Amor

Capítulo 17


Na noite seguinte

Assunto: Inuyasha?

Inuyasha?

Na manhã seguinte

Assunto: Alarme

Inuyasha?

Inuyashaa?

Inuuu yyyyy aaaa shaaaa??

Inuuuuu yyyyyy aaaaaaaaaaa shaaaaaaaaaaaaaa???

Onze horas depois

Assunto: Encontro

Querida Kag, podemos nos encontrar novamente? Tenho de lhe dizer algo. É importante, eu acho.

Dez minutos depois

Re: “Kanna” está grávida!

Três minutos depois

Fw: Não, Kanna não está grávida. Kanna não tem nada a ver com isso. Você teria um tempinho em algum momento amanhã ou depois de amanhã?

Um minuto depois

Re: Parece dramático! Se for uma boa notícia, que você de repente tem que me trazer em pessoa e com urgência, então: Sim, eu tenho “um tempinho em algum momento”!

Dois minutos depois

Fw: Não é uma boa notícia.

40 segundos depois

Re: Então me adiante por escrito. Mas ainda hoje, por favor! Amanhã eu vou ter um dia difícil. Tenho de dormir pelo menos algumas horas.

Dois minutos depois

Fw: Por favor, Kag, é melhor a gente falar sobre isso com toda a calma nos próximos dias! E agora, não vá quebrar a cabeça, vá para a cama. Certo?

40 segundos depois

Re: Inuyasha, eu gosto de ser poupada. Mas não gosto de adiar o pior. Nem que você adie. Não dessa forma. Não com as palavras “não vá quebrar a cabeça e vá para a cama”. Portanto, diga logo!

30 segundos depois

Fw: Kag, por favor, acredite em mim, o assunto não cabe bem num e-mail de boa-noite. É algo sobre o que temos de falar frente à frente. Somente alguns dias não vão fazer diferença de fato.

50 segundos depois

Re: CIT, FL!!!

(Caro Inuyasha Taisho, fale logo!!!)

Dez minutos depois

Fw: Ok, Kag: Kouga sabe de nós. Ele pelo menos sabia. Foi esse o motivo pelo qual eu me afastei.

Um minuto depois

Re: ??? Inuyasha, que afirmação absurda é essa? O Kouga sabia do quê? O que havia afinal para saber? E como é que você sabe disso? Se alguém tinha de saber isso era eu, acho. Inuyasha, me parece que você está obcecado com uma teoria conspiratória às avessas. Eu peço uma

explicação!!

Três minutos depois

Fw: Kag, por favor, pergunte ao Kouga! POR FAVOR, FALE COM ELE! Não depende de mim esclarecer isso, e sim dele. Eu não sabia que ele nunca tinha contado para você. Eu não podia imaginar isso. Eu me recusei a acreditar. Pensei que você simplesmente não queria falar comigo sobre o assunto. Mas aparentemente você de fato não sabe nada. Até hoje ele não lhe disse nada.

Dois minutos depois

Re: Inuyasha, aos poucos começo a me preocupar com você. Você está com febre? Por onde anda sua cabeça com suas fantasias? Por que cargas-d’água eu falaria com o Kouga sobre você? Como você imagina que seria isso? “Kouga, nós temos que conversar. Inuyasha Taisho diz que você sabe dele, dele e de mim, para ser mais precisa. Quem é Inuyasha Taisho? É o homem que eu mesma nunca havia visto e sobre quem eu nunca lhe falei. Pode ser que você não o conheça de jeito nenhum. Mas agora ele afirma de pés juntos que você sabe dele, que você sabe de nós (...).” Inuyasha, por favor, acalme-se, você está me deixando nervosa!

Um minuto depois

Fw: Ele leu nossos e-mails. E depois me mandou uma mensagem. Ele me pediu para encontra-la de uma vez por todas, para depois deixá-la em paz para sempre. Daí eu aceitei o emprego em Boston. Foi isso, resumindo tudo. Eu preferia ter lhe contado tudo isso cara a cara.

Três minutos depois

Re: Não. Isso não existe. Isso não é coisa do Kouga. Ele nunca faria isso. Diga que não é verdade. Inuyasha, você realmente não sabe o que está causando com isso. Você está mentindo.

Você está destruindo tudo. Isso é uma calúnia monstruosa. O Kouga não merece isso. Por que você está fazendo isso? Por que você está arruinando tudo entre nós? Ou está blefando? É uma piada? Que tipo de piada é essa?

Dois minutos depois

Fw: Querida Kag, não há mais volta. Eu me odeio por isso, mas havia apenas duas possibilidades. Ou minha retirada e silêncio por toda a vida. Ou a verdade. Tarde demais. Imperdoavelmente tarde. Imperdoável, eu sei. Vou lhe enviar o e-mail que Kouga me

mandou há mais de um ano, no dia 17 de junho, logo depois de seu “colapso” nas férias com as crianças no Tirol.

Assunto: Para o Sr. Inuyasha

Prezado Sr. Inuyasha, me custa muito escrever para o senhor. Confesso que me envergonha fazê-lo e, a cada linha, o constrangimento que me aflige fica cada vez maior. Eu sou Kouga Higurashi Wolf e acho que não preciso me apresentar com mais detalhes. Sr. Inuyasha, eu me dirijo ao senhor com um grande pedido. O senhor vai ficar surpreso ou chocado quando eu lhe fizer esse pedido. Em seguida, vou tentar lhe esclarecer os motivos para tanto. Não sou nenhum grande escritor, infelizmente. Mas vou me esforçar para exprimir nesta forma, que me é tão insólita, tudo aquilo que há meses me preocupa, que aos poucos tirou minha vida dos trilhos, minha vida e da minha família, sim, também a vida de minha mulher, algo que posso avaliar corretamente, após todos os anos de nosso harmonioso casamento.

E aí vai o pedido: Sr. Inuyasha, encontre-se com minha mulher! Por favor, faça isso de uma vez, de modo que termine essa assombração! Nós somos pessoas adultas, não tenho que lhe dizer mais nada. Só posso lhe pedir encarecidamente: Encontre-se com ela! Eu estou sofrendo com a minha inferioridade e fraqueza. Sabe como é humilhante para mim formular essas linhas? O senhor, por sua vez, não tem o mínimo constrangimento, Sr. Inuyasha, o senhor não tem por que se recriminar. Sim, e eu, eu também não tenho por que lhe recriminar, infelizmente, infelizmente eu não tenho. Não se pode recriminar um fantasma. O senhor não é palpável, Sr. Inuyasha, não é tangível, o senhor não é real, o senhor é apenas uma imagem fantasmagórica da minha mulher, uma ilusão de felicidade sem fim, de delírio etéreo, de amor utópico, feita de letras. Sou impotente contra isso, só posso esperar até que o destino seja misericordioso e faça do senhor uma pessoa de carne e osso, um homem com contornos, com pontos fortes e fracos, com vulnerabilidades. Somente quando minha mulher puder vê-lo assim, como ela me vê, alguém vulnerável, uma criatura imperfeita, um exemplar das deficiências humanas, somente quando ela lhe encarar frente a frente, a sua superioridade vai se dissipar. Somente aí eu terei a chance de ficar à sua altura, Sr. Inuyasha. Somente aí poderei lutar pela Gome.

"Inuyasha, não me force a abrir o meu álbum de família", minha mulher escreveu para o senhor uma vez. Agora eu, em vez dela, é que me sinto forçado a fazê-lo. Quando nos conhecemos, Gome tinha 23 anos, eu era professor de piano da Academia de Música, 14 anos mais velho do que ela, bem casado, pai de duas crianças adoráveis. Um acidente de trânsito deixou nossa família em ruínas, o menino de 3 anos ficou traumatizado, a menina, bem machucada, eu também fiquei com sequelas permanentes, a mãe dos meus filhos, minha mulher Ayame: morta. Se não tivesse o piano, eu teria ficado destroçado por conta disso. Mas música é vida, enquanto ela soar, nada morre para sempre. Quando se é músico e se toca, vivem-se as lembranças como se elas fossem acontecimentos. Consegui me reerguer por causa dela. E também havia meus alunos e alunas, era uma forma de distração, uma tarefa, um sentido. Sim, e de repente lá estava ela —Gome. Essa mulher jovem, cheia de vida, espirituosa, sapeca, linda, começou a juntar nossos caquinhos, por opção sua, sem nada prometer ou esperar qualquer coisa disso. Pessoas assim extraordinárias são colocadas no mundo para lutar contra a tristeza. Há pouquíssimas delas. Eu não sei como pude merecer: mas de repente ela estava ao meu lado. As crianças correram para ela. E eu também me apaixonei perdidamente.

E ela? Sr. Inuyasha, agora o senhor vai se perguntar: Sim, e Gome? Ela, a estudante de 23 anos, será que ela se apaixonou na mesma medida, justamente por esse Cavaleiro da Triste Figura de quase 40 anos, que na época só tinha seus tons e suas teclas? Essa pergunta eu não consigo responder ao senhor nem a mim mesmo. O quanto disso foi somente por admiração à minha música (à época, eu fazia realmente sucesso, era um pianista consagrado)? Quanto daquilo era pena, solidariedade, vontade de ajudar e a capacidade de estar presente nas horas mais difíceis? O quanto eu a fazia se lembrar do pai, que a havia deixado muito cedo? Em que medida ela havia ficado louca pela doce Kirara ou pela gracinha do pequeno Shippou? O quanto daquilo era a minha própria euforia, que se refletia nela, em que medida ela amava apenas o meu amor desenfreado por ela, e não a mim mesmo? Em que medida ela usufruía da certeza de que eu nunca a decepcionaria por conta de outra mulher, usufruía da minha integridade, minha fidelidade eterna, com que ela poderia sempre contar? Acredite, Sr. Inuyasha, eu nunca ousaria me aproximar dela se não houvesse percebido que ela possuía um monte de sentimentos fortes em relação a mim, como eu em relação a ela. Ela se sentia ligada a mim e às crianças de uma forma ilimitada, queria ser parte de nosso mundo, uma parte importante, uma parte decisiva, uma peça central. Dois anos depois, nós nos casamos. Agora já são oito anos. (Perdoe-me, eu estraguei aqui o seu jogo de esconde-esconde, revelei milhares de segredos: a "Kag" que o senhor conhece tem 34 anos.) Não passei um dia sem me admirar por ter essa jovem beleza vital ao meu lado. E todos os dias esperei, com temor, que isso fosse "acontecer", que aparecesse um cara mais jovem, um de seus inúmeros admiradores e adoradores. E Gome diria: "Kouga, eu me apaixonei por outro homem. Como é que vai ser agora com a gente?" Esse trauma passou. Agora um bem pior se estabeleceu. O senhor, Sr. Inuyasha, o tranquilo "mundo lá fora". Ilusões de amor por e-mail, um crescendo constante de sentimentos, uma saudade crescente, uma paixão inquieta, tudo isso direcionado para um alvo apenas aparentemente real, um grande objetivo, que sempre é adiado. O encontro de todos os encontros, que nunca vai acontecer, porque isso iria além das dimensões da felicidade terrena, a realização plena, sem fim, sem data de vencimento, e que só se pode vivenciar na cabeça. Contra algo assim, eu sou impotente. Sr. Inuyasha, desde que o senhor "existe", Gome se transformou. Ela vive distraída e distante de mim. Fica horas em seu quarto e olha para o computador, para o cosmos de seu idílio. Ela vive em seu "mundo lá fora", ela vive com ele. Se ela sorri radiante, já faz tempo que não é por minha causa. Com muito esforço ela consegue esconder das crianças a sua distração. Eu percebo como ficar muito tempo comigo a deixa aflita. O senhor sabe como isso dói? Tentei superar essa fase com muita tolerância. Gome não deveria jamais se sentir enclausurada por mim. Nunca houve ciúme entre nós. Mas de repente eu não sabia mais em que frente eu poderia atacar. Não havia nada ou ninguém, nenhuma pessoa de verdade, nenhum problema real, nenhum corpo estranho visível até que descobri a raiz de tudo. Eu poderia me enterrar no chão de vergonha por ter ido tão longe: eu espionei o quarto de Gome. E numa gaveta escondida encontrei finalmente uma pasta, uma pasta grossa, cheia de papéis escritos: toda a correspondência por e-mail dela com certo Inuyasha Taisho, tudo impresso direitinho, página por página, mensagem por mensagem. Com as mãos tremendo, copiei esses papéis e consegui deixá-los de lado por algumas semanas. Nós havíamos tido férias terríveis em Portugal. O mais novo ficou doente, a menina se apaixonou perdidamente por um instrutor de esporte. Minha mulher e eu ficamos calados por duas semanas, mas cada um de nós tentava demonstrar que estava tudo em ordem, como sempre esteve, como sempre devia estar, como mandam os costumes. Depois não consegui mais suportar. Levei a pasta quando viajei para passear com as crianças—e num ataque de autodestruição e masoquismo li todos os e-mails numa noite. Desde a morte da minha primeira mulher eu não havia passado por um tormento tão grande, pode acreditar. Quando terminei a leitura, não consegui mais levantar da cama. Minha filha chamou a emergência e me levaram para o hospital. Minha mulher me trouxe de lá para casa anteontem. Agora o senhor sabe a história toda.

Sr. Inuyasha, por favor, encontre-se com Gome! Eu agora cheguei ao cúmulo da humilhação: sim, encontre-se com ela, passe uma noite com ela, faça sexo com ela! Eu sei que vocês querem. Eu "permito" isso a vocês. O senhor tem carta branca, eu lhe poupo aqui de quaisquer escrúpulos, não encaro isso como traição. Percebo que Gome não procura apenas a proximidade mental com o senhor, mas também a física, ela quer "conhecer", acredita que precisa disso, ela anseia por isso. É um desejo irresistível da novidade, da mudança, que eu não posso oferecer a ela. Tantos homens admiraram e adoraram Gome, aparentemente ela nunca se sentiu atraída sexualmente por nenhum deles. E aí eu vejo os e-mails que ela lhe escreveu. E de repente percebo quão grande seu desejo pode ser, quando ele é provocado pela "pessoa certa". O senhor, Sr. Inuyasha, é o escolhido dela. E eu quase que desejo isto a mim mesmo: Faça sexo com ela. UMA VEZ (optei por enfáticas letras maiúsculas, como minha mulher faz.) UMA VEZ, SOMENTE UMA VEZ! Permita que seja esse o fim de sua paixão construída com palavras. Fixe aí o ponto final. Coroe a sua correspondência por e-mail— e dê um basta a ela em seguida. Devolva a minha mulher, seu extraterrestre, seu intangível. Traga ela de volta ao chão. Deixe que nossa família continue a existir. Não faça isso como um favor a mim ou às minhas crianças. Faça isso por Gome, pelo bem dela. Eu peço ao senhor! Estou chegando ao fim do meu constrangedor e torturante pedido de ajuda, do meu terrível pedido de clemência. Mais um pedido para concluir, Sr. Inuyasha. Não me entregue. Deixe-me fora de sua história. Eu quebrei a confiança de Gome, eu a enganei, li a correspondência íntima e privada dela. Já paguei por isso. Eu não poderia mais olhar em seus olhos se ela soubesse da minha espionagem. Ela não poderia mais olhar em meus olhos se soubesse que eu li. Ela odiaria a si e a mim na mesma medida. Por favor, Sr. Inuyasha, poupe-nos disso. Mantenha em segredo esta carta. E mais uma vez: eu peço ao senhor! E agora eu lhe enviarei a carta mais horrível que escrevi na vida.

Respeitosamente,

Kouga Higurashi Wolf