Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 23 [Parte 2] - Eros


Eros

Enquanto andava com Luciane até sua sala, fiquei estranhamente consciente do quanto eu odiava o escuro, imaginando todos os desastres que poderiam acontecer antes que eu os visse .

Vez ou outra, quando eu piscava os olhos, via de relance a estação de trem abandonada onde Wendy havia sido morta, como se eu, por uma fração de segundo, fosse teletransportado de volta para aquele momento.

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Eu não deveria ter sido pegado tão desprevenido: eu sabia que perguntariam sobre Wendy. O Instituto claramente me instruiu a ir até a entrevista e negar o envolvimento deles com o assassinato de Wendy - falar que eu não os culpava pelos assassinos serem professores de lá, que eu não guardava mágoas. Era aquilo que eu deveria fazer: limpar a imagem deles, afinal, eu fazia parte do maior e único escândalo que eles haviam se envolvido.

Ou, pelo menos, o maior até hoje.

Eu havia pensado cuidadosamente sobre expor tudo que aconteceu comigo, com Zero e com Alice — o desaparecimento de Davi, as ameaças, o sequestro de Zero, tudo. Sabia que Zero me odiaria, sabia que eu estaria arriscando muito mais do que deveria, e que as coisas raramente voltariam ao normal. Eu sabia disso, mas achei que estava preparado para as consequências.

Não estava.

Não sei se foi o clima bom do evento- se foram as meninas do teatro contando piadas, rindo enquanto me ajudavam a escolher uma roupa. Se foi me olhar no espelho e me enxergar daquele jeito - prestes a aparecer na TV, com roupas que, anos atrás, mal ousaria usar em público. Quando vi o glitter na minha bochecha, pensei que, se beijasse Zero, talvez ele ficasse brilhando também. Sorri sozinho imaginando a cena. Eu estava quase... feliz?

Talvez tenha sido Zero me esperando, usando meu moletom rosa claro - ele raramente usava cores claras. Estava lindo. - que combinava com o vermelho da cadeira de rodas e dos óculos, me olhando daquele jeito, como se ele não se lembrasse que existia qualquer outra pessoa no mundo além de nós.

Acho que foi o beijo de boa sorte. Acho que foi o fato de ele ter me beijado primeiro.

Mas, no meio disso tudo, minha mente se distraiu das coisas ruins. Se distraiu da realidade.

Então quando as perguntas começaram...

Fui pego de surpresa. Puxado à força para o mundo real.

As perguntas me desestabilizaram tanto que mal consigo lembrar as palavras exatas do que falei à repórter. Tudo que sei é que eu havia sido interrompido por uma queda de energia. E que eu não havia terminado, eu tinha tanta coisa para falar

Mas não dava mais tempo, e eu tinha certeza que nunca mais teria outra oportunidade.

O olhar duro de Luciana quando eu cheguei em sua sala confirmava essa sensação.

— Isso é inaceitável — Luciane falou, irritada — Espalhar calúnias assim, manchando a imagem do Instituto desse jeito! Principalmente porque essa era sua única chance de salvar sua vaga aqui, participando do Festival. Ou você se esqueceu dessa parte?

— Então vocês realmente não sabiam do que eu falei lá ? — perguntei, sabendo a resposta verdadeira. — É um pouco difícil de acreditar. Vocês me pediram para ir lá e falar a verdade. Não foi? Foi o que eu fiz.

Eu já imaginava que seria expulso, de qualquer forma. Não tinha muito a perder.

Ela ficou em silêncio por alguns segundos. Muitos segundos. Até que disse:

— Em respeito à sua família, que tem um histórico antigo com esse Instituto, e do seu irmão, professor contratado daqui, se você desmentir publicamente as informações, não tomaremos medidas legais. Caso contrário, espero que você contrate um bom advogado. Sua matrícula e sua carteirinha vão ser canceladas. Espero que tenha valido a pena cancelar seu vínculo com essa Instituição a troco de espalhar informações falsas.

— Eu...

— Você tem dois dias para limpar seu dormitório e sair— ela me interrompeu, e abriu a porta para mim, em silêncio.

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Enquanto eu andava até o dormitório, as luzes se acenderam novamente — o que era péssimo, porque meus olhos estavam vermelhos e ardendo, e eu segurava um braço no outro enquanto tentava, com todas as minhas forças, não chorar.

Expulso!

Eu me sentia terrível por achar que aquela era a pior coisa que poderia acontecer - eu sabia que não era- , mas, de alguma forma, parecia que todo meu mundo havia se despedaçado. Todo o meu futuro.

Eu não fazia ideia de como seria minha vida se eu não fosse mais aluno dali. Construí metade da minha personalidade baseado em ser bem sucedido - sempre conseguir as melhores notas, aprendi diversas coisas desde tocar piano e violino até pintar e lutar e praticar esportes e tudo mais que eu pudesse fazer para que as pessoas olhassem para mim e vissem alguém digno de ser admirado.

Eu gostava de dizer que estudava no Instituto Newton: as pessoas imediatamente me olhavam diferente. Apesar disso, eu sempre me senti horrívelmente burro. Pelo menos, com o sucesso externo, as pessoas não achavam o mesmo. Talvez eu tenha apenas me convencido a acreditar que eu conseguiria manter a imagem de garoto perfeito para sempre. A verdade é que agora eu era só mais um adulto desempregado e traumatizado.

Zero me esperava no quarto, e, assim que o vi, todas as minhas inseguranças pareceram aflorar. Mais uma vez, as circunstâncias cruelmente me mostraram que Zero era tudo que eu queria ser: inteligente, controlado. Responsável. Ele iria ficar porque, diferente de mim, conseguia tomar decisões racionais, porque não era tão estúpido e inconsequente. Zero era tão melhor que eu em tudo.

—Eu sou tão estúpido — murmurei, ainda segurando o choro, enquanto entrava, indo direto até a mala que eu havia guardado em cima do guarda-roupa.

A joguei no chão bruscamente, e Zero se encolheu, levando um susto. Segurei o choro tão forte que senti que minha garganta estava se fechando.

— Eros... — ele chamou, me olhando de longe.

Eu tirei todas as minhas roupas dos cabides e das gavetas, espalhando elas pelo chão, chorando em silêncio enquanto processava o fato de que estava arrumando as malas para ir embora.

Não iria mais ser aluno do Instituto. E também não iria morar mais ali, com Zero. As únicas partes boas da minha vida estavam ali, se desfazendo, enquanto eu me preparava para ir embora.

— Você não precisa ir agora... — Zero sussurrou.

— E o que eu devo fazer, ficar aqui mais dois dias contemplando minha própria estupidez? Contemplando que arrisquei tudo por algo que deu errado? Ou esperar até você começar a me dar um sermão sobre como eu sou burro? Porque eu já ouvi isso vezes demais de você!

Eu só percebi que estava gritando porque Zero gritou de volta.

—Bom, talvez se você pensasse por dois segundos antes de fazer qualquer coisa!

Ele parecia cansado, ou talvez com dor. Zero não era de perder a calma fácil, então talvez ele estivesse mesmo.

Talvez estivesse só cansado de mim.

— Eu pensei que... — respirei fundo. — Eu estava desesperado, Zero. Todos os dias, todos os dias, eu vou até o quadro de aviso e olho os novos anúncios de pessoas que saíram, escritos iguaizinhos ao do Davi. Quantas delas realmente saíram e quantas estão mortas? Quantas pessoas estão morrendo enquanto a gente senta aqui e não faz nada porque não quer se arriscar? — eu não queria gritar. Mas não conseguia me acalmar.

Quanto mais eu falava, mais Zero se irritava comigo.

— Você está sendo injusto dizendo que não fizemos nada! Nós estávamos tentando! Nós tínhamos um plano, Eros. Primeiro arrumaríamos uma prova concreta, e depois iríamos expor a história! Você não deveria ter...

— Eu sei disso! — interrompi. — Eu sei, mas eu não consegui... eu... — sentei na cama, tremendo. Solucei, a vontade de chorar finalmente vencendo. — Quantas daquelas pessoas não vão ver mais suas famílias, assim como eu nunca mais vi Wendy?

— Eros, você se arriscou demais! — Zero posicionou a cadeira na minha frente, me olhando nos olhos, com raiva. — Você tem que parar de achar que seus atos não têm consequências, ou que você é imortal ou algo do tipo! Você acabou de expor pessoas que sabemos que são poderosas, sem provas concretas, e agora espera que aconteça o que? O que porra eu vou fazer da minha vida se acontecer algo com você, Eros? Todas as vezes que você sai de perto de mim, meu coração se aperta pensando se eu vou conseguir ver você de novo. E o que acontece agora, Eros? Agora que você já fez essa merda gigante e ainda foi expulso? O que acontece com você? — ele abriu a boca para falar algo, mas desistiu. Então abaixou os olhos e embolou: — O que acontece com nós dois?

Cruzei os braços, irritado.

— Por que eu sou o errado aqui? Segundo você, eu não sempre fui egoísta e mimado? Então porque quando eu faço algo tentando ajudar outras pessoas, eu que estou errado?

Ele me olhou, as sobrancelhas juntas, incrédulo, numa expressão quase de ódio.

— Eu não ligo por quem seja, você não pode arriscar a própria vida e achar que eu vou te aplaudir por isso!

— Pensei que fosse você o Senhor Perfeito que se importava com todo mundo!

— Mas eu me importo mais com você! — ele explodiu, gritando tão alto que tudo que pude fazer foi ficar em silêncio.

Nos encaramos sem dizer uma palavra. Eu não sabia se Zero queria me beijar ou me socar - ou os dois.

Ele se afastou e deitou na cama. Ao contrário da minha expressão emburrada, Zero apenas me observou atentamente, a expressão distante, enquanto eu arrumava as malas, guardando cada tela não terminada, juntando todos os lixos que deixei espalhados pelo chão, colocando tudo que era meu em uma mala e algumas mochilas.

Apagando minha existência daquele quarto.

No meio de todas essas coisas ruins, ir embora brigado com Zero era a última coisa que eu precisava, mas, em algum momento entre nossa briga e terminar de fazer as malas, Zero havia caído no sono, e eu estava com pena de acordá-lo.

Escrevi um bilhete e deixei na capa do livro que ele estava lendo.

" Desculpa sair sem me despedir, eu só não acho que aguento ficar aí encarando tudo que tive que deixar para trás

Foi legal dividir esse quarto com você. E foi legal dividir esses momentos com você.

Não sei o que acontece agora, mas espero que isso não mude seus sentimentos por mim. Certamente não muda os meus por você.

Eu sei que você odeia ligações, mas me liga quando acordar, ok?

Eu vou ficar esperando"

Se eu soubesse o que aconteceria, teria o acordado e resolvido as coisas. O dado um abraço de despedida - ou até um beijo, se ele quisesse.

Se eu soubesse, teria ficado mais um pouco.