Amarras

Capítulo 6 - Breve momento.


Aquilo era um dialeto?

A pergunta soava na mente de Caroline como um sino enquanto ela ouvia vozes ao seu redor. Sim, ao seu redor: tinha certeza que estava acordada.

Por algum motivo estranho não conseguia abrir os olhos. Como não podia contar com sua visão ou mexer-se, decidiu se concentrar nos dois sentidos que ainda funcionavam: olfato e audição.

A audição foi logo descartada, no entanto. Além de palavras repetidas em uma língua desconhecida, ela não ouvia nada além de uma brisa que passava por ela de vez em quando. As janelas do local estavam abertas? Ou estava ao ar livre? Vai saber.

Decidiu se concentrar nos cheiros. Haviam velas ; podia sentir o cheiro de velas derretendo. Velas combinado a um dialeto estranho. Estava sendo submetida a um feitiço?

Se agitou ao pensar nessa possibilidade. Queriam tirar informação? Mas como? Ninguém tinha conhecimento de que ela sabia nada importante.

De súbito, ouviu coisas que pôde entender. Algo como duplicar uma criança. Uma referência a um amuleto que ela logo ligou ao Arbres. O que uma criança teria a ver com o Arbres?

Ouviu sobre poder e depois, por algum motivo, perdeu novamente os sentidos.

~~ ~~ ~~

— Freya, pode ficar à vontade e demorar ainda mais pra achar a porra da localização.

Rebekah prometeu a si mesma que fugiria para a muralha da China se Klaus esbravejasse mais uma vez. Ele estava insuportável desde a hora em que Caroline havia sumido, há exatamente duas horas.

— Você sabe que tem alguém escondendo a localização dela. — respondeu a bruxa, já irritada — E pare de gritar!

— Rebekah, você bem que poderia se unir a Elijah e Marcel à procura dela pela cidade, não? Melhor que ficar parada aí me olhando com essa cara de quem comeu e não gostou.

Rebekah revirou os olhos e abriu a boca para responder, mas calou-se no segundo seguinte. Não valia a pena discutir com ele naquele estado, ponderou. Seguindo esse pensamento, apenas levantou-se e saiu. Antes que ela passasse pela porta, a voz de Freya a parou:

— Achei. — Avisou, mas cortou sua própria fala logo em seguida. Algo a incomodou e antes que Klaus perguntasse, ela tratou de esclarecer — Estranho. Estava tudo bloqueado e de uma hora para outra, pronto, achei. Como se quisessem que a achássemos, como se já tivessem conseguido o tempo que queriam. — Ao findar a explicação sobre seu estranhamento, ela tomou um papel, escreveu um endereço e entregou a Klaus — Tomem cuidado.

Toda estranheza causada pela rápida eficácia da magia foi exatamente equiparada ao modo estranho ao qual Care foi encontrada; Ela estava sentada sobre a lápide mais espalhafatosa de um cemitério privado e antigo de uma fazenda afastada.

Quando a encontraram, Rebekah logo se preocupou em checar todo o perímetro, pois aquela calmaria não podia ser normal.

— O que fizeram ? Você está bem? — Klaus repetia as perguntas insistentemente a uma Caroline um pouco lenta e desorientada. Enquanto falava, tocava de modo ligeiro seus pulsos, pescoço, tornozelos e rosto a procura de algum sinal de agressão. Quando ela enfim conseguiu formular a frase, Rebekah já estava voltando.

— Estou bem, Klaus. Estou mesmo. Mas acho que fizeram algum feitiço em mim.

Depois de minutos olhando ao redor e se perguntando que merda tinha acontecido ali, a sentença de Rebekah era a única coisa que se podia fazer no momento:

— Vamos para casa.

~~ ~~ ~~

Todos desconfiavam que não seria fácil, mas ninguém previu que seria tão difícil encontrar o tal óleo de Neeraj para queimar o Arbres. Elijah e Rebekah estavam há dias pelo mundo, caçando em todos os templos, aldeias ou lugares esquisitos, mas até então o líquido era só uma lenda. Considerando a dificuldade e a pressa em destruir o artefato, Hayley também saiu de onde estava com Hope e se pôs a andar pelo mundo igualmente à procura.

No lar dos Mikaelson o clima continuava tenso: com o amuleto em seu poder, ninguém dormia ou relaxava, sempre á espera de um ataque. Como só haviam sobrado Klaus e Caroline para proteger Freya e o Arbres, Marcel acabou por se juntar para ocasionais emergências. Precisavam se livrar daquilo de uma vez, ou não teriam mais um minuto de paz.

No entanto, nem tudo era tensão naquele ambiente. Por exemplo, se um vampiro entrasse naquele instante na casa e aguçasse sua audição, poderia ouvir claramente alguns sons que não remetiam a frustração ou preocupação. Ele poderia seguir os sons subindo as escadas , passando pelos quartos e indo até a parte de trás do complexo, onde ficava a sala que, na ocasião do plano contra as bruxas, deixou presos com magia a Caroline e Klaus.

Se fosse até o fim, no cantinho daquela sala, o hipotético vampiro veria duas pessoas tão juntas, mas tão juntas que quase poderiam se fundir.

A moça ria. Ao que parece, a barba do homem a qual ela estava atrelada lhe fazia cócegas. Pelo pouco que dava para entender da interação dos corpos, podia-se ver que ele beijava insistentemente alguma área estratégica de seu pescoço, parecendo gostar de como ela ria.

— Acho que é melhor a gente parar. — ela dizia, ainda rindo.

— Não, você não acha isso.

— Isso é tão adolescente. Ficarmos aqui escondidos enquanto o mundo pega fogo do lado de fora.

Ele tirou o rosto de seu pescoço para olhar-lhe antes de responder:

— Ninguém liga. E nem venha dizer que não temos idade pra’ isso, por que você sabe: temos idade para mais.

Ela gargalhou. Aquilo era tão surreal; ele apreciava seu cheiro como quem sentia o aroma de um vinho caro guardado há décadas. Visivelmente amava quando ria. Nestes pequenos momentos de paz, ela sequer o reconhecia.

Ele era Niklaus Mikaelson. Tinha mil anos, outras mil mortes na consciência e mais sangue nas mãos que mais outros mil homens. Havia beijado muito mais de mil mulheres e sentido milhares, talvez milhões de cheiros diferentes.

Por que parecia gostar tanto especialmente do seu?

Quando voltou de seu devaneio, o parou.

— Você ouviu isso?

O híbrido riu, bateu com uma das mãos na testa e se afastou dela. Ele olhava para Caroline com olhos divertidos e ao mesmo tempo enigmáticos, o que era um pouco engraçado.

— Terceira vez. Terceira vez em que somos interrompidos. Realmente torço para que seja algo, pois quero torcer o pescoço de alguém.

Caroline riu baixo e ajeitou os cabelos já um pouco bagunçados, presumindo que era uma brincadeira. Era, certo?

— Acho que devíamos parar de fazer isso.

— Por qual motivo seria? — indagou ele.

— Podem nos pegar. Eu iria odiar ter que me explicar.

— E quem disse que você precisa? Aliás, seu argumento de que é resultado de nossas necessidades físicas não serve mais? Continue dizendo isso, só vai precisar falar para mais alguém além de você mesma.

Ela rolou os olhos, mas ele nem viu. Em dois segundos já havia sumido, literalmente, de suas vistas.

Quando chegou á sala já o encontrou discutindo sobre o amuleto com Freya. Eles deliberavam um jeito de protegê-lo de ser encontrado e tirá-lo dali para escondê-lo em um lugar longínquo e assim ganhar algum tempo de menos iminência de ataque, pelo menos até o Óleo de Neeraj ser encontrado.

— Vou começar a trabalhar nisso agora. — Sentenciou a bruxa Mikaelson — Se eu conseguir ocultar perfeitamente a magia contida no Arbres, só precisamos escondê-lo longe daqui e deixar que as bruxas nos ataquem e descubram que ele não está mais conosco.

Não precisou de um dia todo, e lá estava Freya, canalizando o irmão para fazer o feitiço poderoso que esconderia o Amuleto. Como o feitiço foi possível, já haviam traçado um plano para esconder a pedra naquele mesmo dia. Por ter a mente mais difícil de se penetrar, a escolha óbvia era que Klaus o escondesse e apenas ele detivesse a informação.

Oito minutos após o término do ritual, Klaus já estrava em seu carro, preparando-se para sair. Ele nem precisou olhar quem era quando viu a porta do carro sendo aberta e outra pessoa sentar-se no banco ao lado.

— Sabia que não estou acostumado a ter alguém no meu pé toda hora?

— Sei, e não ligo. Eu também não sou acostumada com isso e ainda assim tenho que te aguentar.

Ele riu da perspicácia dela, porém não ligou o carro.

— Vamos lá! Trabalhamos bem juntos. Somos uma equipe. — Para ilustrar a força e o bom trabalho deles juntos, a loira ergueu um dos braços, fazendo menção ao ato de mostrar os músculos. No caso dela, quase inexistentes.

— Equipe com benefícios.

— Antiga equipe com benefícios. Agora, equipe totalmente profissional.

— Sei.

Klaus a olhava com os olhos estreitos, e ela sabia que ele estava deliberando. Quando percebeu que o veria ceder, jogou sua cartada final:

— Quando terminarmos, esperamos que a verbena saia de mim, e você me compele a esquecer a localização. Pronto. Segurança total para o Arbres e para mim, que não vou ter a informação.

— Tá’. Vamos antes que eu me arrependa.

~~ ~~ ~~

A altitude, com certeza, era o diferencial do local. Já haviam saído de Nova Orleans há varias horas, e agora se encontravam em um local com pouca presença humana.

Era bonito de ser ver: haviam pássaros e o som deles ecoavam por entre as árvores; o ar era mais puro e o cheiro da mata molhada por alguma recente chuva era tudo o que se podia sentir; as árvores eram altas e formavam um tipo de mata ciliar, mas ao pé de uma montanha.

Quando desceram do carro e decidiram ir a pé, não precisavam aguçar sua audição com suas propriedades como vampiros para ouvirem a água passar por um lago próximo, ou os galhos que se quebravam a cada vez que davam um passo. Era tudo tão puro.

Claramente, é a presença do homem que corrompe tudo.

— Você já veio aqui?

A pergunta de Caroline era consistente e dava vazão a alguma história, porém Klaus se limitou a assentir.

A caminhada foi de pelo menos duas horas, quando ele alertou que haviam chegado.

Depois de terem passado pela mata e chegado ao cume daquele monte, mais a oeste se ouvia o som de água, saída da fonte em uma velha gruta. Aquele era o local.

— É solitário e fora de radares o suficiente. Tanto para seres sobrenaturais, quanto para humanos. Ninguém vem aqui. É perigoso, e há vários tipos de bichos peçonhentos. Com o feitiço que esconde a localização da magia, ele ficará seguro aqui.

Caroline assentiu. Ele estava mesmo certo.

Ao saírem, Klaus viu que Caroline mudou a direção, não indo por onde deveriam ir para voltar ao carro. Quando questionada, ela apenas respondeu:

— É noite. Quero ver as estrelas.

E de fato, já era noite. O inicio dela, na verdade.

Como Klaus nada respondeu, a loira apenas continuou seu caminho, escalando cada vez mais alto na montanha. Em menos de meio minuto, já estava lá em cima e a vista era maravilhosa.

Longe de todas as luzes da cidade, as estrelas cintilavam em todo seu esplendor. A lua era nova, observou quando sentou-se no chão. Alguns segundos depois sentiu seu companheiro de missão sentar-se ao seu lado e assim como ela, dirigir seu olhar ao céu.

— Sabe que é a primeira vez que a gente senta um do lado do outro sem estar discutindo, em uma situação de perigo ou em total discordância sobre de qual lado lutar?

Klaus deu uma risada harmoniosa e baixa. A afirmação era um pouco cômica, mas não deixava de ser verdadeira. Quando cessou o riso, ele voltou a olhar o céu.

— Há algum tempo, Hayley contou a Hope o mito de que quem apontava para as estrelas ficava com verrugas nos dedos. Ela ficou tão assustada com a possibilidade de tê-las em suas mãos que começou evitar a qualquer custo erguer as mãos muito para o alto quando fosse noite, o que era bem cômico. Um dia nós estávamos em casa e Rebekah chegou dando gargalhadas, com uma Hope carrancuda do lado. Elas tinham saído e quando Rebekah apontou para o céu para lhe mostrar a lua, Hope deu um grito tão alto, mas tão alto que um policial que passava na rua correu e a ergueu do chão apressado, quase como se joga uma pequena bola no ar. Ele pensou que ela tinha tomado um choque com os vários fios que estavam no chão por causa de um evento carnavalesco que iria se iniciar. Pobrezinha, ficou com muita vergonha.

Caroline riu, imaginando a reação de Hope á tudo aquilo. Era a cara dela guardar esses mitos na cabeça.

Dez segundos depois, passou do riso para o choro.

Suas meninas. Suas meninas também era assim.

Acreditavam em todas as lendas que contavam. Ficavam com muita raiva quando Alaric ria dos penteados feitos nas bonecas, ou quando não às deixavam misturar massinha de modelar com sabão líquido.

Sentia falta delas.

Apesar disso o choro não era de tristeza; mesmo com a saudade, o sentimento era mais de gratidão por tê-las, por amá-las e ser amada por elas.

— As meninas, não é? — indagou ele.

A loira não disse nada, mas sabia que ele entenderia aquilo como um sim.

Depois de um espaço de tempo de silêncio, devagar, parecendo um pouco receosa, Care se aproximou e colocou sua cabeça encostada no ombro dele. Era um contato tão singelo e ao mesmo tempo tão significativo.

Não demorou e Klaus a puxava devagar até que ela estivesse encostada a seu peito, e minutos mais tarde, deitada no chão com a cabeça sobre sua perna.

Não diziam nada, apenas olhavam para cima. Não havia nada que precisasse ser dito.

No fim, Klaus respirou fundo uma, duas, três vezes. Estava aproveitando o momento de tranquilidade. Não é sempre que um vilão, hibrido original e bastardo, tem um momento de paz.