Amarras

Capítulo 5 - Medo do escuro.


— Não. Eu prefiro que não seja um Mikaelson.

Essa foi a resposta de Freya quando Elijah se prontificou a entrar nas lembranças de Klaus e encontrar a memória em que ele via o amuleto pela última vez. A discussão havia começado há algum tempo, e a bruxa parecia cada vez mais impaciente com a teimosia dos irmãos.

— Você e Rebekah têm mil anos de memórias vividas com ele, Elijah. Quando se entra na mente de alguém, as primeiras memórias que se tem acesso são as memorias com a pessoa que entrou. Vocês demorariam muito passando por essas lembranças o que faria com que eu tivesse que sustentar o feitiço por tempo quase que indefinido. Como Hayley não está aqui e eu vou fazer o feitiço...

— Sobra eu. — interveio Caroline — Entendi.

Freya assentiu em silêncio. Klaus estava estranhamente calado, considerando que era de sua mente que falavam.

— Preciso dizer os prós e contras para vocês. — ela voltou-se para Klaus — Caroline vai ter acesso a todo tipo de lembranças em sua mente. Se há algo que você não quer que ela veja, fale agora.

— Claro que há. — retrucou Klaus, em um tom que implicava tédio. — minha mente não é bem um paraíso, Freya. Mas se temos que fazer isso e não é viável que seja Elijah ou Rebekah, prefiro que seja ela. É só não demorar muito em lembrança alguma. Eu não me responsabilizo pelos danos. — Até então falava sério, mas depois disso abriu um sorriso sarcástico para Caroline antes de terminar a frase — Se não aguentar, amor, no final de tudo faço você esquecer, relaxe.

A loira mostrou-lhe uma careta, mas a voz de Freya lhe impediu de xingá-lo.

— Quanto a você Caroline, tem que tomar cuidado. Quando estiver na mente dele, vai sentir tudo o que ele sentiu. Tem que se concentrar e repetir para si mesma que nada daquilo é real, e que você está apenas revivendo lembranças que nem são suas. Caso contrário, vai ser difícil para mim te trazer de volta.

O modo sério como Freya falou aquilo trouxe Caroline á realidade. Aquilo era perigoso e podia ser doloroso, além de bastante estranho.

— Vamos fazer isso o mais rápido que pudermos. — Finalizou a bruxa. — Não queremos consequências.

Apesar do convite de Chadd na noite anterior, ninguém ficou muito tempo na festa. As mentes estavam inquietas com relação à nova informação descoberta e a de Caroline peculiarmente perturbada com o que o bruxo tinha dito ao ler sua mão. Antes das três da madrugada todos estavam em casa e deixaram acertados que pela manhã fariam o ritual, o que explica a deliberação supracitada ás nove da manhã.

Meia hora depois das decisões serem acertadas, um círculo perfeito de sal era desenhado no chão. No meio dele, Caroline deitou-se, ao lado de Klaus. Ele a olhou e para sua surpresa, não fez nenhum comentário sarcástico ou irônico, em vez disso ergueu um pouco as extremidades dos lábios em um sorriso simplório. Ela não podia afirmar, mas podia jurar que aquilo era algo como um apoio misturado a um agradecimento silencioso.

— Não se esqueça — sussurrou Klaus — Não fique muito tempo em lugar algum. Não tente entender, não tente ajudar, não tente nada. Passe direto, certo?

— Certo. — respondeu ela, tentando parecer firme.

“Omenari, imperavi. Omenare, imperavi”

Enquanto Freya repetia aquelas palavras estranhas, os olhos de Caroline pesavam cada vez mais e sua mente ficava cada vez mais distante. Em poucos minutos, se viu em um outro lugar:

Era um corredor de paredes brancas, percebeu, e nele haviam várias portas pretas. Como não sabia exatamente qual levaria à memoria que procurava, entrou na primeira à direita.

~~ ~~

O que mais incomodava, na verdade, era o cheiro. O cheiro de sangue velho misturado ao cheiro que ela reconheceu como sendo de corpos começando a se decompor.

Olhou para os lados; Parecia uma floresta, mas ela não a reconhecia. Tentou aguçar a audição antes de caminhar, mas não conseguia ouvir nada de mais. O cheiro, entretanto, não cessava.

Decidiu andar; tinha uma missão. Não podia perder tempo tentando entender as coisas.

Sete ou oito passos à frente ouviu um som estranho. Era um gemido, ela tinha certeza. Se esgueirando por entre as árvores, avistou um rapaz. Ele não aparentava ter mais que 17 anos pelos traços de seu corpo; corpo este que estava amarrado a uma estaca grossa de madeira fincada no chão.

Ele estava sem roupa de cima, e estava bastante frio, como se fosse um inverno rigoroso. Seus gemidos eram baixos, e podiam passar despercebidos por outras audições, mas foi nítido para ela quando o ouviu emitir.

Enquanto observava garoto, aos poucos o viu levantar os olhos. Ela conhecia aquele olhar: aqueles olhos verdes azulados eram os mesmo que a irritavam quando era irônico ou a deixavam desconcertada quando se fixavam demais nela. Eram os olhos dele, tinha certeza.

Quando o garoto abriu a boca para falar algo ou provavelmente pedir ajuda, um outro som veio do lado oposto da mata. Dessa vez, uma risada. No segundo em que ela virou seu rosto em direção ao riso, tudo que via antes tinha desaparecido. O garoto, o frio, o cheiro de sangue velho.

Dessa vez, o ambiente lhe parecia familiar, e ao ouvir a risada novamente constatou: era sua.

Caminhando até o som, ela já conseguia imaginar qual lembrança era aquela, e teve a confirmação quando chegou.

De longe, observou a si mesma rindo enquanto Klaus lia sua inscrição para o Miss Mystic Falls. Sairia logo dali, pois não podia demorar, mas algo a parou antes. Algo que ela não notara quando vivenciou realmente aquela lembrança: O som das batidas do coração dele. Eram ligeiras e ritmadas em uma frequência alta, como de alguém que corria uma maratona ou tomava um susto durante a noite.

Sorriu. Ele estava alegre, agitado. Como não percebeu isso quando aquilo tudo aconteceu?

Ao sair da porta, sentia-se estranha, mas bem. Até agora tudo sobre controle, certo? Era menos uma.

A próxima era a primeira porta a esquerda. Sua curiosidade aguçou quando ao abrir a porta deparou-se com seu antigo quarto. A decoração era a mesma e ela ainda teve tempo para sentir-se nostálgica com aquelas recordações.

Achou que sabia qual lembrança era aquela, mas estava enganada. Olhou, e viu a si mesma na cama, dormindo um sono pesado demais o que a fez questionar mais uma vez se era de fato a lembrança ao qual pensava que fosse. Procurou no cenário enfeites de aniversário ou mesmo a mordida de Tyler em seu pescoço, mas não, não estava lá. Não era a memória do dia em que Klaus lhe deu seu sangue, tinha certeza.

Encostou-se na entrada do closet e esperou. Ele tinha que aparecer em algum momento, certo? Caso contrário, como poderia ter aquela cena guardada em sua mente?

Não demorou e o viu chegar: seu casaco escuro parecia estar um pouco úmido por algum motivo desconhecido. Ele apenas entrou pela janela e ficou parado por um bom tempo, apenas olhando a moça desacordada na cama.

Caroline ficou surpresa com aquilo e se pegou fuçando em sua própria mente, procurando algum dia específico em que tenha sentido algo estranho durante à noite ou desconfiado de alguma invasão. Não se recordou de nada.

Conseguiu enfim identificar quando aquilo tinha acontecido quando Klaus, depois de minutos parado, deu a volta na cama e colocou ao lado da loira uma caixinha preta e estreita. Era a pulseira, lembrou-se. Depois disso, ele desapareceu na noite, tão silencioso quanto chegou.

Saiu dali. Sentia que de algum modo estava invadindo a privacidade dele revendo suas lembranças a respeito dela. Eram coisas dele.

Na próxima porta, assim que entrou desejou sair. Gritos por toda parte enchiam o local, além de choros altos e sons de coisas se quebrando.

Ossos, inclusive.

Não demorou a encontrá-lo na cena e logo fez questão de se esconder. Era perceptível: estava totalmente sem humanidade. Ele tinha matado aquelas pessoas e continuava matando.

As mulheres choravam pedindo clemência por seus maridos, mas eram mortas logo após. Era estupidamente insano o modo como ele fazia aquelas atrocidades de modo automático. Segundos depois Elijah chegou e eles foram para algum outro lugar. Foram embora e ela sequer conseguiu compreender o motivo daquela carnificina.

Ao andar um pouco mais, achou um jornal no chão. A data era de bem antes do acontecimento com a bruxa, então decidiu sair dali o mais rápido possível. Seu estomago estava revirado depois de ver tantas vísceras.

Na próxima porta ela ouviu uma canção. Parecia alguma cantiga de roda e era de modo perceptível, antiga. Estava outra vez em uma floresta, mas esta tinha varias tendas, como se fosse um acampamento. A música animada servia como ânimo para as pessoas que, ao redor de uma fogueira, dançavam e se divertiam. Reconheceu Rebekah no meio das mulheres que dançavam. Ela era mais jovem, porém igualmente bonita.

Conseguiu avistar também Elijah, que conversava com uma outra mocinha, além de um rapazinho que ela podia jurar ser Kol.

Procurou por Klaus, mas não o achou. Andou mais e mais, até ouvir um som repetitivo. Era um chicote, ela sabia.

Afastado da aldeia e dos outros, Klaus estava amarrado novamente a um grosso tronco. O chicote batia em suas costas com uma força tão violenta que não demorou muito e a pele estava em carne viva. Ele gemia baixo, rangendo os dentes, como se não quisesse dar o braço a torcer, como se não quisesse que percebessem que a dor que as chicotadas causavam era maior que o que ele transparecia.

— Te odeio! — ele gritava.

Ao passar os olhos para o agressor, Care não precisou de meio segundo para reconhecê-lo:

Mikael.

Depois de vários minutos interruptos de agressão, sentiu lágrimas caírem de seus próprios olhos quando viu que o menino chorava. Ela viu o quanto ele lutou para não transparecer a dor, mas tinha ficado impossível. Ele não aguentava mais.

— Por favor. Por favor. Pare. — ele repetia como uma prece.

Voltou seus olhos para o acampamento e avistou todos lá, comendo, dançando, se divertindo enquanto ele apanhava até sangrar. Amaldiçoou a todos em sua mente já perturbada com todos aqueles acontecimentos.

Os pedidos lamuriosos de Klaus não pareciam fazer efeito em Mikael. Ele continuava batendo: uma, duas, três, quatro vezes. Uma sessão de chicotadas que parecia não ter mais fim. Há essa altura o sangue já escorria sem impedimentos.

Caroline queria ter forças para sair dali, mas sua dor já estava tão conectada com a do rapaz que não conseguia mexer-se. Seu corpo não obedecia ao comando de fugir, e aos poucos tudo ficava pior. Ela já não continha as lágrimas ou os soluços e não sabia quando tinha começado, mas agora sentia suas próprias costas sendo surradas. Como se fosse ele. Como se estivesse realmente ali, em seu corpo, em seu lugar. Ele estava com tanta, mais tanta fome. Fome, frio, dor, ódio.

Gritar não adiantava. Não aliviava a dor e de todo modo, era como se ela não estivesse ali. Ninguém a ouvia, ou a via. No fim das contas não podia ajudar nem a si mesma, quanto mais ao jovem Klaus, que continuava apanhando.

Em algum momento da agonia, Mikael parou por alguns segundos. Um fio de esperança brotou no subconsciente de Care: talvez tivesse voltado a si e deixado a raiva de lado, afinal. Mas ao voltar seu olhar à cena, percebeu que seu engano não podia ser maior.

Ele tinha parado de bater por que o menino havia perdido os sentidos.

E aquela foi a primeira vez que sua mente trabalhou em defesa do sentimento de ódio de Niklaus Mikaelson.

~~ ~~ ~~

— Isso é normal?

Essa foi a pergunta que Elijah fez ao ver Caroline se debater no círculo ao lado de Klaus, que continuava desacordado.

— Ela com certeza está sofrendo algo que ele sofreu. — respondeu Freya, enfática — Só espero que consiga sair disso logo. Já está há meia hora se debatendo sem parar e eu não tenho como ajudar. Está se envolvendo demais nas lembranças dele.

— Te odeio. Vou te matar. Vou te matar. — Caroline repetia baixo, com os dentes trincados. Era de dar medo, na verdade.

— De quem você acha que ela está falando? — indagou Freya

— Com certeza do nosso pai. Você não sabe pelo o que ele passou, Freya. Era de dar pena.

Ao terminar sua fala, Elijah sentou-se em uma cadeira de madeira para esperar, sem no entanto, parar de observar a loira no círculo, que hora gritava e se contorcia de dor, hora fazia ameaças em tom baixo, transbordando puro ódio.

— Parece que vai demorar um pouco mais que o previsto.

~~ ~~ ~~

Acordou em um banco, em Nova Orleans. As chicotadas, a dor, o choro, tudo havia sumido. Ela tinha conseguido um jeito de sair daquilo, afinal.

Andou um pouco observando as ruas sempre ocupadas por pessoas com roupas coloridas e extravagantes. Não demorou a encontrar o dono das memórias. Ele estava em pé, ao lado de uma moça loira, comentando sobre um quadro de um artista que pintava na rua. Ela comentava a obra com ele não parecendo notar o quão perturbado ele estava. Care não a culpou pois também não tinha certeza se perceberia, mas da posição em que estava era tão perceptível: seus olhos agitados e com um brilho estranho que com certeza era das lágrimas que queriam se formar, mas que ele não permitia. Era tão triste. Tão solitário.

Podia entender: depois de tudo que tinha passado, guardava todos os sentimentos para si próprio. Amor, saudades, ansiedades, tristeza. Exceto o ódio. Este ele fazia questão de transbordar sempre que podia.

Decidiu sair dali. Não era uma lembrança antiga então com certeza não era a que queria. Precisava voltar a seu corpo para ter um minuto a sós consigo e processar tudo que estava vendo, ouvindo e sentindo. Ou talvez apenas para chorar por existir alguém com um passado tão miserável.

Entrou em várias portas:

Klaus e Elijah bebendo até a madrugada em um bordel com varias garotas com pescoços furados.

Klaus e Rebekah em uma festa muito imponente em que ele lhe oferecia o braço.

Klaus andando a cavalo com um rapaz negro.

Klaus bebendo sozinho no meio de quatro caixões.

Hayley dando a luz a Hope e sendo morta. Klaus não pôde fazer nada.

Ester vendo Mikael separar Klaus dos irmãos para que não se misturassem com “o bastardo". Ela não fez nada. ***

Uma mulher deitada em uma cama. Parou nesta. Era Clarie, ela sabia. Antes de entrar na mente de Klaus pelo feitiço de Freya, o mesmo desenhou de maneira detalhada o rosto da bruxa para mostrar-lhe. Era o mesmo rosto, tinha certeza.

Observou: A mulher parecia esperar por algo, e como nada aconteceu, ela levantou-se da cama, e sentou-se no chão falando palavras inteligíveis.

O quarto apesar de rústico era bonito, com uma grande cama, lençóis grossos e uma grande lareira. Parecia ser inverno.

Antes que ela terminasse seja qual feitiço fosse o que estava fazendo, Klaus entrou no quarto como um vento, prensando-a contra a parede e acusando-a de várias coisas. Não houve muito tempo de conversa, apesar de, ainda que sufocada, a bruxa tentasse se explicar. O pequeno diálogo terminou com ela jogada no fogo da grande lareira. Ele a segurou lá com duas espadas de esgrima. Era tão cruel.

Focou-se no que importava: o que tinha ela em suas vestes? Minutos depois, observou que preso a seu cinto, uma pedra estranha com meia dúzia de símbolos, descansava. Fitou-a até que ela desmanchasse no fogo para gravar a combinação.

Ao ver que seu objetivo estava concluído, fez o que Freya lhe orientou a fazer quando conseguisse: gritou com toda força de seu pensamento que estava pronta e queria sair.

~~ ~~ ~~

— ME DEIXE SAIR!

Não foi um grito normal. Na verdade, assustou á todos. Rebekah que tinha ido para a porta vigiar, retornou assustada com o grito tão rasgado e alto.

Há essas horas, Klaus já estava de pé. Ele voltou à consciência assim que Caroline conseguiu a informação.

Na cabeça da loira, ela tinha pego a informação e gritado para sair, mas a verdade é que o intervalo de tempo entre o momento que ela encontrou a lembrança que procurava e o instante em que gritou, durou mais ou menos quarenta minutos.

Após o susto inicial, Freya repetiu as palavras do feitiço e a trouxa de volta. Demorou apenas alguns instantes para que ela abrisse os olhos e se sentasse.

— Está tudo bem? — Freya fez a pergunta que todos queria fazer. Elijah olhava curioso enquanto Klaus e Rebekah pareciam um pouco preocupados.

— Sim. — respondeu simplesmente. Porém ao tentar levantar, Care cambaleou para o lado, sentindo dores em quase todo corpo, além de uma fraqueza descomunal.

— Suba e descanse. Você vai precisar, depois de tudo. — ao ouvir o conselho de Freya, Klaus ia ajudá-la a levantar, porém acabou que quem a ajudou foi Rebekah, ao ver que Freya pediu silenciosamente para que Klaus ficasse. Ele a interrogou sobre o motivo disso assim que Rebekah deixou a sala acompanhando Caroline, que não abriu a boca para uma sílaba se quer.

— Ela já teve muito de você por hoje. Eu sei que, inicialmente, ela vai querer um pouco de distância de tudo que viveu lá dentro.

Mais tarde, naquele mesmo dia, todos se encontravam sentados á mesa. Freya comia calmamente alguma coisa que continha espinafre, enquanto os outros bebiam vinho e falavam sobre o amuleto. Estavam decidindo o dia melhor para recriá-lo, considerando que teriam de protegê-lo também.

— Não acho que seja viável demorar. — comentou Elijah — Agora não temos apenas uma pessoa com a informação, mas sim duas. É questão de tempo para que as bruxas descubram o que fizemos e que Caroline também se torne um alvo. Depois que fizermos o que tem que ser feito, cada um vai para seu lado, pois não haverá mais nada que elas possam fazer.

— Querem saber o que acho ? — iniciou Klaus — Que a melhor defesa é o ataque. Destruímos o amuleto e a chance q elas tinham com o ritual, depois matamos todas. Por Deus, Elijah, acha que elas nos deixarão em paz depois do que faremos? Temos que lutar!

Em meio à deliberação, Caroline entrou no cômodo. Ela calmamente sentou-se em uma das cadeiras, serviu-se de um pouco de vinho e cumprimentou a Freya com um sorriso mínimo. Depois da entrada dela, Rebekah entrou na conversa.

— Seguir seus planos nem sempre são uma boa opção, Nik. Se você gosta de viver sempre no meio de sangue e guerra, desculpe, nem todos são assim.

— Quantas guerras eu já enfrentei por sua causa?! Para manter a família unida! — exasperou ele — É que parece que você se recusa a ver a realidade e vive em uma utopia estúpida de que é possível se esquivar de certas coisas. Infelizmente nossa realidade é essa, querida irmãzinha: inimigos, sangue e guerra!

— Talvez se você não arranjasse tantos inimigos não precisaríamos estar constantemente nessa situação! É doentio, monstruoso e sempre nos trás os piores problemas!

Por a voz de Rebekah ter subido duas oitavas, um breve momento de silêncio se fez.

— Isso faria sentido se grande parte das desgraças da vida dele não tivesse a ver com vocês. E olha que são família. — levantou-se de sua cadeira e completou – Principalmente você, Rebekah. Desleal, neurótica e vadia demais.

Assim que as palavras saíram da boca de Caroline, o silêncio se consolidou. Todos estavam surpresos demais para dizerem algo. O som dos saltos dela se retirando do lugar chegaram a fazer eco no cômodo pela falta de ruídos.

Freya soltou o garfo no prato.

— Que diabos você fez na cabeça dela, Freya? — indagou a única loira agora restante no local — Me afrontar para defender o Nik? Sério isso?

— Não fiz nada. Ela viu coisas lá e a mente dela formou uma opinião a respeito do que viu. Dá um desconto, ela está totalmente mexida ainda. Isso vai melhorar.

~~ ~~ ~~

Os lençóis de sua cama lhe pareceram mais confortável do que de costume quando Caroline se meteu no meio deles. Que merda tinha feito?

Ela queria que aquilo passasse logo.

Queria que passasse aquela vontade que estava tendo de justificar ou pelo menos tentar entender os erros de Klaus. Tinha que parar com aquilo.

Nada justificava as ações dele: era assim que devia pensar. Nada de pensar na infância miserável, solitária e cheia de violência. Nada de pensar nos olhinhos dele, ainda adolescentes, olhando esperançosos para o meio da mata, esperando que, por um milagre, um salvador aparecesse e lhe tirasse daquele martírio.

Ninguém nunca aparecia.

Respirou fundo e bateu com a mão em sua própria testa. Estava fazendo de novo.

Ouviu duas batidas rápidas na porta antes que Klaus entrasse, sentasse à beira da cama e a olhasse curioso por minutos a fio. Como o original não falava nada, Care manifestou-se:

— Não, eu não estou normal. Não precisa me analisar tanto para perceber.

— O que está acontecendo?

— Eu vi tudo, certo? É isso que aconteceu. Como você aguentava aquilo? E eu nem falo apenas da violência, mas carregar esse ódio todo por tanto tempo... É tão horrível, solitário e desesperançoso. Se é que esta palavra existe.

— Não aguentava. — respondeu ele, sorrindo sem graça — Você viu também a quantidade de vezes que surtei. Não encontrava outra maneira para extravasar.

Depois de um breve momento de silêncio, ela disse o que queria dizer desde que tinha voltado das lembranças dele:

— Eu sinto muito. Mesmo.

— Eu também. — respondeu, baixo — Você quer que eu faça você esquecer?

Levou alguns minutos para que Caroline decidisse entre o mais fácil e o que realmente queria. Porém quando decidiu, soube que não se arrependeria, pois isso não era apenas sobre o sofrimento de um homem, era também uma lição para si mesma. Por tudo isso, não titubeou ao responder:

— Não.

~~ ~~ ~~

A cidade de Nova Orleans estava mais calma que o normal naquele dia. Parecia que, de alguma forma, previa que algo ruim aconteceria. Era chegado o dia de recriarem o amuleto, ao qual nesse meio tempo, já haviam descoberto que chamava-se Arbres*.

Todos pareciam silenciosos ou cautelosos quanto a isso e para tal, Elijah, Freya e Klaus traçaram um plano de contingência caso as bruxas sentissem a magia do feitiço e quisessem interferir. Ninguém discutiu quando Klaus dividiu os grupos em Elijah e Rebekah na entrada da frente e ele mesmo e Caroline na parte de trás. Todos sabiam o motivo: comparada aos originais, ela era mais fraca, então era melhor que ficasse acompanhada do mais forte e ficasse na parte de trás, esperando para atacar, em vez de na porta da frente já esperando a batalha.

— Elas com certeza virão. De certo estão mais fracas, caso contrário já teriam atacado, mas mesmo assim atacarão. — afirmou, Freya. — Só preciso que segurem elas até eu terminar.

Caroline assentiu. Estava nervosa, mas ao mesmo tempo agitada. Fazia tempo que não era parte de um plano de batalha.

— Vamos. Tomem seus lugares. Freya, pode começar. — alertou Klaus, antes de mostrar um sorriso um tanto quanto maquiavélico e concluir — É dada a largada, amigos.

~~ ~~ ~~

— Nós vamos mesmo ficar aqui?

Essa foi a indagação quando Klaus direcionou-se a um cômodo na parte de trás na casa, no alto da galeria, de onde podia-se ver a maioria das possíveis entradas dos fundos.

— Claro. Visão privilegiada, já ouviu falar disso? — o hibrido provocou dando uma piscadela antes de terminar sua fala — Você só precisa ficar atenta e em silêncio. Barulho nunca ajuda.

Caroline rolou os olhos, mas obedeceu. Ele tinha razão, ela sabia, mas a tratava como uma criança e por isso deixava-a tão irritada.

Passaram-se vários minutos e nada se viu ou ouviu que denotasse uma invasão. Klaus estava ficando perceptivelmente inquieto, o que fez Caroline rir do quanto ele era estranhamente animado para guerras.

Mesmo que fosse perigoso e que eles pudessem acabar seriamente feridos. Claro que, para ele, isso era detalhe.

— Se acalma. Se elas não vierem, melhor ainda.

— Querida, eu não planejei uma batalha a toa, certo? Elas vão aparecer. — Caroline riu da resposta dele, mas seu riso não durou muito depois que o ouviu continuar a frase — A não ser que...

— A não ser que....? — repetiu a loira.

— A não ser que já tenham vindo aqui.

Klaus levantou-se agitado, mas já era tarde demais. As portas e janelas do cômodo começaram a fechar-se e símbolos riscados nelas, antes não visíveis, começaram a aparecer.

Não precisou de mais de 10 segundos para que todas as portas e janelas do local estivessem trancadas e o cômodo ficasse em um breu total.

Tanto Klaus quanto Caroline tentaram de todas as formas quebrar ou abrir alguma das portas, mas elas estavam firmemente cerradas com magia. Estava claro: o local havia sido preparado para ser uma prisão temporária.

— Merda. — reclamou Klaus ao sentar-se no chão, decidindo de vez desistir de tentar abrir uma saída quebrando uma das portas. Caroline já estava sentada há algum tempo.

— Você consegue ver, não é? — Perguntou ela.

O hibrido não respondeu de imediato, apenas andou até ela sem nenhuma dificuldade ou tropeço, agachou-se onde ela encontrava-se sentada, e tomou de sua mão a faca que ela segurava. Depois disso, sentou-se ao lado dela no chão, e começou a brincar com a faca, colocando o bico dela entre seus dedos de maneira ligeira, respondendo com isso a questão levantada pela loira, mostrando que a escuridão não afetava em nada sua visão.

— Ótimo. Pelo menos um de nós vai conseguir enxergar se as bruxas tiverem soltado algo bem horrível junto com a gente aqui dentro.

Klaus riu.

— Tem medo do escuro, amor? — perguntou ele.

— Ninguém tem medo do escuro. As pessoas têm medo do que se esconde no escuro e não dele propriamente.

— Hum. Então você tem medo. Certo. — Caçoou.

Caroline virou-se para ele estreitando os olhos, em uma expressão desafiadora ao mesmo tempo em que denotava tédio. Dentro de si, Klaus gostou de poder ver aquela expressão: era engraçado de se ver e ao mesmo tempo tão... Íntimo. Não era uma expressão que se fazia para qualquer desconhecido.

— Ainda bem que eu enxergo, então. Já que você é uma medrosa. — Completou, ele.

Depois desse comentário, Caroline petrificou. Não pela fala, mas pela proximidade com que ele falou aquilo. Ela não podia ver, mas podia sentir sua respiração contra sua bochecha, e sua temperatura perto, muito perto. Ele nem havia encostado, e ela já podia sentir o quanto ele estava quente.

Afastou-se dois centímetros. Aliás, foi o máximo que conseguiu considerando sua paralisia momentânea. Ao fazer isso, o ouviu gargalhar, ainda bem perto de si.

— Como eu disse, uma medrosa.

Aquilo bastou para que ela se aproximasse novamente, agora também por despeito. Bastou um segundo para que Klaus tomasse seus lábios entre os dele.

Quentes. Seus lábios estavam tão ou mais quentes do que ela imaginava que estaria e aquilo era tão bom. Deixou-se levar quando ele a suspendeu e a trouxe para seu colo. Proximidade, proximidade, proximidade. Não era o que queriam?

Quando ele passou seus lábios para seu pescoço sua mente gritou um “Não” alto e audível. Por Deus, estavam em guerra! Se ela deixasse que aquilo continuasse, não parariam com certeza.

— Klaus. — chamou.

Ele não respondeu. Seu rosto entre seus cabelos e suas mãos a prendendo-a contra si pareciam ser a única coisa ao qual ele respondia no momento.

Não, não, não: sua mente dizia. Ela já tinha chamado seu nome, em alerta, uma vez, não tinha? Não poderia ser apenas essa sua participação na tentativa de parar aquela loucura? Não podia e nem queria fazer outra tentativa e não podia por que seus lábios já haviam se ocupado com os dele novamente.

Como ela poderia lembrar-se tão bem deles se a última vez que os tinha beijado havia sido há anos?

Quando as mãos dele tocaram a lateral da cintura dela por baixo da blusa pela primeira vez, um estrondo muito grande se ouviu lá de baixo.

Caroline pulou do colo dele em um pequeno grito: ela jurava que tinha sido no cômodo onde estavam. Percebendo isso, Klaus logo tratou de acalmá-la.

— Não foi aqui. Não foi aqui. — ele repetia. — Não há nada aqui. É lá fora.

Quando Caroline sentou-se novamente no chão, ao lado dele, um minuto de silêncio se fez, sendo que os únicos sons que se ouviam eram externos ou de suas próprias respirações.

— Não vai falar nada? Você sempre sabe o que falar. — começou Klaus, ao romper o silêncio.

— Sobre... Sobre o que aconteceu, você diz?

Klaus respondeu apenas um murmúrio afirmativo, e esperou que ela continuasse.

— Bem... não é algo difícil de entender, nós somos adultos e tudo isso que aconteceu foi algo...

— Algo? — inquiriu ele.

— Algo... Físico. Isso, físico. Somos adultos, é simples. Necessidades e todas essas coisas.

— Claro, físico. — concordou — Eu ia dizer exatamente a mesma coisa.

Mais silêncio, mas dessa vez com mentes muito barulhentas, os dois sabiam. Era mais fácil deixar tudo como estava, o que não queria dizer que era o mais verídico.

Aproximadamente doze minutos depois, uma a uma as portas e janelas do local foram se abrindo.

— A bruxa que nos mantinha aqui foi derrubada. Vamos.

~~ ~~ ~~

Foi um pouco difícil de encontrar os Mikaelson no meio daquela carnificina: haviam corpos por todos os lados, e claramente não eram apenas vampiros. Havia humanos e vários lobisomens, todos enfeitiçados.

No meio da pilha de corpos, estava um Elijah coberto de sangue, ao lado de Rebekah e um rapaz alto e negro ao lado dela. Não demorou muito para que Caroline ligasse os pontos e percebesse que aquele era Marcel, o rapaz que ela vira Klaus criar quando entrou em suas lembranças.

— Conseguiram? — foi a primeira e única coisa que Klaus perguntou.

Limpando o rosto sujo de sangue e revirando os olhos para Niklaus por sua objetividade sem agradecimento ou compadecimento, Freya apareceu enfim, tendo em suas mãos uma pedra escura de tamanho mediano, com varias simbologias.

— Ótimo. — resumiu o hibrido.

— Ótimo? É o que tem a dizer, Niklaus? — começou Rebekah — Onde você estava? Fizemos tudo sozinhos! Ainda bem que Marcel estava por aqui e...

Os dois engataram uma discussão barulhenta: uma acusando e o outro se explicando de forma não pacífica. Marcel e Freya deram de ombros e sentaram-se, enquanto Elijah fazia pequenas intromissões na conversa.

— Caroline pode confirmar que não houve jeito para sair de lá.

Quando terminou a frase, Klaus apontou para suas costas onde Caroline estava. Ou pelo menos deveria estar.

Quando a procurou por todos os lados e ela não aparecia, notou o olhar espantado e preocupado de Freya quando ela disse:

— Ela sumiu. Bem na minha vista. Eu estava olhando para ela e ela sumiu. — A bruxa guardou a pedra no bolso, olhou para todos os lados e passou a mão no rosto com pesar antes de completar — Alguém a levou, Klaus. Alguém a levou com magia.