Amarras

Capítulo 16 – Tudo cobra um preço.


O grito de Klaus pareceu fazer com que todos os que estavam lutando virassem em sua direção tentando discernir o que acontecia. Ele gritou mais uma vez, e sua voz parecia rasgada, arrastada, carregada de dor e ódio assim como seus olhos, agora totalmente negros com os olhos amarelos de lobo em evidência.

De súbito, colocou a mulher no chão e levantou-se, rasgando duas gargantas ao mesmo tempo. Os vampiros que lutavam ao seu lado se afastaram, vendo que ele claramente não conseguia mais discernir amigos de inimigos. Era um mostro de novo. O fato de engolir o pedaço de cada coração que arrancava por si só denotava isso.

Ao que parece, o foco ainda não tinha sido de todo perdido: se olhassem bem, perceberiam que todas as mortes sangrentas abriam caminho para fazê-lo chegar à Liara, que já começava a recuar. Sua única chance havia sido desperdiçada na loira estirada no chão, o que fazia de seu plano miseravelmente falho.

O sangue passando de sua boca para o resto de seu corpo fazia Klaus lembrar-se da profecia que as bruxas de Lumburgo haviam proferido há vários meses. Sentiu-se pesado por não ter Rebekah o ajudando naquele momento e por ela ser a mulher que o traíra. Sentiu-se saudoso quando lembrou-se da conversa que tinha ouvido entre Hayley e Elijah em que os dois faziam planos de irem para longe. Sentiu-se pior quando olhou para trás e viu Caroline ainda imóvel no chão, do mesmo jeito que ele havia deixado.

Arrancou mais dois corações: odiava aquela sensação. O sentimento de perca que em nada aliviava ao se abundar de vingança; a percepção de que poderia ter feito mais, falado mais, se aproximado mais; a dor cortante de pensar em viver mais mil anos tendo o sorriso da loira apenas em suas lembranças. Nunca tinha visto um sorriso mais alegre, no fim.

Um líquido quente desceu em sua face. Lágrimas? Sangue inimigo? Não poderia mais discernir.

Sua alma, porém, encontrou algum resquício de satisfação quando enfim se viu chegando perto de Liara, a maldita bruxa culpada de todas as suas desgraças. Klaus já caminhava até ela quando sentiu uma mão segurar-lhe o pulso. De início pensou em soltar-se e prosseguir, imaginando ser um de seus inimigos rastejando ou até um de seus “súditos” pedindo ajuda. Mas quando percebeu que a mão fazia uma espécie de carícia em seu braço, virou-se quase que instantaneamente.

— Calma. Ainda estou aqui. Estou aqui.

Houve um momento de estranheza e desequilíbrio ao ver a loira. Deu um passo para trás, afirmando para si mesmo que aquilo não era possível. A tinha visto morrer, não?

Mas via: seus cabelos dourados, sua voz fina, porém altiva e sim, seu sorriso estava lá. De alguma forma, ela estava lá. Sua Caroline vivia outra vez.

Ao constatar isso, questionou-a com uma expressão que denotava toda sua confusão. Não precisava falar, ela entenderia a pergunta. Sempre entendia. Ela sorriu mais antes de iniciar sua pequena explicação:

— A magia se dissipa, lembra-se? Essa foram as palavras que Freya ouviu e ela realmente se dissipou pelos ares. Literalmente. Sua irmã a recolheu antes que se espalhasse e a utilizou para me trazer de volta. Era uma magia forte o bastante para matar um original, afinal.

— Ou trazer alguém de volta.

— Ou trazer alguém de volta. — Care repetiu.

Ele sorriu, e Care sentiu-se tão feliz por conseguir arrancar um sorriso de Klaus Mikaelson no meio de uma batalha. Seu rosto e corpo estavam cobertos de sangue, havia algo que parecia cordas vocais ou vísceras na outra mão dele, que aparentemente ele tinha acabado de arrancar e ainda assim ela se sentiu bem por não fazer parte daquilo. Por ser o que faz ele sorrir no meio do sangue, do ódio e do caus.

O mundo dele se resumia a sangue e caus.

Caroline o puxou ligeiramente o fazendo recuperar o foco. Faltavam menos de dois metros para que alcançassem a bruxa quando o pescoço dela simplesmente quebrou-se de forma violenta, sem que houvesse tempo de fazer nada. Care parou e puxou Klaus para que também parasse longe dela, temendo ser algum feitiço preparado especificamente para a hora de sua morte, mas entendeu o que havia acontecido no segundo seguinte, quando ouviu a expressão “Vadia”.

Rebekah Mikaelson sorria ao ver o corpo de Liara tombar. Ela ainda murmurou mais alguns impropérios, como se soubesse de tudo o que ela tinha feito. Quando enfim levantou os olhos, fitou-os diretamente no irmão. Seu sorriso diminuiu, talvez temendo a reação dele, mas ainda assim cumprimentou-o com um baixo “Oi, Nik”. Marcel se achegou ao lado da companheira e Care podia sentir que ele esperava uma reação violenta de Klaus. Eles estavam com medo, percebeu.

— Estão nos ajudando. — Care sussurrou no ouvido do híbrido. Era como se dissesse “deixe as diferenças para depois” e foi exatamente o que ele entendeu. No segundo seguinte, Klaus os cumprimentou silenciosamente, inclinando um pouco a cabeça, para logo depois voltar ao que estava fazendo antes.

Depois da morte de Liara e do desperdício da magia acumulada a batalha não durou muito mais tempo. No fim, tudo que se podiam ver eram corpos: bruxas, lobisomens, vampiros.

Care se permitiu parar e lamentar pelos vampiros e lobisomens que deram a vida lutando por sua causa. Haviam sido leais, e mereciam com certeza todo seu respeito e condolências. Ao canto, observou uma mulher chorar junto ao corpo de um homem. Ela não sabia o que ela era, mas aquela imagem a serviu para fazê-la lembrar de que tudo tem um preço, às vezes muito caro. Vingança, justiça, poder. Tudo cobra um preço.

Olhou para Klaus e o observou retirar o casaco encharcado de sangue, ao mesmo tempo em que olhava ao redor, talvez contando as baixas. Quando seu olhar achou o dela, encontrou nele o que tinha nos seus, apesar de tudo: gratidão.

~~ ~~ ~~

Klaus bebericava uma bebida e parecia confortável, rindo de algo que Hayley havia dito. O chão ainda não estava completamente livre do sangue, os móveis ainda não estavam no lugar, mas de alguma forma todos aparentavam estar um pouco mais em paz. Elijah também parecia relaxado, porém Care captou o exato momento em que viu seus músculos retesarem ao ver Rebekah entrar na sala ao lado de Marcel.

— Quem é vivo sempre aparece. Até os traidores.

O comentário sarcástico de Klaus confirmou o tom desagradável da conversa que se sucederia. Percebendo, Care pegou a mão de Hayley e a puxou devagar para o lado de fora, a fim de deixar o espaço para a conversa em família.

Ela, no entanto viu Freya e Elijah a seguirem, estes decidindo por deixar que Rebekah e Klaus se resolvessem sozinhos. Ao que parece, depois que viu que sua amada estaria segura, Marcel também se retirou, andando pela conhecida casa até encontrar Caroline na biblioteca.

— Ele sempre gostou de mulheres inteligentes.

Care virou-se, encontrando-o encostado no batente. Ela sorriu minimamente para Marcel e com um gesto, ofereceu-lhe um assento.

— De quem está falando?

— Klaus, é claro. — Respondeu, simplesmente. Caroline abandonou o livro que lia sobre a mesa de madeira e passou toda sua atenção ao homem negro à sua frente.

— Parece que você o conhece bem.

— Vários anos de convivência. Pode-se dizer que tenho uma carga muito grande de experiências com Klaus Mikaelson.

— Ele é seu pai. — foi uma afirmação. Marcel se remexeu na cadeira, aparentando um pouco incomodado, antes de responder de pronto:

— Não, não é.

— Ele é. Podia não ser o melhor, mas era seu pai, Marcel. Eu estive nas lembranças dele. Eu vi você lá. Ele te amava.

— E ainda assim...

— E ainda assim cometeu erros, mas quem não comete? Só o que eu quero dizer é que ele não é seu inimigo. Em algum lugar nele há ainda aquele homem que tirou você da escravidão para ser livre, e em algum lugar em você ainda existe aquele menino que tinha os Mikaelson como família e só queria ser amado.

Marcel sorriu um pouco e a olhou atentamente. Care podia sentir que ele a estava analisando, quando o ouviu concluir:

— Consigo ver, afinal. A luz que ele vê. Espero que o ilumine também.

~~ ~~ ~~

— Eu não queria que aquilo tivesse acontecido.

— A que se refere, Rebekah? — o híbrido agitou-se, de forma que a bebida em sua mão acabou por derramar um pouco. Não deram atenção. — “Aquilo” por acaso seria a traição covarde que você me fez? Seria o fato de que eu estava certo quando disse que era você que me trairia outra vez. Outra vez, Rebekah!

— Eu sei. — o tom de voz da Mikaelson era baixo e ela torceu que isso ajudasse. Sabia que, caso se descontrolasse, ele nunca a ouviria. — Não foi premeditado. Eu juro. Não queria que aquilo tivesse acontecido, mas eu não tinha outra opção!

— Me deixar num círculo de magia para morrer com certeza era a melhor. — replicou ele, ácido.

— Você não morreria, Nik. Eu sabia que não. Já Marcel estaria morto em poucas horas se aquele cara tivesse conseguido o poder que precisava. Além do mais, sabe-se lá o que ele faria depois estando tão poderoso. — ela suspirou — Não pensei só em Marcel, Niklaus, pensei também em nossa família.

Klaus calou-se por um instante. Rebekah desejou saber o que se passava na mente dele, mas nada em sua face lhe dava qualquer pista. “Pelo menos esta ponderando”, pensou ela.

— Nik... Me desculpa. Foi a traição menos traíra que já te fiz, eu te asseguro. E você já me perdoou por coisas piores.

— Não perdoei não.

— Perdoou sim. — ela sorriu. — Você diz que não só para manter a pose.

Klaus observou o sorriso da irmã e admitiu para si mesmo que tinha sentido falta dela.

— Não acredito que no fim foi ela. — Klaus ergueu uma de suas sobrancelhas em questionamento, então Bex continuou — Caroline, ué. Que deu a vida por você. Freya disse que ela morreu. Ela realmente morreu, Nik. Isso é insano.

Klaus entornou a bebida que desceu quente por sua garganta. Queria ter forças para brigar com Caroline por aquilo, pois ele nunca, nunca mais queria que acontecesse de novo.

Sua vida não valia tanto.

Como se pudesse lê-lo, Rebekah se aproximou, descansando uma de suas mãos em seu ombro antes de afirmar:

— Sei o que está pensando, mas não veja as coisas desse jeito. Não fique pensando no quão imprudente ela foi, ou no quanto você odeia a possibilidade de que o que aconteceu não fosse reversível. Por hora, só lembre que você tem pessoas que amam você. Que lutam suas batalhas, que choram suas percas. Mesmo com falhas você nos tem, sua família, e agora Caroline faz parte disso também. Ela só não aceitou ainda.

Bex encostou os lábios no cabelo do irmão, e antes de se afastar sussurrou:

— Mostre para ela que o melhor é aceitar.

Quando ela saiu, o híbrido encheu novamente seu copo de bebida, degustando calmamente cada gole que tomava. Se sentia estranho: amado, mas vulnerável. Forte, mas incerto. Seguro, mas alerta. Era um turbilhão de sentimentos que nunca tinha sentido nem entendia. Tinha a ver com satisfação e afeto, mas também com medo.

Medo? Medo de quê?

Em meio às suas indagações internas, viu quando Caroline adentrou à sala. Ela o observou em silêncio por um instante, como se quisesse respeitar o momento pacífico e solitário dele. Quando se aproximou um pouco mais, o ouviu brincar:

— Veio se alimentar de mim novamente, sweetheart?

— Talvez. Acho que sangue de híbrido original vicia. Você não devia ficar oferecendo por ai.

Ele riu. Foi uma risada curta, mas durou o suficiente para que Care admirasse o quão lindo era ver aquele homem sorrir. Sua face se iluminava, e em momento algum se podia ver seu lado sombrio.

— Como foi com Rebekah? — perguntou, desviando a atenção. Estava o olhando há tempo demais.

— Ainda vamos conseguir nos aguentar por mais um milênio.

Dito isso, levantou-se e foi para perto da lareira. Care seguiu seus movimentos o observando sentar-se no chão de frente ao fogo, chamando-a para sentar-se ao seu lado em um gesto discreto.

A loira sentou-se com as pernas cruzadas encostando a cabeça em seu ombro. Sentia falta do contato com ele: desde o nascimento e morte de Kael, nunca mais tinha conseguido um momento assim; íntimo, calmo, com contato físico. Olhou-o e viu que, compenetrado, ele observava o fogo.

Ela não tinha ideia, mas naquele momento Klaus montava em si mesmo um mosaico, procurando entender seus sentimentos. E ali, observando o crepitar do fogo, sentindo o cheiro do cabelo de Caroline e ouvindo sua respiração calma, conseguiu compreender várias coisas.