorriu e ajeitou melhor as meninas, de modo que nenhuma delas ficasse de costas; Selly – como Meg apelidara a caçula – começou a chupar a mão durante o sono, mas a outra dormia como uma pedra, e não acordaria tão cedo. Tranquila, a mulher cobriu delicadamente suas filhas e saiu sem fazer o menor ruído; seu coração estava cheio de luz, e sua mente, de paz.

*

— Como se sente, Madame Destler? – perguntou Erik, deitando-se ao lado da esposa na cama – parece pensativa.

Ela se virou de frente para o marido e, com um sorriso, começou a acariciar o peito nu com as pontas dos dedos; ele era tão bonito! Nunca se cansava de admirá-lo.

— Estou querendo voltar ao teatro, meu amor. – respondeu ela – estou afastada há dez meses, e sinto muita falta de meu trabalho.

— Faz só um mês que você deu à luz, querida...

— Um mês durante o qual não tive um único problema de saúde. – devolveu ela – estou bem, Erik, e nossas filhas também. Preciso voltar a trabalhar. Você sabe como me sinto, em relação à música e ao piano; eu preciso disso. Eu quero fazer isso.

Erik deitou-se de costas, cruzando os braços na nuca, e suspirou: sim, ele sabia muito bem como Annie se sentia. Fora aquela necessidade da música que os aproximara, afinal... Imaginava como, para ela, deviam ter sido difíceis os últimos meses, longe do teatro, e incapacitada mesmo de tocar por muito tempo, antes que as meninas nascessem. Certamente enlouquecedor, mas ele também temia pela saúde de sua amada. E se ela ainda não estivesse totalmente recuperada?

— Tem certeza de que está bem o bastante para isso, Annika? – perguntou ele, apoiando-se num braço para fitá-la.

— Estou. As meninas já têm um mês de vida, posso leva-las comigo. Mas vou enlouquecer se continuar em casa.

Erik esfregou o rosto com as mãos, sabendo que proibir Annika seria o mesmo que não o fazer; ela queria voltar para o teatro, então ela IRIA voltar, com ou sem sua permissão. Uma das coisas que mais amava nela, e que neste momento o perturbava, era exatamente o modo como Annie jamais se comportava como a esposa servil, que atende aos menores caprichos do marido. Não, ela era forte, decidida e cheia de vida. Fazia suas próprias escolhas, e não aceitava que lhe podassem as asas. Que fosse, então! Ele cuidaria dela, para garantir que nada de ruim aconteceria à moça.

— A escolha é sua, meu amor. Faça o que achar certo, e eu a apoiarei.

A mulher sorriu, radiante, e o beijou apaixonadamente. O músico retribuiu, e as carícias trocadas começaram a ficar mais intensas. As mãos da mulher procuraram o cinto de seu parceiro, enquanto suas bocas travavam uma dança lenta e sensual; as mãos dele subiram a camisola dela, ansiosas, desejosas... Há muitas semanas não sentia o corpo de Annika daquele jeito, e agora que ela estava recuperada e protegida contra novas gestações pelos remédios do boticário, bem... Fora ela quem começara aquilo tudo. E era difícil descrever o quão bom era poder voltar a tocá-la, sentir a pele macia e quente em suas mãos, os beijos úmidos dela em sua boca.

Com saudades do toque ardente de seu amado, cheia de desejo e de paixão, Annika continuou a beijá-lo e tocá-lo em carícias provocantes, enquanto as roupas de ambos iam desaparecendo de seus corpos ansiosos por se reunirem mais uma vez. Nada poderia ser mais perfeito do que aquele momento.

*

O retorno de Annika provocara alegria e euforia no teatro. Todos os seus conhecidos queriam abraça-la, falar com ela, ver os bebês; Madame Giry conteve os mais exaltados, e fez com que apenas uns poucos por vez falassem com a moça, para não irritar as crianças. A pianista, porém, parecia extremamente à vontade e feliz, como se voltar àquele lugar fosse tudo o que desejava. Ela apresentara suas pequenas filhas às amigas que não lhe eram próximas o bastante para poderem visita-la em casa, reencontrara amigos e conhecidos, falara com seu maestro, o qual exultara ao ver sua solista preferida de volta, pronta para ensaiar e se apresentar.

Todos, de Meg – que estava eufórica – a Isabelle, aos bailarinos e diretores se encantaram com as pequenas e ajudaram a mãe delas a dispensar-lhes os devidos cuidados, enquanto se inseria outra vez na rotina da Ópera. Não passou por despercebido a todos que as coisas, nos lugares onde estavam Annie, Alain e as gêmeas, pareciam se mexer sozinhas, criar vida... Caixinhas de música que tocavam sozinhas, pequenos guizos que surgiam dependurados sobre o moisés de Carol e Selly, flores deixadas para Annika, brinquedos para Alain. Portas se abriam e fechavam sozinhas, e instrumentos tocavam sem que ninguém os manipulasse. Logo, ao fim do dia, todo o teatro sussurrava que o pai das crianças era o próprio Fantasma da Ópera, mas ninguém ousou falar o que fosse contra a pianista, querida que era por todos. Além disso, se fosse verdade, melhor seria não importunar a companheira do Fantasma.

Mas o melhor de tudo, para a mulher, veio ao entardecer, quando o Sol se punha no horizonte e os músicos foram dispensados de seus estudos, pois mais uma vez a artista pôde, enfim, rever sua amada Casa do Lago! Encontrando-se com seu Anjo nos corredores mais inferiores da Ópera, acompanhou-o em direção ao lar de ambos: hora de apresentar a casa às meninas, e mesmo para Alain, que só fora lá muitos meses atrás, antes de Annika descobrir a gravidez. Ele ia praticamente aos pulos ao lado dos pais, encantado com o que via. Pequenino encantador!

— Mamãe – chamou Alain, quando o barco atracou junto à margem – não tem medo do escuro? – ela sempre se surpreendia com a velocidade de desenvolvimento do pequeno que, prestes a completar dois anos, já falava frases inteiras e era capaz de manter uma conversa!

— Quem lhe disse que há motivo para temer o escuro? – perguntou Annie, acariciando o rosto do bebê.

— Tia Meg tem medo. – respondeu ele, com simplicidade.

— Tia Meg é tola, meu filho – disse o Fantasma, tirando o menino do barco e ajudando Annika a pegar as meninas, que dormiam profundamente. – Não há nada a se temer na escuridão. No escuro há apenas... – sua esposa completou por ele:

— Música.

— Eu gosto de música – falou a criança. Annika sorriu e, deitando as filhas adormecidas no divã, ajoelhou-se de frente para Alain:

— Gosta? – ele anuiu – Então, feche os olhos, e mantenha seus ouvidos bem abertos. Quando voltar a ver, vai enxergar tudo como nós enxergamos. – ela passou os polegares delicadamente sobre os olhos do menino, fechando-os, e começou a cantar:

Music of The Night

Nighttime sharpens, heightens each sensation (a noite aguça e intensifica as sensações)

Darkness turns and wakes imagination (A escuridão revira e desperta a imaginação)

Silently the senses abandon their defenses (Silenciosamente, os sentidos abandonam suas defesas). - Ela beijou a testa de seu filho, e Erik se abaixou ao lado de ambos, pondo a mão no ombro do menino e continuando:

Slowly, gently, night unfurls its splendor (Lenta e gentilmente, a noite revela seu esplendor)

Grasp it, sense it, tremulous and tender (compreenda, sinta, trêmulo e suave)

Turn your face away (Vire seu rosto, então)

from the garish light of day (para longe da fria luz do dia)

turn your thoughts away from cold unfeeling light (esqueça os pensamentos sobre a fria e insensível luz)

and listen to the music of the night (E ouça a música da noite) – O Fantasma se ergueu e acionou o dispositivo que fazia todas as lanternas a gás se acenderem ao mesmo tempo, o que iluminou todo o lugar. Annika sussurrou para que Alain abrisse os olhos, e viu o olhar cinzento do pequeno se encher de encanto ante o jogo de luz e sombras criado na escuridão da caverna. Sorrindo, ergueu-se com ele no colo:

close your eyes and surrender to your darkest dreams (feche os olhos e renda-se a seus sonhos mais obscuros)

Purge your thoughts of the life you knew before (livre-se das memórias de uma vida anterior)

Close your eyes at your spirit start to soar (feche os olhos e deixe se espírito se elevar).

And you'll live as you've never lived before (E viverá como nunca viveu antes).

Alain desceu do colo da mãe para explorar aquelas maravilhas das quais se lembrava muito vagamente, por não ter idade para nelas prestar atenção, quando ali viera. Era tudo familiar e, ao mesmo tempo, completamente novo para o menininho, o que provocou um sorriso em seus pais. Erik, sorrateiro, esgueirou-se para trás de Annie, e continuou, cantando junto ao seu ouvindo, fazendo-a se arrepiar:

Softly, deftly, music shall caress you (Suave, hábil, a música a irá acariciar)

Hear it, feel it, secretly possess you (Ouça, sinta-a possuí-la em segredo)

Open up your mind, let your fantasies unwind (Abra sua mente, deixe voar suas fantasias)

In this darkness that you know you cannot fight (Nesta escuridão contra a qual sabe que não pode lutar.) – a dama juntou sua voz à do esposo:

The darkness of the music of the night (a escuridão da música da noite.)

Erik beijou sua mulher, encantado, e então perguntou, curioso:

— Onde descobriu esta música?

— Você a escreveu; estava junto de suas composições, e quis muito decorá-la. – ela olhou para Alain – ele se parece com você: é curioso, inquieto, quer mexer em tudo e saber como tudo funciona. É inteligente e talentoso, e quando quer algo, não para até conseguir.

— Conheço alguém com essas mesmas características. – disse o músico, beijando-a mais uma vez. Foram interrompidos pelo som de Alain apertando as teclas do órgão, o que acordou Carol e Selly. Erik fez uma cara de desagrado, e declarou – eu distraio o capetinha, você cuida de nossas futuras sopranos.

— Como sabe que serão sopranos? – perguntou a mulher, rindo ao acalmar as filhas.

— Elas já alcançam o agudo perfeito! Isso é um Lá natural, no mínimo! Fazem inveja à Rainha da Noite! – resmungou o pai, tapando os ouvidos com as mãos; como duas criaturas tão pequenas podiam ter um pulmão tão forte?! Seus ouvidos doíam horrivelmente quando elas começavam...

Rindo-se ao ver que algumas coisas jamais mudariam em Erik – ele era e sempre seria aquele resmungão rabugento e mal-humorado que, no fundo, tinha um coração doce – ela conseguiu acalmar as bebês, cantarolando para ambas. Acomodando-as em seu colo – um mês de prática a fizera aprender a segurar as duas ao mesmo tempo – levou-as para o quarto das crianças, que Erik cuidara em isolar acusticamente, de modo que não se podia ouvir o que ocorria lá fora. Que Alain e Erik tocassem o que quisessem, no volume que quisessem, agora, pois a porta fechada lacrava qualquer barulho.

— Tratem de se acostumar, queridas – sussurrou a moça, deitando as filhas no trocador e pegando duas camisolinhas. Como Meg e Isabelle já as haviam banhado, antes de virem para a Casa do Lago, e as fraldas estavam limpas, só precisava trocar as roupas das filhas. Ela o fez cantarolando e conversando com elas, e depois as amamentou, contando sobre a beleza da noite, sobre a música e o brilho das estrelas. Afinal, foi coloca-las no berço. Primeiro Carol, para a qual sussurrou – durma bem, minha pequena princesa das estrelas. – e então Selly – e você também, princesa da Lua.

Foi só quando ouvi os bebês ressonarem que saiu do quarto, estranhando o silêncio na casa: onde estavam Erik e Alain? Ela devia ter levado cerca de uma hora e meia cuidando das meninas... Como eles podiam ter desaparecido?

Curiosa, foi até o quarto, e quase deixou escapar uma gargalhada ante o que viu: o todo-poderoso e orgulhoso Fantasma da Ópera dormia na cama, com Alain ao seu lado. O diabinho, porém, estava bem acordado, brincando com um cavalinho de madeira que o pai lhe fizera. Meneando a cabeça com um sorriso, ela se dirigiu ao filho:

— O que aconteceu aqui?

— Coloquei o papai para dormir. – respondeu o menino, na mais pura inocência.

— Eu percebi. – anuiu a jovem, rindo baixinho. Ia puxando um cobertor para cima de Erik, quando ele despertou, corando ao perceber o que acontecera – Alain colocou você para dormir? – provocou a esposa.

— Eu falo que ele é endiabrado – suspirou o músico, esfregando os olhos, enquanto Alain imitava os chifrinhos, como Gabi lhe ensinara. Annika riu e pegou o menino no colo, dando um beijo em seu esposo, antes – já são nove horas. Vou pôr Alain na cama, e volto... Isso se você estiver acordado. – ela se esquivou ao travesseiro que o marido atirou nela, levando o filho consigo. Erik dera banho na criança e já lhe pusera roupas de dormir, então tudo o que teve de fazer foi deitar o pequeno em sua cama e dar-lhe um beijo de boa-noite; antes mesmo que saísse, ele também caíra no sono.

Com as crianças dormindo, o casal podia, enfim, ficar apenas na companhia um do outro. Conversaram sobre o dia, Erik tocou uma bela música na harpa, cantaram baixinho, brincaram um com o outro. Finalmente, quando a noite já ia alta, banharam-se juntos e foram para o quarto. Erik se deitou de máscara, como às vezes fazia, mas Annika não o permitiu: levando a mão ao objeto, tirou-o delicadamente do rosto de seu amado:

— Não se esconda de mim, meu amor. – sussurrou ela, beijando-o. Ele ainda não se acostumara, e talvez nunca se acostumasse ao modo como ela não apenas não temia, como parecia admirar seu rosto. Que mulher seria aquela?! – Eu te amo.

— Eu também te amo, minha Annika. Para todo o sempre. – respondeu ele, profundamente apaixonado. A vida era, simplesmente, perfeita.