Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 26- Zero


Zero

A pior parte da velocidade com que as notícias ruins se espalham foi que eu não tive tempo nem de raciocinar sobre o áudio de Eros.

Não tive tempo para um: Eros está em perigo. Preciso ir até ele.

Não tive tempo pra raciocinar se aquela era uma despedida por vontade própria - se a mente dele tinha cedido às próprias paranoias - ou se finalmente tinham conseguido o pegar.

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Antes que eu ordenasse esses pensamentos, que eles se formassem em frases completas na minha mente, meu telefone tocou e eu atendi o mais rápido que minhas mãos tremendo permitiram.

— Al-

— Zero, o Eros tá com você? — Erick interrompeu. — Você sabe onde ele está?

— Não — respondi, a voz sufocada. — Não sei. Ele estava comigo, mas... — olhei ao redor, sentindo que o mundo estava me engolindo — foi embora.

— Ele me ligou, falou que me amava e desligou — Erick reclamou, antes que eu pudesse perguntar o porquê. — Filho da puta. Ele só fez isso uma vez antes e foi quando ele tentou se matar. Merda. — eu nunca havia ouvido Erick com raiva e sua voz agressiva contrastou com minhas lembranças do garoto inocente. Foi assim que eu soube que era sério. Lutei contra meus impulsos de entrar em desespero. — Merda, eu pensei que talvez você soubesse onde ele está, mas... Ok. Ok. Sem pânico — Erick reafirmou para si mesmo — Vou ligar para o papai. Você pode ver se acha ele? Em algum lugar que ele costuma ir, algo assim....?

— Posso. Só me liga se descobrir algo — falei, e Erick desligou imediatamente.

Em alguns minutos, Alice e metade da família de Eros estavam procurando por Eros enquanto Erick e eu buscávamos, no computador do Instituto, uma forma de rastrear seu celular.

Eu estava trabalhando a base do desespero, tentando me focar a pensar naquilo como uma tarefa mecânica, não como se estivesse procurando o amor da minha vida que havia acabado de desaparecer.

Amigo, me corrigi. Eros era só meu amigo.

Eu não conseguia suportar que, se algo tivesse acontecido, talvez nunca iríamos nos chamar de algo além de amigos. Ou andar de mãos dadas em público. Ou nos beijar no meio do cinema como casais apaixonados fazem.

Foco. Eu precisava focar. Não ajudava em nada ficar pensando no milhão de coisas que eu queria fazer com Eros se... quando acharmos ele.

Cada minuto que passava poderia ser o minuto decisivo para que "a tempo" se torne " tarde demais". Eu não podia deixar aquilo acontecer, mas estava me dissociando da realidade de maneira tão rápida que mal conseguia ser útil.

Eu e Erick estávamos na sala de informática debruçados em códigos, manuais de celular e senhas de Eros, mas não estávamos conseguindo rastrear seu telefone. Então lembrei do relógio.

Eros havia me dado um relógio que permitia que a outra pessoa, que estivesse com o receptor, me localizasse ou se comunicasse comigo em uma emergência. Tirei o relógio e fui correndo conectá-lo no computador para ver se encontrava uma opção de fazer o caminho reverso, se eu conseguiria rastrear o receptor.

Alguns minutos depois, consegui.

Algo em mim pareceu ficar mais leve enquanto eu, com as mãos tremendo de uma esperança que não estava ali antes, e os olhos arregalados, abria o mapa com a localização do relógio de Eros.

— Erick? — chamei, confuso.

— O que?

Apontei para tela.

— O Instituto. Eros está no Instituto.

Erick correu até o porteiro e pediu acesso às câmeras, mas ninguém havia o visto chegar ou transitar por aqui hoje.

Não, não, não. Ele precisava estar aqui.

Eu não conseguia acreditar na hipótese que Eros tinha simplesmente esquecido o relógio no quarto.

Ele não faria isso.

Claro, Eros era absurdamente esquecido e estava emocionalmente abalado quando fez as malas.

Mas Eros não esqueceria.

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Ele não poderia ter esquecido.

A localização não era exata, mas mostrava mais ou menos em qual prédio Eros - ou apenas seu relógio - estava. Sabia que seria em vão, mas chequei cada canto ao redor do maldito ponto no mapa do prédio dos dormitórios. Desmaiei em alguns cantos, sem saber se foi o esforço físico repentino ou o estresse ou o cansaço ou tudo isso junto.

Refiz meus passos.

Eros precisava estar ali.

Ele precisava estar ali e vivo, em algum lugar.

Mas não estava.

Eros não estava em lugar nenhum e eu nunca havia me sentido tão devastadoramente sozinho. Em cada lugar que Eros não estava, mais eu sentia como se estivessem me rasgando de dentro para fora.

A única explicação era que, em algum lugar nas coisas que Eros havia deixado no dormitório para pegar depois, estava o relógio.

Antes que eu fosse procurar o relógio para ter certeza, meu telefone tocou.

Eu queria não ter atendido. Queria não ter atendido e ficado ali por mais alguns minutos agarrado a ideia de que nada havia acontecido.

Mas eu atendi.

Alice chorava.

Alguns pontos pretos dançavam na minha visão.

O mundo girava e meu ouvido zunia tão alto que eu consegui captar apenas algumas palavras.

... acharam Eros...

...mãe dele ligou...

...morto...

...minha culpa...

...tarde demais.

Desliguei o telefone sem a deixar terminar de falar. Não consigo me lembrar de nada depois daquilo.

Sei que fiquei em silêncio. Que voltei até o quarto. Sei que Alice foi até lá falar comigo. Que Erick dormiu na cama de Eros naquela noite. Sei do que pontualmente aconteceu, mas não consigo me perceber como estando realmente lá experienciando os acontecimentos. Não consigo distinguir palavras ou sentimentos ou a sensação do tempo passando nas memórias das primeiras 12 horas que vieram imediatamente depois de Alice ter me ligado.

Não me lembro de ter chorado. Não me lembro de ter sentido ou pensado absolutamente nada a respeito. Não conseguia nem formular as palavras na minha mente.

Eros estava...

Não. Ele não poderia estar.

Quão estúpido era que a última coisa que eu te disse para ele foi "obrigado por sempre estar aqui"? Quão absurdamente irônico e estúpido.

Era de madrugada e o quarto estava silencioso. Erick dormia na cama do lado, na cama de Eros, porque não queria ficar sozinho.

Eu conseguia sentir meu corpo afundando no colchão, ameaçando me atingir com ondas de dor a qualquer movimento. Por quanto tempo eu estava deitado naquela mesma posição?

Estava frio. Estava frio e eu estava usando um casaco de Eros.

Meu coração estava fora de ritmo, embora eu soubesse que tinha tomado meus remédios. Meu peito, minha cabeça, meu corpo. Tudo doía.

Eu ainda estava dissociando, me afastando da realidade a cada oportunidade, mas havia conseguido me forçar a ter pensamentos coerentes e aquilo teria que ser suficiente.

Sentei devagar na cama, liguei o abajur, e passei o resto da noite processando todos os acontecimentos antes de hoje.

Minha memória era boa o suficiente para eu conseguir repassar cenas com todos os detalhes completos, como dar play em um filme. Eu conseguia pausar e voltar e olhar ao redor nos detalhes das memórias quantas vezes eu quisesse. Revivi tudo desde o início.

Passei pelo sumiço de Davi, e como ele desapareceu por dias antes de ter sido morto. Na mãe dele, que desapareceu logo em seguida, e sumiu do mapa. Provavelmente morta ou subornada. Em todas as pessoas que foram mortas por saber a verdade, verdade essa que veio em pedaços separados até nós. Em como a polícia e as autoridades não estiveram do nosso lado. Em tudo que abrimos mão e tudo que havíamos enfrentado para acabar... assim.

Tentei evitar as memórias só de Eros, mas elas estavam interligadas demais com o resto dos acontecimentos, como a maneira que ele estava encantadoramente lindo no dia do festival, dia em que ele tentou expor toda a verdade em rede nacional.

Eu sabia que Eros estava mal. Que ele havia sido expulso. Que havia apanhado e ainda por cima descoberto que seu próprio irmão havia tentado o matar e colocado a culpa em outra pessoa que realmente o amava. Sabia que a soma de todas essas coisas eram motivo o suficiente para ele surtar e tentar se matar e eventualmente conseguir.

Mas eu estava lá com ele na noite anterior, eu estava lá o segurando quando Eros estava no auge de seu pânico e em momento algum ele falou que queria morrer. Na verdade, Eros falou exatamente o contrário. Ele estava com medo de morrer. Eros havia me prometido... tanta coisa. Tanta coisa que ainda faríamos.

Uma hora antes do áudio, Eros estava comigo. E ele estava bem — ou o máximo de bem que se pode esperar com uma pessoa que está lidando com todas essas coisas.

Não. Eu tinha certeza absoluta que Eros não havia se matado.

Me lembrei levemente da conversa que tive com Alice, e ela parecia tão certa de que ele realmente havia sido ele, mas... foi isso que falaram sobre o que aconteceu com Davi também, certo?

Eros não havia se matado, Eros havia sido morto. Punido pelo que ele fez. Era estupidamente conveniente ele aparecer morto antes de poder continuar o que começou na televisão.

Ou talvez eu só não quisesse acreditar que Eros havia escolhido me deixar.

Talvez eu tivesse ficado tempo demais sem dormir e não estava funcionando direito.

O problema é que, uma vez que o pensamento passou pela minha cabeça, não consegui deixar para lá.

Pensei e pensei e pensei.

E então, como uma realização do que estava acontecendo apenas um segundo tarde demais, um pensamento horrível passou pela minha mente. Foi como passar meses olhando para um mesmo quebra-cabeça procurando incessavelmente a última peça para no final descobrir que ela estava em suas mãos o tempo inteiro.

Como pudemos ser tão estúpidos?

Mandei mensagem para Alice pedindo para me encontrar no salão de convivência assim que acordasse, e esperei o resto da madrugada, a cabeça rodando. Precisava que Alice acordasse logo, só ela conseguiria me ajudar a testar minha teoria.

Assim que amanheceu, comi apenas o suficiente para que eu não desmaiasse e fui até o primeiro andar esperar Alice nos sofás velhos do salão de convivência.

Levei um livro de física, novamente precisando ocupar minha mente com qualquer que não me deixasse surtar. Qualquer coisa que não fosse pensar em Eros. Segurando minha mão. Dormindo no meu colo. Chorando de madrugada. Rindo das minhas piadas.

Não.

Eu não poderia começar a pensar nele.

Eu não poderia começar a pensar em Eros porque sabia que desmoronaria no segundo que deixasse minha mente continuar vagando pelas nossas memórias.

Eu não sabia até quando eu conseguiria fingir que aquilo não estava acontecendo, fingindo que Eros apareceria daqui a pouco, que eu o consolaria e diria que estava tudo bem e que então realmente estaria tudo bem.

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Eros não poderia ter morrido antes de eu ter tido a oportunidade de dizer que o amo. Eu fui estúpido por achar que teríamos todo o tempo do mundo.

Antes que minha mente começasse a se afundar em pensamentos, Alice chegou.

Ela estava com o rosto inchado, provavelmente de chorar, e terrivelmente abatida.

— Você dormiu? — foi o que ela perguntou assim que me olhou.

— Não é importante — dispensei sua pergunta. — Eu preciso da sua ajuda com algo.

Alice sentou do meu lado, ainda de pijama, esperando que eu continuasse,

— Eu sei que você vai dizer que esse não é o momento para isso, mas eu te prometo que tem um motivo. Eu preciso refazer aquelas rotas que nem a gente tinha combinado.

Ela negou com a cabeça.

— Não. Não agora. Sem cabeça para isso, sinceramente.

— Alice, por favor. — implorei, a garganta fechando. Eu estava tão abalado que iria chorar apenas por ouvir um não? Talvez o choro reprimido apenas precisasse sair de alguma forma, mas respirei fundo. — É importante. Tem a ver... tem a ver com Eros... — murmurei, sentindo como se não tivesse forças para falar o nome dele em voz alta.

— E você vai me explicar o motivo ou...?

Ela parecia irritada comigo, e eu não sabia identificar o porquê. Ou talvez eu estivesse paranóico.

— Eu te explico no caminho. Por favor? — pedi novamente.

Toquei meu rosto, surpreso pelas lágrimas caindo sem motivo. Alice parecia surpresa também.

Por fim, ela suspirou e levantou. Pensei que estivesse indo embora, quando olhou para trás e perguntou:

— Você vem?

Alice dirigiu com todos os vidros abertos e esperou até chegarmos na auto estrada para falar algo, depois de alguns minutos sentindo o vento bater em nossos rostos.

— Escuta, Zero... A gente precisa conversar.

Assenti com a cabeça, subitamente nervoso. Alice continuou:

— Eu sei que concordei em vir até aqui e tentar te ajudar a descobrir a rota do esconderijo, mas... preciso ser sincera com você. Acho que isso já foi longe demais.

Desviei minha atenção para os prédios, evitando olhar Alice nos olhos.

— E o que isso quer dizer?

— Quer dizer que acabou, Zero. Eu sou sua amiga. Eu aindasou sua amiga, mas eu estou cansada disso. Das perseguições. Da adrenalina. Das ameaças, de fugir. A gente nunca vai chegar a lugar algum.

Não havia nenhum outro som além do barulho alto do vento passando pelas janelas. Minha nova descoberta, que eu estava esperando o momento certo para falar - ou melhor, mostrar - para Alice agora parecia mais um peso do que o alívio de achar que finalmente havia encontrado a resposta.

— Mas já chegamos em algum lugar. Estamos quase...

— Quase onde? — ela interrompeu. — Descobrindo a verdade? E depois? Ninguém vai ser julgado. Ninguém vai ser punido. O mundo é injusto e a gente não pode fazer nada a não ser aceitar. Se tivéssemos aceitado que somos insignificantes demais para fazer algo um pouco mais cedo, talvez Eros ainda estivesse vivo.

Eu não estava surpreso em saber que estava sozinho nessa, mas isso não queria dizer que doía menos.

— Eu não sei se você está certa, mas... — falei, a garganta apertada — você não acha que já fomos longe demais? Se a gente desistir agora, se a gente ignorar todas as pessoas que foram mortas injustamente e esquecidas, mesmo assim... será que eventualmente vamos ter paz? Ou será que vão nos perseguir e nos matar em um momento oportuno assim como fizeram com Eros?

— Eros se matou, Zero! — ela gritou, explodindo.

— Eros não aguentou tudo isso — falou — e preferiu morrer a continuar. Tá, talvez tenhamos ido longe demais. Acho que prefiro pagar para ver. Eu estou cansada disso, Zero. Cansada. Quanto mais a gente descobre, mais percebe que não pode fazer nada. Nos envolvemos porque eu havia perdido meu namorado. E agora eu perdi meu melhor amigo. E você... está se perdendo no meio de tudo isso, Zero.

—Eu?

Ela suspirou.

Lágrimas desciam de seus olhos, mas sua expressão era de raiva.

— Olha pra você, Zero! — gritou. — Não dormiu. Criou um milhão de teorias. Está se enchendo de café e não consegue nem aceitar que, não importa o quanto você negue e tente dizer que não aconteceu, Eros está morto. Morto. Eu não me importo se ele se matou, se ele foi morto, eu não poderia me importar menos. — ela soluçou. — Eros se foi. E você está tão apático a isso que me pergunto o quanto de você ainda sobrou.

— Para o carro — sussurrei.

— O quê?

Para o carro.

Alice deslizou o carro até o acostamento e eu imediatamente abri a porta e me debrucei para vomitar do lado de fora.

Ela estava certa. Eros estava morto. Não havia nada que eu pudesse fazer.

Eu estava tremendo tanto e não conseguia nem mesmo chorar.

Depois de alguns segundos ali parado, tremendo, senti a mão de Alice no meu ombro.

— Desculpa — ela murmurou. —Eu estou... eu acabei descontando em você e... — suspirou, sem saber o que falar. — Desculpa, sei que isso tá sendo difícil para você também.

Não respondi, apenas voltei para o lado de dentro do carro e bati a porta, descansando a cabeça contra o vidro e fechando os olhos. Senti o vento do carro em movimento logo em seguida.

Alguns minuto depois, Alice sussurrou:

— Chegamos.

Abri os olhos para ver o posto de gasolina abandonado. Me lembrei, contra a minha vontade, de Eros aparecendo lá aquele dia para me salvar.

Eu e Alice havíamos combinado de ir até lá e tentar seguir a direção contrária do caminho que eu tinha feito do local até ali. Quando tentei fazer o caminho no mapa, havia chegado em um ponto no meio da floresta, e eu não sabia onde tinha errado. Peguei o caminho onde anotei as curvas da estrada, e fomos seguindo. Fui guiando Alice, sentindo a tensão em meus ombros aumentar e apertando minha blusa com a mão enquanto eu me lembrava a sensação de estar amarrado, machucado e sozinho, fazendo esse mesmo caminho no dia em que me levaram.

Andamos por alguns minutos e então, ao olhar para o papel, fiquei confuso. Alice diminuiu a velocidade.

— Eu estava certo — sussurrei.

— O quê?- ela perguntou.

— Alice, eu sei onde errei. Vira a esquerda.

Ela hesitou.

— Mas esse é o retorno.

— É.

— Tem certeza?

Assenti.

— Tenho.

Fiz o resto do caminho exatamente como me lembrava e então... lá estava.

O lugar onde eu havia sido levado quando me sequestraram. O lugar onde haviam matado Davi. A base secreta do mal que nos perseguia.

E também o lugar que eu estudava.

O caminho dava voltas, voltas e voltas. Pegava o retorno e chegava ao Instituto.

Eu tremia.

— O que...? — Alice parecia confusa.

Balancei a cabeça, incrédulo.

— Procuramos todo esse tempo pensando que o Instituto estava encobrindo algum tipo de organização criminosa, mas... o Instituto é a organização. Foi esse caminho, Alice. Era aqui que eu estava. E era aqui que todos nós estávamos, procurando desesperadamente algo que estava debaixo dos nossos narizes.

— Mas... — Alice hesitou. — Mas é o Instituto. Os prédios... estão ocupados. São onde dormimos e temos aula e almoçamos. Não tem nenhum prédio vazio.

— O subsolo — chutei. — Lembra da sala de cinema? — perguntei. Alice concordou. — Não é esquisito que as câmeras tenham parado de funcionar exatamente no caminho que levá até lá? E que aquele armário na salinha tampe uma outra entrada trancada? Você lembra disso?

— Lembro. Então...

— Então devem haver passagens para o subsolo que a gente não conhece. Eles devem ter parado de usar quando Eros descobriu o local, mas devem ter outras. Quem sabe algumas da sala da diretoria, do prédio da administração. Alice, Eros não se matou. E ele também não esqueceu o relógio no dormitório. Eu o localizei pelo relógio, e ele está aqui. Eles o mataram. Bem aqui. Bem embaixo dos nossos pés.

— Estava aqui — Alice sussurrou. — O tempo todo. — ela soluçou. — O tempo todo que passamos procurando Davi e...

Fui mostrar a Alice a localização de Eros no prédio, e então, assim que peguei o relógio, senti que o mundo havia girado repentinamente.

Pisquei os olhos algumas vezes.

Talvez eu estivesse alucinando.

— Alice. Alice. — repeti, mesmo ela tendo ouvido da última vez. Segurei em seu braço porque senti que ia desmaiar. — Alice, o relógio piscou. Alice!

— O que isso significa? — perguntou, nervosa.

Encarei novamente o relógio, meu coração batendo tão forte que poderia sair do meu peito.

— Você está vendo piscar também?

— Sim, Zero. Eu estou vendo. O quê significa?

E então, como se não conseguisse acreditar nas minhas próprias palavras, sussurrei:

— É Eros. Ele está vivo.

Eu não falei nada, mas Alice entendeu, e concordamos em silêncio:

Precisávamos encontrá-lo.