O Babaca, O Idiota e A Briga

A situação estava ficando insuportável. Eu não estava mais aguentando as olhadas e risadinhas do pessoal. Mas eu não imaginava que eles seriam tão cruéis.

― E eu que achava que o "Pe Lanza" era viadinho hein... - disse Fernando, um arrogante garoto da outra classe, mas que também era do terceiro ano.

― Pois é... - falou o amigo dele, Guilherme, da mesma classe - Até ele comeu uma mina.

― Mas eu acho que foi tudo encenação - falou o primeiro garoto - Não é possível que aquele baitola coma uma mina, ainda mais gostosa que nem a Luísa - após terminar a frase eles começaram a me encarar, dando risadinhas maliciosas e mordendo a boca - Eu sim ia saber dar um trato nela.

O que mais me enojava era que eles pararam bem perto de mim, praticamente do meu lado e falavam esses absurdos sobre mim e o Pedro como se eu não estivesse escutando. Falaram essas babaquices de propósito, bem alto, para eu ouvir. E como se não bastasse, depois ainda ficaram me olhando com malícia, como se quisessem me seduzir e me convencer de que eles me "dariam um trato" de verdade.

Eram garotos lindos, mas completos idiotas.

Guilherme era alto, sarado, com o cabelo muito loiro (e natural), olhos verdes, pele queimada do sol, cabelo nos ombros, estilo surfista (esporte que ele realmente praticava). Era um galinha, já até namorou, mas traiu todas as suas namoradas. Sempre me olhou com olhar de cobiça, mas nunca tentou nada comigo, pois ele era "pau mandado" de Fernando, e Fernando não o deixava tentar nada comigo. Eu fiquei sabendo disso por uma amiga minha que estuda na mesma sala dos dois e ouviu uma conversa deles.

Fernando era ainda mais bonito que Guilherme.

Também era sarado e alto, mas era branquinho. Tinha os cabelos e olhos incrivelmente pretos. Os cabelos eram curtos e arrepiados, mantidos para cima com gel. Os olhos penetrantes, daqueles que parecem hipnotizar. Também era um galinha, e, assim como Guilherme, tinha a garota que quisesse. Menos eu. E por isso mesmo ele nunca havia desistido de mim. Certa vez, ele disse para mim: "Você vai ser minha. Nenhuma garota nunca me disse não, porque logo você não me quer? Eu vou te pegar de jeito, você não vai se arrepender". Sim, era nojento. Eu não era que nem as outras garotas. Sou difícil, e exatamente isso atraiu ele. Garotos gostam de desafios, e eu era o perfeito para ele. Mas eu nunca ficaria com um babaca que nem o Fernando. "Logo a 'nerd' vai se entregar pra mim, vocês vão ver" "A 'nerdzinha' já tá no papo, vou ser o primeiro a pegar ela". Essas eram frases dele se referindo a mim. O fato de eu ser "nerd" e de nunca ter ficado com ninguém o deixava ainda mais louco por mim.

Óbvio que ele não ficou me esperando todo esse tempo. Ele ficava com várias garotas, mas sempre que eu aparecia ele ia "investir" em mim para ver se eu ficava com ele.

Uma vez quase rolou. Combinamos (todos nós dos terceiros anos do colégio) de ir a uma balada, logo no início de ano. Eu fui super arrumada, vestindo um tubinho preto, salto (não muito alto, pois eu já era bem alta), cabelo solto, lentes de contato. Eu estava realmente muito bonita.

Fernando já havia me visto na escola, mas nunca havia me reparado, porque eu sou a "nerd", sempre de óculos, e ele só ficava com as garotas que sempre andavam arrumadas, lindas e impecáveis. Quando ele me viu, ficou maluco, dando em cima de mim a todo custo. Eu não fiquei com ele logo de cara pois já sabia da fama dele e porque não sou garota de ficar assim de primeira, mas quase não resisti quando ele veio chegando perto de mim... Aqueles olhos hipnotizantes... Aquela boca linda, toda desenhada cada vez mais perto da minha... Mas quando estávamos quase nos beijando, parei e voltei mais para trás, me afastando dele. Lembrei do quanto ele era idiota e galinha (pois mesmo o conhecendo por pouco tempo na época, eu já notei que ele era um babaca, mas não imaginava o quanto) e que eu queria ter esse momento (o meu primeiro beijo) com o Pedro, eu havia decidido isso desde meus doze, treze anos, por mais que isso parecesse loucura. Ainda bem, valeu à pena. Não me arrependo de forma alguma.

O Fernando ficou insistindo o resto da noite, indignado por eu ter dado para trás no nosso beijo. Mas, quando ele percebeu que não ia rolar nada mesmo, foi ficar com outras garotas. A partir deste dia, durante todas as outras festinhas que rolaram e na escola, ele continuava a investir em mim. Mas ia ficando cada vez mais fácil dar foras nele, pois eu fui vendo o quanto ele era babaca, daqueles que saíam contando pra todo mundo e diminuíam a garota depois que ficavam com ela. As minhas amigas diziam para eu ficar com ele, porque ele era muito lindo e porque se ele estava investindo em mim a tanto tempo ele estava gostando de mim de verdade.

Iludidas.

Será que elas não perceberam que ele só estava tentando há tanto tempo ficar comigo porque eu era a única garota que não quis ficar com ele e que quando ele conseguisse ficar comigo ele iria me esnobar?

Enfim, voltando ao deboche deles na escola:

― Hein Luísa, o que me diz? - continuou Fernando - Garanto que eu te dou um trato bem melhor que esse viadinho.

Eu não queria falar nada para não me rebaixar ao nível dele e para não ficarem me olhando ainda mais do que já estavam, mas eu estava com tanta raiva que já estava quase pulando no pescoço dele.

― Que foi Luli, o gato comeu tua língua? - falou Guilherme com cara de deboche

― Não se mete nisso imbecil - Fernando falou, brigando com Guilherme

Guilherme abaixou a cabeça como um cachorrinho adestrado que acabara de apanhar.

Era um imbecil mesmo. imbecil e covarde.

― Eu não acredito que você deu pra ele e nem um beijinho você deu em mim... - falou Fernando incrédulo - Porra, aquele magrelo, viado e ridículo, e eu aqui, todo todo pra você... O que esse arrombado tem que eu não tenho?

Eu não queria brigar, não queria piorar minha imagem, mas eu nunca deixei falarem mal do meu ídolo, não era agora que eu ia deixar, ainda mais que além de meu ídolo ele era meu namorado. Além disso, eu era "mestre" em dar "cortadas" nas pessoas que mereciam, não ia deixar esse "o que ele tem que eu não tenho?" passar batido.

― O que ele tem que você não tem? - falei incrédula com a pergunta idiota - Tudo serve? - dei uma risadinha irônica - Ele é homem de verdade, não é um moleque que nem você que fica com várias garotas só pra dizer que ficou. Ele não, ele trata bem, ele fala coisas bonitas. E ele é muito mais homem que você. Muito mais homem que você e o idiota do Guilherme juntos. E a prova disso é que eu fiquei com ele, e com você eu não quis nem um beijo. Você é nojento Fernando. Vocês dois são.

Guilherme limitou-se a fazer uma cara de como quem é atacado de surpresa e disse um "Eei, me deixa fora disso."

― Muito mais homem que eu? - perguntou Fernando descrente com o que eu falei - Duvido, impossível. Quantas minas aquele cara já comeu? Garanto que não chega nem na metade das que eu já comi. E aquelas roupas? Aquelas músicas melosas? Aqueles "coraçõesinhos"? Muito viado.

― Se você é um canibal e come pessoas, o problema é seu - retruquei - O Pedro realmente não "come" ninguém. Mas sim, ele já pegou muito mais mulher que você. Só que ao contrário de ti que é um idiota, ele não fica contando vantagem. E, quando por um acaso alguém vê ele com alguma garota, ele sempre a elogia. E sobre as letras das músicas românticas e sobre os "coraçõesinhos", isso não o faz menos homem. Ao contrário. Homem também ama, homem também se apaixona. E as roupas? É o estilo dele, estilo que eu gosto muito por sinal. Não vejo nada demais. A roupa não diz quem e como você é. Desculpa, mas acho que alguém com a sua mentalidade não é homem o suficiente pra entender isso.

― Quer que eu te mostre que eu sou homem? - falou ele bravo, porém dando novamente a risadinha de canto de boca, como quem quer seduzir alguém.

― Tá vendo? - falei - Não é só dessse jeito que você tá pensando que se mostra a masculinidade, O respeito com as mulheres, coisa que você não tem, é o mais importante. Agora chega, eu não vou ficar batendo boca contigo. Você nunca vai entender. Ou vai ter que viver muita coisa e sofrer muito pra um dia entender.

― Tá bom Luísa, mas só uma coisa - falou Fernando, vendo que a coordenadora ia chegar para acabar com a briga - Eu sei que você não sente esse nojo de mim que você tá dizendo. Até porque o jeito que você me olha, principalmente o jeito que você me olhou quando nos vimos pela primeira vez não era de nojo. Você ainda vai ser minha. - depois de dizer isso ele se foi se retirando

― Vai sonhando meu filho! E ah, é claro que eu não tinha nojo de você quando eu te conheci, eu não sabia o quão babaca você era! - falei em um tom bem alto para ele ouvir, e fui me retirando também, puxando meus amigos (que nesta hora estavam perto de mim e falando pra eu parar de discutir, para eu não brigar mais com Fernando) para o sentido oposto que Fernando tomou. Quando a coordenadora viu que a discussão havia terminado, desistiu de falar comigo, mas foi direto na direção de Fernando. Ela me conhecia muito bem e o conhecia muito bem também, ela sabia quem estava certo e quem estava errado.

Algumas pessoas me contaram que ela falou pra ele, em um tombem firme, que era pra ele parar de me perturbar, perguntou se ele já não estava imaginando o quanto eu estava sofrendo com essa história toda e se ele não se sentia mal por piorar as coisas. Além disso, ele ganhou três dias de suspensão pelas expressões que usou e por ter me desrespeitado e ela ainda falaria com os pais dele.

Parece um castigo de criança, mas é isso que um idiota feito o Fernando merece.

Até porque, já não é a primeira vez que ele é suspenso, tanto que ele está perto da expulsão do colégio.

Queira Deus que isso aconteça, muleque nojento, abusado.

Conseguiu tornar pior o que já estava ruim.

Finalmente o sinal bateu, e fomos entrando em direção às nossas respectivas salas.

Todos ainda me encarando, mas não falando nada.

Afinal, mesmo quem não tem respeito por mim, agora tem medo da suspensão e da bronca.