Amarras

Capítulo 16 – Amarrar ou desamarrar.


A mala já não fechava, porém Hayley não desistia de forçar o zíper. De início, Care não entendeu o porquê dela levar tanta coisa já que tanto ela quanto Elijah podiam hipnotizar qualquer um para terem o que quiserem. Quando, porém, a híbrida abriu um pouco para organizar melhor e economizar espaço, pôde concordar com seu conteúdo: álbuns de fotos, roupas de Hope e até um ursinho de pelúcia que ela amava. Não ia ser fácil ficar tanto tempo longe da garotinha.

A morena parou o que estava fazendo e sentou-se na cama, totalmente imóvel encarando o carpete. Caroline soube na hora em que ela pensava.

— Ela vai ficar bem, Hayley. Posso te garantir que a escola Salvatore é ótima e vai acolhê-la como poucos lugares. Lá ela é igual a todos; não vai se sentir discriminada de forma alguma. E você vai visitá-la toda semana, certo?

— Certo. — respondeu, ainda contrariada.

— E é você quem vai deixá-la lá, vai poder ver tudo antes de viajar. Vai ver que é tudo seguro e bom. Escute, essa é a sua chance de ser um pouco feliz também. Você e Elijah querem e podem ter isso e Hope estará segura. É mais do que tiveram em anos. Não podem jogar essa chance fora.

Hayley assentiu, agora fixando seu olhar na vampira à sua frente. Tentou lembrar os motivos pelo qual não gostava dela no passado e não conseguiu lembrar. Tudo já tinha mudado tanto.

— Você também não pode.

Care tinha entendido o que ela queria dizer, mas decidiu sair pela tangente: — Sim eu também devo aproveitar minha tão almejada paz. Não vou perder essa chance.

— Você sabe que não é disso que estou falando.

Caroline revirou os olhos fazendo pouco caso do que ela insinuava.

— Care, você sabe o que me fez decidir fazer isso? Digo, ir embora por um tempo com Elijah?— como a loira não respondeu à pergunta retórica, Hayley continuou — Um dia desses Hope, Freya e eu subimos no telhado. Hope estava ansiosa por ver as estrelas naquela noite, pois um cometa passaria e ela queria fazer um pedido. Aquela noite, debaixo daquele céu de estrelas e olhando para o sorriso inocente da minha menina, me fez acordar. Quando o cometa passou, e nós três fechamos os olhos para pedir o que queríamos eu entendi que não era totalmente feliz por que não aceitava o que queria. Eu queria ir para algum lugar com Elijah, mas não queria aceitar que deixaria Hope em algum lugar. Eu queria estar com ele, mas não queria me comprometer com seus demônios internos. Então eu aceitei o que queria e compreendi que estes “mas” só existiam em minha mente. Você entende o que quero dizer, não é?

Care assentiu. Sua mente estava barulhenta demais para responder em voz alta.

— Eu lembro de como você e Klaus estavam quando você estava sobre o efeito “pós memórias de Klaus”. Ninguém entendeu quando vocês simplesmente se afastaram.

— Não éramos bons um para o outro. — externou a loira a frase que repetiu milhões de vezes para si mesma naquele tempo.

— É aí que tá', vocês são. Você o faz repensar, o faz parar antes de agir. O faz sorrir, Care. Sorrir de um jeito que só você e Hope conseguem. — Caroline sorriu um pouco lembrando-se do sorriso dele. Era tão verdadeiro. — E ele te faz bem pelo simples fato de que Klaus foi o único que te deu o que você sempre quis: ser a número um. Ele não ficou com você por não ter outra opção, ou por você estar disponível ou por que era uma grande amiga, ele ficou com você por que viu sua luz assim que te olhou nos olhos.

— É tão complicado! — A vampira sentou-se e Hayley tratou de afagar-lhe os cabelos . Isso ajudaria a surtir efeito em uma conversa profunda, correto?

— Não, não é. Você precisa aceitar o que quer. Como eu fiz. Eu sei que ser um Mikaelson é um peso, e é o que você vai se tornar ao aceitar isso, mas pare e pense: Você já é uma mesmo! Que coisas piores podem acontecer além das que já aconteceram?

E com isso Hayely saiu, arrastando sua mala cinza já devidamente fechada, piscando um olho em direção a Care. Hayley Marshall era mesmo uma danada.

~~ ~~ ~~

A tarde estava clara e o céu tinha muitas nuvens. Care não pôde deixar de achar que o dia bonito de New Orleans era um presente de despedida da cidade para sua pequena e linda princesa que agora entrava em um sedan preto, com sua mochila rosa de borboletas e seu rabo de cavalo preso por uma presilha de joaninha.

Hope parecia feliz, pelo menos pelo que Caroline via da janela. Já havia se despedido da pequenina e preferiu deixar o momento da partida apenas para os familiares. Ninguém ali estava acostumado a tê-la em outro lugar, então com certeza estava sendo difícil, principalmente para o pai. A loira podia vê-lo inquieto, batendo o pé contra o chão repetidas vezes e acabou por rir, pensando que se estivesse ao seu lado, brincaria perguntando se agora ele praticava sapateado.

Quando enfim abraçou a todos e entrou no carro com o tio e a mãe, Hope deixou para trás uma tia e um pai silenciosos e parados. Era como uma constatação de que seu precioso bebê Mikaelson estava crescendo e bem rápido. Não podia culpá-los: teve a mesma sensação e o mesmo momento de silêncio absoluto quando Alaric apareceu na noite anterior para levar as meninas de volta à escola. Para casa.

Casa. Em que se baseia os sentimentos de alguém para chamar um lugar disto? Um indivíduo pode ter mais de uma “casa”?

Talvez lar seja a expressão mais correta.

Saiu da janela e se pôs a voltar ao que estava fazendo: arrumando sua mala. Esses pensamentos e questionamentos sobre lar não lhe saíam da cabeça desde quando tomou consciência de que nada mais a prendia a New Orleans: nenhuma catástrofe, ou guerra, ou perigo, ou filho. Era uma sensação estranha: se sentia tão presa aos fatos que a mantia na cidade que agora, ao se sentir livre, parecia sem rumo. Perdida até.

Como se desamarrar de amarras que ela nem sabia direito distinguir quais eram?

Lembrou-se de uma frase que tinha ouvido falar há tempos: seu lar é onde existam pessoas que esperam a sua volta.

Tinha certeza que Mystic Falls era seu lar, mas seu cérebro e seu coração começaram a duvidar se tinha apenas um. E se tinha apenas um, por que tinha a sensação de estar deixando um lar ao fazer estas malas?

Sentiu que alguém a observava em suas costas e nem ao menos precisou virar-se para saber quem era. Era um pouco estranho dizer isso em voz alta, mas Care reconhecia, literalmente, o cheiro dele à quilômetros.

— O que tá' fazendo?

Ela riu antes de responder.

— O que parece, Klaus? Tô’ te estranhando. Você nunca foi de fazer perguntas idiotas.

— Por que está indo?

— Como por que? Essa não é minha casa e uma hora eu precisaria voltar.

Care voltou a dobrar roupas e colocá-las na mala enquanto o viu se agitar atrás de si. Ouvia seus passos, andando de um lado para o outro: sua respiração pesada, seus batimentos cardíacos em um ritmo estranho e o fato de perceber que ele limpava as mãos na calça explicitou o diagnóstico de nervosismo. Se não estivesse se preparando para vê-lo praguejar, com certeza estaria rindo.

— Pois... Pode desfazer tudo! Você me deve um favor desde o começo, se lembra? Pois vou cobrá-lo agora.

A loira revirou os olhos diante do tom irritadiço e fez uma reverência debochada antes de falar. Foi a vez dele de revirar os olhos.

— Pois peça, majestade!

— Você é tão... Debochada!

— Não enrola, Klaus. Direto ao ponto.

— Eu... Eu quero... — deu um pausa. Care viu seu pomo de Adão descer e subir duas vezes antes que ele continuasse — Eu preciso... Preciso. Preciso que fique.

A última parte foi dita num tom baixo e mesmo assim não deixava de ser o elefante do cômodo. Ele tinha usado a oportunidade de pedir algo desde o começo para isso?

Como o silêncio se fez, Klaus sentou-se na cama. Ele passava as mãos sobre o rosto e respirava uma, duas, três vezes de forma profunda. Procurou saber dentro de si que diabos de sensação ruim era aquela que estava sentindo, e só precisou virar-se para Caroline e capturar seu olhar relutante para saber que aquilo era medo. Ela iria deixá-lo, pensava. Com certeza iria.

Passou novamente as mãos no rosto e depois parou. Ergueu o rosto e lembrou-se que o que pediu estava dentro trato. Ela teria de fazê-lo, certo? Pelo menos por um tempo estipulado teria de atender à solicitação.

Seus pensamentos foram interrompidos pela voz da vampira, que chamava seu nome. Fitou-a, esperando que se colocasse.

— Klaus, não precisa fazer isso. Não precisa se irritar, ou se usar do que te devo para me fazer ficar. Você só precisa demonstrar sentimentos. É só o que precisa fazer. — Care sentou-se a seu lado na cama, baixando o tom de voz de modo que, mesmo que tivesse outra pessoa no local, apenas ele ouviria. — Eu sei que é difícil para você, eu estive aqui, lembra-se? — tocou a têmpora dele — Eu vi, senti, estava lá. Lembro que fiquei uma semana sonhando que estavam me mutilando com um chicote e eu chorava como uma criancinha, pois no sonho eu não era vampira, então ficaria até o fim da minha vida deformada e cheia de marcas. Quando acordei eu pensei que você tinha sorte de não ser marcado. Pensei em cada parte do seu corpo que eu já tinha visto e que não havia deformidade alguma, mas depois me repreendi. Havia sim uma deformidade. Uma marca que nunca te deixou e que o vampirismo não pôde regenerar, aqui. — sua mão desceu do rosto do híbrido até seu peito, perto de onde estava seu coração — Mas sabe, você pode regenerar ele de novo. Hope começou isso por você, mas é você quem tem que terminar.

Ele não respondeu, apenas pegou a mão dela que estava em seu peito, olhando-a como se nela tivesse a resposta para seu questionamento interno.

— Você... Você tinha o intuito de pedir isso desde o começo? — inquiriu ela, curiosa.

— Não... Na verdade — sorriu um pouco — na hora eu não sabia o que pedir e não queria desperdiçar a chance pedindo algo estúpido.

— Não acredito nisso. — Care riu com vontade, lembrando-se da ocasião — Juro que pensei que há tempos você tinha um plano maligno a respeito disso. Nunca vi você dar ponto sem nó.

— Parece que dessa vez dei.

Houve um silêncio após as risadas. Klaus continuava mexendo na mão dela, olhando-a de modo interessado, vez por outra erguendo os olhos para encontrar os dela, esperando pelo momento em que quebraria o silêncio.

— Você tem ciência do que está me pedindo, não é? Eu ficarei na sua vida e serei parte dela. Isso vai se tornar um relacionamento. Você sabe estar em um?

O híbrido balançou a cabeça negativamente, mas depois decidiu verbalizar: — Não. Mas você pode me ensinar.

— Okay... — Care sentou-se na cama com as pernas cruzadas e coluna ereta. Era engraçado pois parecia que começaria um projeto — Um relacionamento tem a ver com ter sentimento mas também tem a ver com demonstrá-los, você entende? Demonstrar do modo que sentir vontade. — deu uma pausa — Quer dizer, desde que seja bom para ambos.

Essa ultima frase teve o poder de ruborizar um pouco suas bochechas, mas ela ignorou e seguiu firme com sua explicação. Klaus segurava a vontade de rir.

— Certo. — recomeçou — Vamos exercitar. Podíamos começar com algo bem simples, não sei. É só demonstrar, você já deve ter sentido vontade de fazer isso antes. — ela ensaiou um sorriso, mas o parou quando ouviu a resposta dele.

— Com você, sim.

Care esperou que ele a tocasse e em sua espera fechou os olhos para aproveitar o contato. Se surpreendeu porém quando ele, em vez de tocá-la levou sua mão até si, indicando que preferia ser tocado por ela.

Caroline abriu os olhos, trilhando um caminho lento com as pontas dos dedos, do pescoço ao cabelo do homem, bagunçando-o no processo. Klaus respirava pesadamente, com seus olhos firmemente presos aos dela. Ela fez um caminho de volta, passando pelo maxilar contraído dele, queixo e lábios. Quando seu polegar tocou o lábio inferior dele, sentiu sua mão sendo segurada para logo após ser puxada para o colo do híbrido.

— Okay, você não aguenta carícias inocentes muito tempo. — riu alto. Ele também sorria quando respondeu.

— Aguento sim. O só estava querendo um pouco mais de... Como é mesmo que você chama? — fingiu pensar — Ah sim, contato. Contato faz parte de um relacionamento, certo?

A loura confirmou, saindo de cima dele para deitar-se na cama, puxando-o para fazer o mesmo. Quando ele deitou-se de frente para ela, Care recomeçou o trabalho com a ponta dos dedos, passando-os agora por seu rosto todo: testa, sobrancelhas, bochechas, queixo. Vez por outra o via fechar os olhos, aproveitando o carinho.

— Você pode falar, fazer. Pode querer afeto e não apenas sexo. Pode falar o que te incomoda, e esperar cumplicidade. Isso tudo tem a ver com a liberdade de ter o outro, numa extensão tanto figurada quanto literal da palavra ter.

O viu assentir enquanto se aproximava mais. Seus lábios roçaram os dela em uma carícia suave antes de capturá-los. Era tudo tão lento e suave de um modo que nunca tinha sido. Ela sorriu, mesmo em meio ao beijo, quando ele puxou seu lábio inferior com os dentes. “Nem tão suave assim”, pensou achando graça.

Quando imaginou que ele aprofundaria o beijo o percebeu parar, voltando a fitar seus olhos.

— Talvez eu nunca consiga dizer as palavras.

Assim que ouviu, Care soube do que ele falava. “Eu te amo” era uma expressão difícil de ser verbalizada para varias pessoas e para Klaus bem mais. Era estranho e triste: havia vasculhado sua mente procurando por uma lembrança que adquiriu na mente dele em que alguém lhe dizia tal coisa, mas não encontrou. Pelo menos não antes de Hope. Talvez não tivesse tido acesso à lembrança ou simplesmente aquilo fosse realmente raro de acontecer. Devia ser complicado reproduzir algo que pouco ouviu.

— Não tem problema. Tá' tudo bem, mesmo. — sorriu — Sinceramente vou ficar bem mesmo que tenha que esperar para que isso aconteça ou mesmo que nunca aconteça. Mas como incentivo, também não vou dizer até que você diga.

— É justo.

— É justo.

— Então... — iniciou, ainda incerto — Você vai ficar.

Care sentou-se na cama como uma criança animada. Seu sorriso estava largo e seu cabelo graciosamente desarrumado quando respondeu:

— Na verdade, ficar não é bem a palavra. '