Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 27- Zero


Zero

Depois que descobrimos que Eros ainda estava vivo, tudo que fiz foi pensar em uma forma de trazê-lo de volta.

Eu não conseguia lembrar como era antes de ter esse zumbido constante no meu ouvido. Dizem que ficar sem dormir pode provocar alucinações- talvez seja isso.

Eu não havia dormido desde o dia que Eros sumiu. Eu não me importava, estava ocupado demais para dormir ou me importar.

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Cuidadosamente e com toda a minha concentração, montei um plano para trazer Eros de volta. Sabia que cada minuto era crucial, mas eu não podia apressar. Não poderia arriscar dar errado.

Embalagens de comida, latas vazias de energético, seringas de insulina e caixas de remédio estavam espalhadas pelo chão do quarto. Eu deveria estar horrível, mas não tinha tempo para me preocupar com aparência enquanto chamava Alice para ir até o dormitório falar comigo.

— Zero, você sabe que eu não posso ir até aí — reclamou.

— Mas você já veio até aqui escondida antes.

— Me dá um bom motivo para eu arriscar ser suspensa só pra você não sair do quarto.

Ela tinha um ponto, mas eu não sabia se conseguiria sair do quarto e encarar outras pessoas, especialmente porque os milhões de amigos de Eros haviam decidido falar comigo para me dar os pêsames ou perguntar como eu estava. Eu fervia de raiva todas as vezes que isso acontecia e mal sabia explicar porque, então estava evitando os corredores. Maldito Eros amigo de todo mundo. Maldito Eros, impulsivo e inconsequente e irritante. Eu faria de tudo para tê-lo de volta.

— Zero? Você tá aí? — a voz de Alice no telefone me puxou para a realidade novamente. Eu não percebi que estava me perdendo nos pensamentos; estava fazendo muito isso ultimamente.

— Eu preciso falar com você em um lugar que não dê para outras pessoas ouvirem — me justifiquei.

— Eu marquei horário hoje em uma das salas de música. Me encontra lá.

Ela desligou antes que eu pudesse falar que não.

Antes de sair, me olhei no espelho, e imediatamente me arrependi. Minhas olheiras estavam fundas e arroxeadas contrastando com as veias vermelhas que apareciam nos meus olhos. Além disso, reparei que havia perdido peso. Eu não sentia nada além daquela urgência de resolver as coisas, mas meu estado físico era um alerta de que eu estava pior do que me deixei acreditar que estava.

Respirei fundo e aceitei que, querendo ou não, teria que encarar o lado de fora do quarto.

As salas de música eram um dos únicos locais em que se podia ficar sozinho. Eu sempre ia junto com Eros quando ele ia ensaiar algo. Ficava o dia inteiro ali, ouvindo Eros repetir a mesma música no piano, voltando do início toda vez que errava. Parte de mim sempre torcia para Eros errar e alongar nosso tempo lá, eu com meus livros de física e Eros com o piano, apenas existindo juntos por horas a fio. A memória doía tanto que parecia estar me rasgando. Tudo me lembrava dele.

Encontrei Alice na sala sentada na cadeira do piano, mexendo no celular.

— Eu não sabia que você tocava — comentei, colocando minha cadeira do lado dela e observando as teclas do teclado, reprimindo as memórias de Eros.

— Eu não toco. Só queria ficar sozinha um pouco.

Soltei uma risada baixa.

— Algum aluno de música está sem ensaiar agora porque você queria um tempo pra ficar sozinha?

— O que você queria falar comigo? — Alice mudou de assunto. — Conseguiu achar algo que nos ajude a chegar até Eros?

Assenti.

— Eu tenho um plano. Mas vou precisar da sua ajuda e... provavelmente do Erick.

Alice deixou o celular de lado e olhou para mim.

— Envolver ele nisso... não acho que é uma boa ideia. Eros odiaria.

— Eu sei Mas... se eu quiser trazer o Eros de volta... — suspirei. — Não sei se temos escolha.

— E qual é o plano?

— Lembra quando cortaram a luz naquele dia? Pra impedir o Eros de falar?

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Alice assentiu.

— Eu estava pensando... se ficarmos sem luz de novo, não tem como nos vigiar pelas câmeras. Não dá pra saber onde ninguém está. Só precisamos de uma distração grande o suficiente, e aí a gente tenta entrar pela entrada da sala de cinema.

— O que? — Alice me interrompeu. — Você quer simplesmente ir até

lá, pegar Eros e o que, sair correndo?

— Não! Posso terminar de falar? Confia em mim. Eu pensei nisso. A gente só precisa entrar escondido em silêncio no meio do apagão, gravar alguns vídeos do local, qualquer coisa que prove que Eros não estava doido sobre o que falou na TV, e sair antes que nos percebam. Vai ser terrível sair sem Eros, mas provavelmente eles estão o mantendo em um local protegido. Não conseguiríamos fazer isso sozinhos, mas quando tivermos provas concretas... bom, a gente tem duas opções.

— Que são...?

— Postar os videos na internet. Falar que Eros está em perigo. Ir até a polícia, confiar que pressão pública vai ser o suficiente para eles invadirem o local. Basicamente, continuar o plano de Eros.

— E a outra? — perguntou, curiosa.

— Negociar. Eles me dão Eros, e eu apago as provas. A gente esquece tudo isso, contando que nos deixem em paz.

Alice pareceu surpresa.

— Mas as outras pessoas... Isso significaria que qualquer que seja o tipo de atividade criminosa e nojenta que acontece por aqui continuaria, certo? Os alunos continuariam morrendo. Não. Eu comecei isso porque queria vingar a morte de Davi, porque queria respostas concretas sobre o que aconteceu. Não consigo deixar isso pra lá.

Eu dei de ombros.

— Você prefere vingança ou ter Eros de volta vivo?

Alice fez silêncio por uns segundos.

— Os dois. Eu quero os dois.

— Eu também — concordei. — Mas, se eu tiver que escolher, não vou pensar duas vezes.

Eu odiava ter me tornado essa pessoa egoísta o suficiente a ponto de deixar as coisas do jeito que estão, colocando em risco milhares de pessoas, em troca de alguém que amo, mas sabia que, se chegasse a isso, eu faria o que tivesse que fazer.

— Mas como vamos desligar a energia? — Alice mudou de assunto, tentando tirar o clima pesado.

— Essa é a parte difícil — admiti.

— Todas as partes são "a parte difícil" — corrigiu.

— Eu vou precisar da ajuda de Erick. Ele entende muito mais de eletricidade do que eu. E vamos precisar desativar os geradores também, sem que eles percebam, e de forma que não consigam consertar rápido. Minha sugestão é a gente se separar. Eu vou desativar os geradores, Erick corta e a energia enquanto você distrai os seguranças. Depois disso, a gente só precisa se encontrar na sala de cinema, e tentar destravar aquela porta- tenho quase certeza que ela leva pra onde queremos ir. Estava contando com você para pensar numa distração.

Alice pensou por uns segundos.

A ideia era assustadora e tornava estranhamente real o que estávamos fazendo, quebrando um monte de regras e leis.

Alice pareceu triste de repente. Ela olhou para baixo, e então respirou fundo.

— Zero, se não der certo... — falou, baixo.

— Vai dar certo — interrompi.

— Mas se não der certo, se algo acontecer com algum de nós... — ela me olhou, e então desviou o olhar — Saiba que eu adorei te conhecer. E que eu fico feliz que Eros achou você. É bom ter um amigo próximo assim quando as coisas ficam pesadas.

Eu não deveria ter ficado surpreso, mas fiquei.

— Você me considera um amigo próximo?

Ela soltou uma risada levemente triste.

— Pelo amor de deus, Yan, quantas vezes eu vou ter que repetir? Olha o tanto de coisa que a gente já passou junto.

Olhei para baixo.

— Eu pensei que... você só me aturava por causa do Eros...

Alice foi até mim e me abraçou de lado.

— Se você falar mais alguma coisa desse tipo, eu vou ser obrigada a te agredir.

Eu encostei minha cabeça no ombro de Alice, e ela continuou falando.

— Você e Eros foram as pessoas que mais me apoiaram quando o Davi morreu. Eu sempre penso como estiveram dispostos a, antes que isso se tornasse um problema de todos nós, investigar isso comigo. Às vezes... me sinto culpada. Nada disso estaria acontecendo se eu tivesse pedido para vocês deixarem para lá, mas a morte de Davi me deixou tão abalada que eu só sabia que precisava saber da verdade.

Me afastei de Alice um pouco.

— Eu não me arrependo — afirmei.

— De que?

— De nada disso. De nada do que a gente fez. Coisas terríveis aconteceram, mas nenhuma delas foi nossa culpa. Nós fizemos a coisa certa em investigar e, por causa disso, muitas coisas boas aconteceram também. Como nossa amizade, como eu ter me apaixonado Eros. Se bem que... — soltei um riso baixo — acho que eu teria me apaixonado por ele de um jeito ou de outro.

Alice revirou os olhos.

— Grudentos.

Eu sorri.

— Mas, de qualquer forma, nada disso foi perdido — continuei. — Nosso plano vai dar certo e Eros vai voltar vivo. E esse Instituto vai pagar pelas coisas que fez.

Alice assentiu.

Eu odiava o fato de que, não importava o que falássemos, tudo parecia uma despedida.

Combinamos de colocar o plano em prática à noite, assim que eu falasse com Erick. Antes de eu sair da sala, Alice me chamou:

— Zero, promete que vai dormir antes.

Assenti, mas ela me conhecia o suficiente para saber que eu não conseguiria dormir nem se tentasse.

Chamei Erick até o nosso quarto e lhe contei o máximo que achei que podia. Ele só confiaria em me ajudar se soubesse o porquê.

Ele estava sentado na cama de Eros, o celular com o jogo ainda rolando, mas ele nem olhava para tela mais. Havia parado assim que percebeu que o que eu estava falando era sério, mas estava em choque demais para desligar a tela.

Eu não contei que Eros poderia estar vivo. Parecia cruel demais o dar esperanças sem saber o que aconteceria. Tudo aquilo era cruel demais e, não importava o quanto eu suavizasse, ainda me sentia culpado por estar o contando.

Erick concordou em ajudar, o que, ambos me confortava e me aterrorizava. Eu precisava garantir que Erick, mais do que eu ou Alice, estivesse a salvo.

— Escuta... Erick, eles não podem saber que você sabe. Se formos pegos pelo Instituto, você vai falar que eu te obriguei. Fala que a morte de Eros me instabilizou, eu comecei a delirar e te ameacei se você não fosse nos ajudar. Entendeu?

Ele pensou um pouco.

— Mas... o que acontece com você se formos pegos?

Balancei a cabeça.

— Eu não sei. Mas eu preciso que você consiga continuar como se não tivesse nada a ver com nada disso. Consegue fazer isso?

Erick hesitou.

— Eu não sei se conseguiria te culpar.

— Erick, eu não conseguiria conviver comigo mesmo se achasse que fui culpado por algo acontecer com você. Estamos lidando com pessoas perigosas. Você não pode se envolver demais. Promete que vai fazer o que eu pedi.

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Ele assentiu, quieto.

Combinamos um horário e então estava feito. Nenhum de nós pretendia voltar atrás.

Aquilo acabaria essa noite.

A madrugada chegou tão devagar quanto poderia. Eu evitava pensar no que Alice havia dito.

Se der errado...

Não. Não iria dar errado. Iríamos conseguir juntar provas o suficiente para trazer Eros de volta.

Coloquei um capuz preto, e escondi a maleta de ferramentas dentro da mochila. O Instituto inteiro ficava silencioso nas madrugadas e o barulho das minhas rodas passando pelo chão pareciam mais altos do que deveriam. Por sorte, eu sabia exatamente quais caminhos fazer para evitar ser visto pelas câmeras.

Nos encontramos na entrada do outro prédio, eu, Alice e Erick. Eu havia levado a arma que Eros havia roubado, embora não soubesse bem como usar. Torci para não precisar.

Nos conectamos em uma chamada em grupo, escondendo os fones. Nos encaramos em silêncio, assustados e energéticos, a adrenalina fluindo por nós três, e então assentimos. Não precisamos falar nada; sabíamos exatamente o que fazer.

Eu e Erick nos escondemos atrás das árvores da floresta que cercava o campus. Observamos enquanto Alice caminhava até a portaria. A instalação elétrica ficava a apenas alguns metros, mas tinham alguns seguranças ali, além dos seguranças da entrada.

— Desculpa incomodar essa hora... — Alice foi até o porteiro falando, com a voz sonolenta e assustada.

— Senhorita, você deveria estar em seu quarto. A circulação do lado de fora é proibida depois da meia noite.

— Eu sei, eu sei mas... — ela arregalou os olhos, tremendo. — Acho que tem alguém do lado de fora do meu quarto. — Ela apontou para as janelas do dormitório feminino. — Eu estava indo dormir e vi alguém ali... — Alice fingiu que estava chorando. Fiquei surpreso com o quão convincente ela estava sendo.

— Eu não posso resolver muita coisa por você, mas os seguranças...

Alice soluçou.

— O senhor pode ir comigo até lá? Eu... vim correndo até aqui. Estou com medo de ir falar com os seguranças sozinha.

O porteiro foi com Alice, a levando até os seguranças. A garota começou a gesticular com os seguranças, os distraindo. A tensão aumentava em meus ombros enquanto eu pensava no que estava prestes a acontecer.

Enquanto falava com o porteiro, Alice derrubava algo de sua garrafinha de água na frente da cabine. O isqueiro parecia mais pesado do que deveria em minha mão.

Erick esticou a mão, mas eu não entreguei o isqueiro de primeira. Ele puxou, mas eu segurei, hesitando. Senti que estava cometendo um erro, mas deixei Erick pegar o isqueiro, já que eu com minha cadeira de rodas provavelmente não conseguiria ser lá muito discreto.

Erick foi andando ao redor da floresta, escondido entre as folhas e camuflado pelo escuro da noite. E então, com as mãos tremendo, ele acendeu o fogo, que entrou em contato com a gasolina e queimou, inesperadamente rápido, iniciando a segunda parte da nossa distração.

Erick se escondeu enquanto os seguranças corriam até lá.

O plano era irmos diretamente até a instalação elétrica, mas, assim que Erick começou a correr até mim, sua blusa prendeu em um galho. Um dos guardas olhou para trás.

O garoto congelou no lugar.

O segurança pareceu não o ver diretamente no meio da escuridão e da fumaça, mas continuou olhando, procurando a fonte do barulho.

— Alice — sussurrei, torcendo para ela estar prestando atenção na chamada. — Erick ficou preso. Precisamos de algum barulho para ele conseguir se soltar.

Eu não conseguia ir ajudar- minhas rodas nunca conseguiriam passar por aquele terreno. A única esperança era Alice que, assim que me ouviu, se encostou na estátua dos diretores antigos que ficava na portaria e, então, fingindo que estava assustada por causa do fogo, tropeçou e derrubou uma delas, gerando um estrondo que Erick usou como distração para se soltar do galho.

Os dois guardas haviam saído, provavelmente ido pegar um extintor, mas não sabíamos quanto tempo o fogo manteria eles distraídos.

Eu e Erick conseguimos chegar até a instalação elétrica, mas a quantidade de fios e botões e aparelhos era desorientador. A fumaça deixava minha garganta apertada e meus olhos ardiam.

— A gente não tem muito tempo — avisei a Erick. — Eu vou desligar os geradores. Você acha que consegue cortar os fios a tempo?

Erick me olhou, ainda assustado, em silêncio.

— A gente consegue — o encorajei, ao invés de esperar por sua resposta.

Eu precisava não só desligar os geradores, mas os danificar de forma que eles não conseguissem facilmente religar. Ouvi o barulho de uma sirene, e sabia que teríamos pouco tempo até que os bombeiros resolvessem a situação. Precisávamos desligar a energia e fugir a tempo, ou seríamos pegos.

— Não vai dar tempo — Erick murmurou.

Eu sentia a mesma coisa. Sentia que havia acabado, que havíamos falhado. Não calculamos quanto tempo teríamos e a tarefa à frente era mais difícil do que imaginávamos. Eu consegui desligar e danificar os geradores, mas Erick ainda mexia nos fios, desesperadamente.

— Precisamos cortar os fios ao mesmo tempo ou eles vão chegar aqui antes que a gente consiga desligar tudo — avisou. — Eu posso só desligar, mas aí eles conseguem facilmente vir aqui e religar. Não sei se vai adiantar.

Eu sabia que precisava tomar uma decisão, e rápido.

— Alice? Cadê você? — perguntei, no fone.

— Consegui fugir no meio da confusão. Indo para a sala de cinema.

— Vamos desligar a energia geral — falei, para Erick. — e depois colocar fogo nos fios depois que estiver desligada. Não temos tempo pra nos preocupar com o que danificar e o que não.

Erick estava tremendo, e ambos estávamos estranhamente consciente do que estávamos fazendo. Eu me sentia tão terrível quanto poderia; me sentia errado. Sabia que depois disso, não havia como voltar atrás. Mas também havia cansado de ser cuidadoso, cansado de jogar leve, de observar de longe. Era a hora de agir.

Toda aquela raiva me motivou a, de uma vez, desligar toda a energia do Instituto.

O escuro era pior do que imaginei que seria. Todas as luzes se apagaram de uma vez, dos três prédios. A única fonte de luz era o fogo que, aos poucos, sumia.

Nos misturamos aos alunos que haviam saído de seus dormitórios para ir ver o que estava acontecendo e entramos no prédio novamente.

Erick havia me prometido que iria voltar até o dormitório, então o deixei sozinho e fui encontrar Alice na sala de cinema. No caminho, dava para ver apenas o monte de lanternas de celular das pessoas que estavam acordadas, assustadas com o fogo ou com a queda de energia. A fumaça se espalhava pelo lado de fora, mas era longe o suficiente para que não chegasse ao lado de dentro do Instituto.

Senti meu corpo relaxar, agradecido por conseguir respirar de novo.

Antes de entrar na sala de cinema, me permiti olhar pela janela, o fogo se apagando, a escuridão tomando conta do lugar e senti uma súbita determinação passar pelo meu corpo, como um pico de adrenalina se espalhando. Se nos pegassem, estava acabado. Mas estávamos tão perto de conseguir. Eu estava tão perto de assegurar que Eros estaria de volta comigo, são e salvo.

Entrei na sala de cinema da forma mais discreta que consegui e tranquei a porta atrás de mim. Alice nos esperava em pé na sala menor, que acreditávamos ser um depósito.

Ela havia arrastado os móveis e, assim como esperávamos, havia uma porta no lugar. A porta abria por código, pelo que parecia, mas o monitor de digitar estava desligado por causa da falta de energia.

— Eu não acredito que vocês conseguiram — Alice sussurrou. A única luz ali era a lanterna do celular da garota. — Agora só precisamos abrir a porta. O que você acha que vamos encontrar?

— Não sei — respondi, sinceramente. — Tenho medo de saber.

Eu entendia agora porque eles tinham tantos geradores e porque havia a necessidade de seguranças perto dos fios elétricos. As travas eram eletrônicas. Sem energia, tudo que precisamos fazer foi abrir a porta. Diante de nós, uma escada nos encarava, descendo até o subsolo. No final da escada, não conseguíamos ver nada, apenas escuridão. Lá também estava sem luz.

Havíamos conseguido. Cada passo sucedido era um pouco mais perto que eu estava de ter Eros de volta. De desmascarar o Instituto. De terminar tudo isso.

Antes que pudesse comemorar, ouvi o barulho de alguém forçando a porta de fora.

— Ah não... — Alice murmurou.

Olhei para as escadas.

— Vai. Se esconde lá.

— Mas... — ela hesitou. — E você?

Consegui ouvir o barulho da porta se rompendo. Ouvi também passos indo até a nossa direção.

— Vai! — insisti. — Se não tudo isso vai ter sido para nada, Alice.

— Zero...

— Eu vou ficar bem — os passos chegaram mais perto. — Agora corre!

Alice me abraçou, tremendo, por mais tempo do que deveria. E então

desceu as escadas, sumindo na escuridão.

A porta de onde eu estava abriu, e me vi de cara com Luciane.

Meu coração doía, pensando que Alice agora estava lá explorando o desconhecido e a incerteza do que estava prestes a acontecer me manteve imóvel.

Luciane me encarou por uns segundos, observando a situação.

— Na minha sala agora — falou. Apesar de tudo, parecia calma.

A segui, tremendo. Ela não falou uma palavra. Eu não sabia se estava prestes a ser expulso ou morto. Não sabia se ela estava com eles ou não.

A ansiedade subia pela minha garganta e eu mal conseguia pensar em nada.

Entramos em sua sala em silêncio, iluminados apenas por algumas luzes de emergência.

Ouvi o barulho da porta trancando nas minhas costas e, assim que me virei, Luciane sorriu.

Todo o meu corpo ficou gelado ao ver que ela apontava uma arma para mim.

— Você acha que eu sou burra? — falou, baixo.

Luciane agarrou meu cabelo e bateu minha cabeça contra a parede. Antes que eu pudesse registrar completamente o que havia acontecido, ela chutou a roda da minha cadeira, me derrubando no chão e apertou meu pescoço com o pé enquanto eu me debatia e lutava por ar.

— Está me ouvindo? — continuou. — Você não passa de um pirralho ingênuo se achou que poderia nos atrapalhar.

Eu não conseguia respirar. Pensei em Alice e em Erick. E em Eros. Alice conseguiria fazer aquilo sozinha. Não importava mais. Ela poderia ter me pego, mas Alice já estava lá. O plano continuava, com ou sem mim. Havíamos falhado, mas ainda havia esperança. Foi com essa esperança que me permiti fechar os olhos, parando de lutar contra a sensação de estar sendo sufocado.

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Deixei ir. Me deixei desmaiar. Deixei que o peso de todos os acontecimentos me atingissem de uma vez, a suposta morte de Eros, o incêndio que havíamos causado, o fato de que Alice estava arriscando a vida nesse exato momento, ou o fato de que o próprio Instituto, o local que, por muitas vezes foi minha maior fonte de orgulho, era exatamente o causador de todas essas mortes e que agora eu seria mais um nas mãos deles. Senti tudo de uma vez, e então deixei ir, perdendo a consciência.

Quando acordei, antes de abrir os olhos, senti gosto de sangue na boca. Eu estava com frio, mas havia algo me envolvendo. Algo quente, familiar.

Tentei levantar, mas o mundo pareceu girar ao meu redor.

— Você acordou...

Era a voz de Eros.

Mas não poderia ser ele. Não poderia ser-

— Shh, está tudo bem — ele falou, acariciando meu cabelo. — Você estava tremendo de frio, então eu te coloquei no meu colo. Você já chegou aqui com febre, Zero, há quanto tempo estava mal assim?

Senti a mão de Eros encostar na minha testa. Era seu toque suave e sua voz e seus olhos, mas eu não conseguia acreditar que Eros estava ali, na minha frente. Eu estava sentado em seu colo, com a cabeça apoiada em seu pescoço. Era tudo tão familiar que parecia um sonho.

Consegui me esforçar a sentar, encarando Eros, incrédulo. Coloquei o rosto dele em minhas mãos.

— Você está vivo.

Ele sorriu.

— Você sabia que eu estava.

Neguei com a cabeça.

— Que tipo de alucinação cruel é essa?

Reparei no rosto de Eros sangrando. Ele tremia enquanto me segurava.

— Eu preferia que fosse uma alucinação — Eros murmurou. — Não acredito que te pegaram também. É tão terrível que tenham te colocado na mesma cela que eu apenas para que pudéssemos ver o fim um do outro.

Seu tom de voz era tão sombrio que doía.

Olhei ao redor, e imaginei que estivéssemos no subsolo, em uma espécie de cela improvisada. Tirando as grades, parecia com o local que haviam me levado da última vez.

— Eu vou tirar a gente dessa, Zero — Eros falou, embora eu não conseguisse ver determinação em seu olhar. Ele parecia apenas exausto, lutando para sobreviver. — Eu não sei como, mas vou. Eu prometo.

Eu não sabia se ele conseguiria manter sua promessa. Ao que tudo indicava, havia acabado. Estávamos os dois presos ali e eu não conseguia ver nenhuma possibilidade de sobrevivermos àquilo, mas, mesmo assim...

— Eu estou tão feliz — murmurei. — Por poder te ver de novo.

Eros olhou para o teto, desviando o olhar do meu, e soluçou, deixando as lágrimas caírem.

Eu o observei, memorizando seus traços, seus cabelos caindo nos ombros e seus braços que não haviam deixado de me segurar, seus machucados e marcas e lágrimas, e eu o amava tanto. Sabia que havia sido sortudo por poder ter o amado assim.

Alguns minutos depois, Eros disse:

—Eu tenho tanta coisa pra te contar. Eu descobri, Zero. Descobri porque tudo isso aconteceu. — ele soltou uma risada amarga — Finalmente achei as respostas que queríamos.

E então, antes que eu pudesse perguntar, Eros olhou para frente, o lado contrário de onde eu estava virado para ele.

—Você conta ou eu conto? — perguntou.

Quando virei para ver com quem Eros estava falando, não consegui acreditar que ali, do outro lado da cela, estava...

Henrique?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.