Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 12- Eros


Eros

Menos de 24 horas depois de termos decidido ir juntos à minha casa no final de semana, Zero decidiu que era uma péssima ideia. Admito, talvez o fato de eu ter escondido o pequeno detalhe que eu morava um pouco longe tenha colaborado para essa decisão.

—Eros, você não pode estar seriamente sugerindo que a gente vá para a porra do Rio de Janeiro assim, do nada! São umas boas horas de viagem. Sem condições! — Reclamou.

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Quando olhei para sua expressão, percebi que ele estava genuinamente com raiva.

—Porra, Zero, você acha que eu quero ir até lá? Eu não suporto aquela casa. Ou minha família, para constar. Mas você sabe que precisamos de um lugar e um computador confiável.

Zero estava sentado na beirada da cama, me olhando enquanto eu arrumava o cabelo, e balançando os pés de nervoso. Sempre deixávamos para discutir as coisas de noite, quando estávamos sozinhos. Aquilo, de uma forma engraçada, me lembrava um casal de idosos.

—E seus milhões de amigos que moram, tipo, não no fim do mundo? — perguntou.

Respirei fundo.

—Eu vou repetir: confiável. Ou você quer que eu chegue em alguém e fale: "Ei, cara, posso ir aí na sua casa usar seu computador? Eu só não posso falar para quê, mas tirando isso, nada suspeito".

—E Alice? — Insistiu.

Eu estava ficando cada vez mais frustrado.

—Seria uma ótima opção se pelo menos a casa da irmã dela tivesse um computador, né. E eu já te perguntei duas vezes se não tem como você inventar algo para tirar sua madrasta de casa e você disse que não nas duas vezes. A gente teve essa exata mesma conversa umas mil vezes nas últimas vinte e quatro horas! Eu já te respondi essas coisas Zero! — Falei, irritado. — E a gente não vai estar saindo de férias ou sei lá o quê. Você sabe muito bem que se a gente conseguir acessar aquele celular e descobrir algo que pode ter potencialmente matado Davi só por ele saber, vamos estar fodidos de qualquer forma. Do que importa se for aqui ou à alguns quilômetros de distância?

Eu percebi o quão insensível eu estava sendo no momento em que as palavras saíram da minha boca. Também percebi o quanto tudo aquilo era assustador.

Zero deitou na cama e virou de costas, murmurando:

—Apaga a luz quando for dormir.

—Ei? — Chamei, e ele ignorou. — Desculpa. Isso está sendo estressante para mim também. Eu não quis-

—Tá bom, Eros — me interrompeu.

Respirei fundo, levantei e sentei devagar na cama de Zero, esperando ouvir um "sai! " agressivo ou qualquer coisa do tipo.

Ele continuou em silêncio.

—Eu sei que foi insensível o que eu falei — murmurei, culpado. — E que estamos todos em uma posição difícil. Eu sinto muito, de verdade. É só que... você continua falando e falando sobre como essa é uma péssima ideia, o que eu sei que é, mas me parece que nenhum de nós tenha escolha. Eu queria que tivéssemos. Eu queria... sei lá, ignorar tudo, mas sabemos que chegamos longe demais. Não acho que nenhum de nós conseguiria dormir em paz sabendo que tivemos uma chance real de descobrir a verdade e desperdiçamos.

Zero talvez tenha percebido o quanto eu estava igualmente nervoso, porque virou devagar, me encarando com uma certa compaixão, apesar do olhar chateado.

Ele se mexeu um pouco, como se fosse sentar na cama, mas logo deitou novamente, incomodado. Zero apertava sua blusa com a mão, o que eu sabia que fazia com estava com dor. Não questionei.

—É que... — murmurou, me olhando desajeitado. Parecia não saber exatamente se falar.

Eu me empurrei para trás, encostando na parede, me acomodando sentado na cama agora que vi que ele não iria me expulsar. Zero encolheu as pernas para haver espaço para nós dois.

Ele suspirou, frustrado, ainda tentando achar as palavras.

—É meio estranho, não é? — Falou, por fim. — Quer dizer... é difícil tentar seguir normalmente com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Eu só não sei o que pensar. Se eu pensar demais, me apavoro. Se eu pensar de menos, sinto que estou me alienando aos fatos — Ele suspirou. —Sinto falta de quando Davi ainda estava aqui e quando minha maior preocupação era se eu conseguiria ficar acordado até o final da aula, e não se estamos sendo seguidos nos corredores ou se vamos precisar nos preocupar com sobreviver— ele se encolheu e olhou para baixo. Murmurou tão baixo que quase não consegui ouvir: — Eu nunca mais me senti seguro em lugar nenhum.

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—Eu nem sei mais como é a sensação tem pelo menos uns 4 anos— respondi, soltando uma risada baixa de nervoso.

Aquele era um sentimento que eu conhecia muito bem. Qualquer barulho alto fazia eu me encolher um pouco, qualquer agitação no ambiente me fazia procurar pela porta ou saída mais próxima como se eu precisasse desesperadamente fugir. Tenho vivido assim faz tanto tempo que mal lembrava mais como era antes.

Pela expressão que Zero fez, assumi que ele sabia ao que eu estava me referindo. Considerando que eu estava envolvido em, consideravelmente, o maior escândalo que esse Instituto já se envolveu, era justo de assumir que basicamente todo mundo sabia. Mesmo assim, me senti compelido a falar sobre, e nem sei dizer porquê.

Eu nunca havia tentado conversar sobre o incidente com ninguém que não fosse a psicóloga que fui obrigado a ir logo que aconteceu. Eu já havia tentado falar sobre. Com amigos antigos meus, com Alice, com minha irmã mais velha. Mas as tentativas sempre acabavam comigo tremendo, chorando, e não conseguindo pronunciar palavras ou formar frases.

Tentar desabafar era inútil e eu já havia aceitado que teria que carregar aquilo sozinho.

—Pelo menos a gente pode confiar um no outro — Zero murmurou, sonolento, já fechando os olhos.

Saí da cama de Zero devagar, e fui dormir, com medo dos pesadelos novamente, mas me sentindo levemente confortado pelo que Zero havia dito.

Apesar de o assunto parecer ter sido resolvido, parecia que toda vez que em que estávamos no mesmo ambiente, aquilo surgia. Eu e Zero ainda tínhamos um milhão de coisas para resolver durante o resto da semana. Começando por como iríamos.

—Eu odeio aviões — falei. — Sem aviões.

—E você acha que eu tenho dinheiro para comprar uma passagem de avião? — Zero retrucou. — Em que mundo você vive?

Dei de ombros.

—Ônibus, então — falei.

O que nos levou para o início do problema novamente, com Zero questionando se não tínhamos outra opção que não envolvesse ter que viajar para tão longe.

—Cara, qual é o real problema? — Perguntei, o interrompendo.

Zero ficou em silêncio. Estávamos no refeitório, almoçando, e ele encarava o prato de comida em silêncio.

—Eu nunca... — murmurou. — Eu não acho que eu gosto da ideia de... — Zero gaguejou, se embolando nas palavras. Então revirou os olhos, como se desistisse. — Eu não gosto de incomodar. Não quero ser um peso. Você acha que vai ser fácil viajar de ônibus comigo? Que é só comprar a passagem e ir? Eu simplesmente não posso só sair, só decidir algo e aí depois ir. Não faz diferença que o motivo seja importante. Eu ainda preciso ir no médico, ver se está tudo bem para eu poder viajar, conseguir o contato de algum hospital ou médico lá para o caso de emergências, achar a receita de todos os meus remédios, achar um local para carregar a maldita insulina, — Zero estava falando embolado e rápido, quase com raiva. — e me certificar de levar todos os remédios porque eu posso literalmente ter uma porra de um ataque cardíaco a qualquer momento se meu coração decidir que não quer mais colaborar comigo, ou se alguma coisa interferir no meu CDI ou... e se acontecer uma emergência e eu estiver sozinho num lugar desconhecido? Ou... — ele mesmo se interrompeu, os pensamentos embolados — Você sabe como é difícil embarcar num ônibus ou avião com uma cadeira de rodas? Eu-

—Ei, ei — o interrompi. Zero parecia estar ficando mais ansioso quanto mais falava. — Só... respira um pouco, ok? — Ele assentiu, parecendo se dar conta de como tinha disparado a falar, e abaixou a cabeça, envergonhado. Eu me sentia estúpido por não ter pensado em nenhuma dessas coisas antes. E não fazia a mínima ideia de como acalmá-lo ou do que dizer. — Cara, nenhuma dessas coisas é incomodar. Quer dizer... deve ser cansativo para você, nem imagino como. Mas não precisa... tipo, ficar com medo de incomodar.

Pensei por uns segundos em algum tipo de meio-termo e então disse:

—Bom, a questão da rodoviária acho que é fácil de resolver. A gente pode pegar carona com o Hugo. Eu só achei melhor evitar porque... bem, você sabe.

—Hugo no caso... seu irmão babaca? Espero que isso não te ofenda, mas é que ele realmente é um babaca.

Eu soltei uma risada de nervoso.

—Não ofende. Na verdade, acho que nunca concordei tanto com algo que você falou. Ele está doido para eu ir lá um final de semana, então tenho certeza que levaria a gente. O lado bom que Erick pode ir junto e ele está doido para visitar nossos pais.

—Uma viagem em família — Zero concluiu.

— Uma viagem em família onde vamos passar seis horas dentro de um carro ouvindo coisas homofóbicas e insultos — falei, rindo.

Zero balançou a cabeça como quem não sabia se ria junto ou ficava triste por mim.

—Além do mais, — continuei, — eu posso te ajudar a arrumar as coisas e se certificar que nada ficou para trás. Você desesperado no meio da viagem não vai ser legal para nenhum dos dois, então... — dei de ombros.

Zero estreitou os olhos.

—Sabe, Eros, é muito engraçado o quanto você arruma um monte de desculpas idiotas para esconder o fato de que é uma pessoa legal para caralho.

—O quê? — Falei, rindo. — Você está me elogiando ou me ofendendo?

Zero abriu um sorriso, mas não respondeu.

—Só vamos terminar de comer, a próxima aula já vai começar.

Tínhamos poucos dias até o final de semana. Era uma viagem longa, que Hugo geralmente fazia de avião, mas ele faria tudo pelo prazer de me humilhar na frente dos nossos pais.

Fui até Hugo e disse que iria com ele para casa, e levaria Erick, com a condição de que Zero fosse junto. E de que ele nos deixasse em paz durante o caminho.

— Deixa as reclamações que você tem contra mim para fazer em casa — falei. — E em hipótese alguma ouse falar algo ruim sobre o Yan. Não esquece que ele é seu aluno e eu posso usar isso contra você. Quer dizer, ofender um aluno não sairia muito bem para sua carreira, certo?

Hugo não disse nada, o que assumi que era um "vou deixar vocês em paz". Mas eu também sabia que isso não duraria muito, e torci para a presença de Erick, que ele odeia um pouco menos que eu, amenizar a situação.

Alice pensou em ir junto, mas Hugo só voltaria na terça, o que significaria um dia de aula perdido, e ela já havia faltado o suficiente. Eu não sabia se estava feliz em não estar arrastando mais uma pessoa para todo aquele drama familiar ou se ficava inseguro de não tê-la comigo. Prometemos ligar para a garota e mandar atualizações o tempo todo, o que ela constantemente me relembrava.

—Se você me deixar de fora de algo tão importantemente tenso, Eros, eu juro que corto sua cabeça quando você voltar — falou. — E não se mete em problema.

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—Alice, essa viagem essencialmente significa se meter em problema.

—Não se mete em mais problema, então.

Ela parecia uma mãe preocupada comigo, o que era injusto porque ela deveria estar preocupada com si mesma. Estávamos todos com medo do que acharíamos se Zero conseguisse acessar o celular- e sobre o que faríamos se ele não conseguisse. Não havia saída boa ou tranquilizadora.

Tentei cumprir minha promessa de que ajudaria Zero a se organizar, mas Zero era bom em organizar, e eu era a bagunça em pessoa. A única coisa na qual consegui ajudar foi ligar para os hospitais que ficavam perto da minha casa e conseguir alguma informação. Embora eu não tenha feito quase nada, Zero me agradeceu umas cinco vezes.

—Essa é a pior parte, na verdade — falou. — Porque significa interagir com outro ser humano. Eu odeio ligações. Que tipo de pessoa gosta de ligações?

—Tá bom, agora você só está me ofendendo. Ligações são ótimas, muito melhor que mensagens. É um contato mais direito, sabe? Parece que você está mais perto da outra pessoa.

Zero me olhou como se eu tivesse falado algo absurdo.

—Eu não vi nenhuma vantagem. Enfim, obrigado por ter ligado para o hospital para mim.

Dei de ombros.

—Tudo bem. Mas agora que eu sei que você odeia ligações, vou te ligar para tudo que precisar falar ao invés de mandar mensagem, só para te irritar.

Zero riu.

—Você não consegue ficar um minuto sem me perturbar, não é?

Na sexta-feira de madrugada, algumas horas antes do horário em que combinamos de nos encontrar com Hugo no estacionamento, Zero estava no quarto embolado entre um milhão de remédios, seringas e bulas. Eu até estava tentando ajudar, mas não sabia o que eram metade daquelas coisas, o que só resultou em eu sentado no chão mexendo nas coisas de Zero e perguntando "O que é isso? ", "O que isso faz? ", "Para que esse remédio serve? ".

Eu estava mais atrapalhando do que ajudando. Zero não parecia irritado, apesar disso. Na verdade, ele parecia achar absolutamente engraçado o quão curioso eu estava. Toda vez que ele me contava para que servia uma coisa diferente, eu soltava um comentário propositalmente bobo, como quando ele começou a animadamente me contar sobre como sua cadeira de rodas foi feita especialmente para ele, e eu murmurei:

"Isso é tipo a Ferrari das cadeiras de rodas", e Zero riu e disse:

—Vroom vroom, filhos da puta.

Naquele ponto, eu estava convencido de que conseguíamos conversar sobre literalmente qualquer coisa no mundo.

Estávamos os dois ansiosos, no pior sentido da palavra, então talvez aquela tenha sido nossa forma de deixarmos a tensão de lado um pouco.

—Tá, eu vou checar pela última vez se está tudo aqui — Zero falou. — Estamos quase atrasados.

Eu soltei uma risada.

—Como assim quase atrasados? Falta uma hora e meia! O atraso só começa a contar, pelo menos, vinte minutos depois da hora combinada. Antes disso é chegar cedo.

Ele me olhou e revirou os olhos.

—Como eu não adivinhei antes que você era carioca?

Eu não fazia ideia do porquê, mas em algum momento da nossa conversa, eu havia deitado no chão, esticado brincando com uma seringa. Eu conseguiria facilmente me distrair com qualquer coisa, mas, agora que faltava apenas uma hora para sairmos, e olhando para a seringa de insulina, eu lembrei de algo que estava enrolando para dizer.

—Zero? — Chamei. Ele estava sentado na cama olhando uma lista com todos os remédios que tomava e conferindo as quantidades de insulina que precisaria levar. Me olhou de canto de olho, distraído.

—O quê?

—Eu estava querendo perguntar uma coisa para você, na verdade. Quer dizer, sei que já fiz milhões de perguntas, mas essa aqui é importante.

—Não, você não vai morrer se acidentalmente se furar com isso. Está vazia — falou, apontando para a seringa na minha mão e rindo.

—Para! — Reclamei, sorrindo. — Não, é sério dessa vez. Juro. — Me levantei do chão, sentando de frente para a cama onde ele estava. — Eu só queria saber se... se tem algo muito urgente que eu posso fazer se acontecer algo com você, sei lá. Eu sei que não vai acontecer nada, mas...

Ele deu de ombros, mas agora prestava atenção em mim.

—Você não precisa se preocupar com isso.

—Quer dizer... eu sei que você é ótimo em se virar sozinho — afirmei. — Se tivesse um teste de "pessoa mais irritantemente independente", você tiraria 10. Eu sei. Mas não quero ser a pessoa que poderia ter feito algo para ajudar e não fez. Além do mais, você é meio que meu melhor amigo no momento. Não é meio... importante eu saber?

—Se eu precisar da sua ajuda em alguma emergência, eu vou gritando as instruções como se a gente tivesse desarmando uma bomba — brincou. Eu não tinha certeza se ria ou não. — Se vai limpar sua consciência, eu vou te mandar o número do meu médico e qualquer você só liga para ele e diz "Ei, cara, tô um pouco desesperado aqui" — falou, imitando minha voz com um sotaque carioca carregado que eu nem tinha.

Eu ri e revirei os olhos.

—Bom o suficiente, eu acho. Mas não pense que eu não vou jogar o nome de todas essas coisas que você me mostrou hoje no google, porque eu totalmente vou.

—Você já sabe mais do que deveria, de qualquer forma — Zero disse. — Tipo, você sabe o suficiente para me matar se quisesse.

—É, acho que esse é um ponto positivo — falei, e tenho certeza que ele teria jogado um travesseiro em mim se eu não estivesse com uma seringa na mão.

—Espera aí — Zero falou, depois de alguns segundos. Erguei uma sobrancelha. — Você disse que eu sou seu melhor amigo?

—Você deve ter ouvido errado — menti.

—Não, não. Eu ouvi certo, tenha certeza.

Dei de ombros.

—Não me lembro de ter dito isso aí não.

—Não se preocupa, você infelizmente é meio que meu melhor amigo também.

—Eu já disse que não me lembro de ter isso — repeti, sorrindo.

Zero soltou uma gargalhada e eu levantei, me alongando e percebendo que eu não havia nem trocado de roupa para ir ainda, e que estava morrendo de sono.

Hugo não poderia ter escolhido um pior horário para viajar do que às cinco da manhã, mas eu não estava bem em posição de reclamar.

Fui até o banheiro e coloquei a roupa que havia separado: uma blusa branca e uma saia xadrez azul-clara, combinando com uma jaqueta também azul do New York Yankees.

Eu não gostava tanto assim de saias, mas era o tipo de roupa perfeita para irritar meu irmão. E meus pais.

—Eu pareço uma mistura de jogador de futebol de filme teen hétero e aquelas meninas de anime — falei, saindo do banheiro.

Zero me olhou de cima a baixo, e parte de mim estava com medo de ele ter uma reação ruim. Eu conseguia suportar comentários parcialmente homofóbicos da minha família, mas seria uma facada no coração isso vir de Zero. Não que eu estivesse 100% seguro na minha teoria de que ele era hétero.

—Você daria uma ótima garota de anime e um ótimo jogador de futebol de filme americano— falou, rindo. — O sonho de toda pessoa bissexual.

Resolvi mudar minha porcentagem para "40% de chance de ele ser hétero".

Puxei a saia para baixo, tentando ficar o menos desconfortável possível e apenas falei:

—Vamos?

Era esquisito passar pelo Instituto naquele horário, as luzes apagadas e todo aquele silêncio. Como observar uma cidade abandonada. Enquanto segurava nossas malas, observando os corredores vazios, eu tive uma sensação esquisita, quase uma nostalgia. Como se estivesse realmente indo embora. Fugindo. Talvez eu quisesse fugir.

Suspirei, tentando não me sentir miseravelmente infeliz, e nem pensar que teria que encarar minha família em algumas horas.

Assim que chegamos no estacionamento, Erick me viu e sorriu, olhando para saia, como se soubesse que eu havia feito de propósito para irritar. Hugo estava no volante, ajustando algo no painel.

Fez uma careta assim que me viu.

—Você não vai ir assim — falou.

Eu balancei a saia de um lado para o outro.

—Bonita, né? — Respondi, sorrindo.

Ele cruzou os braços e repetiu:

—Você não vai ir assim, garoto. Vai trocar essa saia antes que eu arranque ela de você.

Peguei as malas que estavam na minha mão e joguei no porta-malas aberto. Sentei no banco da frente do carro em silêncio e suspirei:

—Vai ficar aí esperando? Estamos atrasados.

Zero olhou para mim e soltou uma risada baixa.

—Ei! — Erick reclamou — Eu quero ir na frente.

Levantei as mãos para o alto, como se agradecesse.

—Ótimo. Bom que você está disposto a fazer esse sacrifício por todos nós.

Hugo revirou os olhos.

—Você está fazendo muitas piadinhas para quem vai ter que contar para nossos pais sobre a quase-suspensão e sobre tudo que você anda aprontando. Na verdade, — continuou — eu vou ter o prazer de contar.

Respirei fundo.

"Sem brigas" implorei para mim mesmo.

Ajudei Zero a dobrar sua cadeira de rodas para colocarmos na mala, agora que eu sabia como dobrar uma cadeira de rodas depois do tour que Zero havia feito comigo mais cedo.

—Pelo menos ele está se concentrando em implicar comigo e fingir que você não existe — murmurei para Zero.

Zero me olhava como se ele mesmo quisesse pedir desculpas pela minha família. O fato de que minhas mãos estavam tremendo muito mais do que o normal também não me ajudava a parecer calmo.

Por fim, nos acomodamos no carro- Erick na frente do lado de Hugo, eu no canto do banco de trás e Zero no outro canto, o assento do meio vazio entre nós.

Eu e Zero imediatamente pegamos os celulares, mas Erick começou a tentar puxar assunto com Hugo. Ele era bem tímido, mas um tanto falante com quem conhecia. Eu só não entendia como ele poderia não odiar completamente Hugo.

—Como vão as suas aulas? Você vai dar aula para mim ano que vem, né? — Perguntou, olhando para Hugo com os olhos arregalados.

Implorando por atenção.

—É — Hugo falou, desinteressado, e ligou o rádio do carro em uma estação qualquer.

Tirei os fones de ouvido, tentado a falar "Erick, desiste enquanto ele é indiferente a você. Poderia ser pior", mas sabia que aquilo começaria uma discussão inútil.

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— Você viu que fizemos as provas para a Classificação? Eu espero que eu me saia bem — continuou. Começou a tentar contar sobre suas aulas, e foi interrompido:

— Erick, vai dormir ou sei lá — Hugo reclamou, aumentando o volume do rádio. — Você faz muito barulho.

Erick se encolheu no assento e olhou para frente, decepcionado. Ele costumava ser assim comigo, gostava de falar e me encher de perguntas, e me seguir por todos os cantos. Mas, depois do que aconteceu com a Wendy, nos afastamos.

Éramos como um trio, nós três contra o mundo. Mas quando nos tornamos apenas dois...

Não sei, talvez eu tenha me afastado de propósito de todo mundo que esteve na minha vida antes daquilo. Talvez vê-lo ali, tentando conquistar a atenção de outra pessoa, agora que não éramos mais próximos como antes, me fazia sentir extremamente culpado.

Queria que Erick soubesse que nada mudou. Queria que ele soubesse que ele é tudo que me resta no mundo e que eu explodiria em pedaços se alguém ousasse o magoar.

Mas não sabia como dizer isso, então apenas cutuquei o banco da frente onde ele estava sentado.

Erick olhou para trás e eu sorri.

— Quer ir naquela cafeteria que costumávamos ir? — Perguntei. — Quando chegarmos.

Ele parecia levemente surpreso, mas assentiu, sorrindo. Eu teria tentando conversar mais, mas o som insuportável do rádio tocando as notícias e o barulho do vento das janelas abertas não permitia. A presença de Hugo também era bastante desconfortável, ele parecia ficar irritado com o simples fato de eu estar sendo legal com Erick.

Me virei para Zero, que olhava pela janela distraído. O Sol parecia estar surgindo bem ao fundo, mas ainda estava escuro o suficiente para que desse para ver algumas estrelas. Imaginei que era isso que Zero estivesse olhando.

A cidade adormecida, prestes a acordar, e as poucas luzes acesas iluminando alguns pontos específicos, como os vidros do carro ou os olhos azuis de Zero, faziam tudo parecer solitário e estranhamente pacífico.

Zero me viu o observando, e tirou um dos fones de ouvido, disfarçando um pequeno sorriso sonolento.

—O quê? — Perguntou.

Pensei: seus olhos são lindos. Da cor do céu minutos antes de amanhecer.

Sorri de volta e disse:

—Nada.

Ele me olhou por mais uns segundos, como se tentasse decifrar o que eu estava pensando, mas tudo que passava pela minha cabeça era que eu nunca pensei que fosse desejar que o motivo do meu coração estar batendo forte fosse a ansiedade.

Comecei a mexer no celular antes que começasse a pensar demais- e eu tinha muitas coisas para pensar. Começando pela minha mãe, passando por minha família desastrosa e terminando em eu e Zero, atravessando um estado para tentar hackear um celular.

Apenas peguei meu celular e comecei a ler os artigos que a professora havia enviado, tentando fazer aquele tempo valer de alguma coisa, e balançando a perna nervosamente. Felizmente, ao ver que estávamos todos em silêncio, Hugo desligou o rádio.

Quando o céu começou a clarear, e eu parei de prestar atenção no celular para olhar pela janela, não pude deixar de reparar que Zero parecia extremamente desconfortável e um pouco mais pálido que o normal, o rosto coberto de suor apesar do frio. Mantinha os olhos fechados, mas parecia que não estava dormindo. Apertava a blusa discretamente.

—Ei? — Chamei. — Zero?

Ele estava com os dois fones de ouvido, então estiquei a mão e coloquei em seu braço devagar. Zero levantou o rosto devagar, parecendo sonolento.

—Te acordei? — Perguntei, baixo. — Desculpa.

Zero balançou a cabeça negativamente.

—Não. Não acordou.

—Tá tudo bem?

Ele assentiu com a cabeça, mas se remexeu no assento e respirou fundo.

—Você é um péssimo mentiroso — insisti. — O que foi?

—Não é nada. Só... desconfortável. — Zero passou a mão pelo cabelo, afastando os cachos da testa suada. — E um pouco enjoado.

Reparei que ele estava com o rosto apoiado na janela, batendo a cabeça levemente toda vez que o carro se movia um pouco mais forte, e o ombro virado um pouco demais na tentativa de deitar sem ocupar o espaço do banco do meio.

—Eu não acho que essa posição esteja ajudando — comentei. Dei um tapinha no meu ombro e depois olhei de volta para ele. — Vem pra cá.

Por trás da leve expressão de dor de Zero, eu poderia jurar que vi um pouco de vergonha.

—Não precisa ficar tímido só porque eu sou essa pessoa intimidadoramente incrível — brinquei.

—Cala a boca, Eros — respondeu, segurando uma risada, mas se moveu até o banco do meio e deitou a cabeça no meu ombro.

Os óculos dele continuavam apertando meu braço e não deixando que ele realmente encostasse o rosto em mim, e Zero parecia tímido o suficiente para ficar naquela posição esquisita ao invés de se acomodar.

Foram uns dois minutos desconfortáveis até que eu decidisse passar meu braço por trás de suas costas e o puxar delicadamente para perto.

Pensei que ele fosse falar algo, mas Zero apenas se deixou cair para o lado e acomodou o rosto no meu peito.

—Seus óculos estão me machucando — sussurrei.

Ele os tirou devagar, sem nem abrir os olhos, e pendurou na blusa.

—Seu irmão não vai ficar nada feliz quando perceber — Zero murmurou.

—Melhor ainda.

Ele riu, baixinho.

Eu me senti estranhamente consciente de quão perto estávamos. Da minha mão em suas costas, dos cachos bagunçados de Zero tão perto do meu rosto. De como eu conseguia sentir ele respirando e de quão confortável e estranhamente bonito Zero parecia ali, caindo no sono deitado no meu peito, enquanto o Sol nascia na janela do carro.

Peguei o celular e mandei uma mensagem para Alice:

"É difícil continuar evitando pensar sobre certas coisas quando você tá preso num carro com elas

Principalmente quando a tal coisa na verdade é uma pessoa que claramente deveria ser grande demais pra se encaixar tão bem no seu abraço, mas não é"

Ela respondeu:

"Eros, são 6 da manhã de sábado, sem enigmas

Você tá falando do que eu acho que tá?"

Tirei uma selfie desajeitada de eu e Zero, que já estava dormindo tão pesado que nem mesmo se mexeu. Mandei para Alice com a legenda:

"Tipo, meu braço tá dormente e eu nem me importo"

Reencaminhei a foto para Zero ver quando acordasse, mas dessa vez escrevi:

"Se você acabar babando na minha blusa enquanto dorme, eu juro que vou fazer você lavar".

Na barra de notificações, consegui ver um monte de mensagens de Alice, como "Que fofos" seguido de um "!!!" e várias outras mensagens cheias de exclamações e afirmando que ela disse que sabia que estava certa, e que nossos filhos teriam cabelo cacheado e loiro, ao que eu apenas ignorei todas as mensagens para dizer: "Isso não é biologicamente possível", antes de desligar a tela do celular e encostar a cabeça nos cachos de Zero para tentar dormir um pouco também.

Não queria admitir para Alice e dar a chance de ela provar que estava certa, e talvez não estivesse pronto para admitir para mim mesmo também.

Mas também não neguei.

Hugo havia ficado quieto, mesmo depois de eu ter o visto nos olhando de cara feia pelo retrovisor. Talvez ele estivesse apenas cansado, ou esperando o momento certo para descontar todas as suas reclamações. Erick dormia no banco da frente e eu eventualmente peguei no sono também.

Estava tudo estranhamente pacífico até o momento que Hugo resolveu parar o carro para descansarmos, num estacionamento de uma loja de conveniência, depois de longas 3 horas na estrada.

—Vamos comer alguma coisa — falou. — Eu preciso de cafeína.

Enquanto Zero acordava, sentando no banco novamente, eu não pude deixar de rir de seu rosto marcado das texturas do meu casaco.

—O quê? — Perguntou.

Coloquei a mão em seu rosto para mostrar onde estava marcado, mas, antes que eu pudesse falar qualquer coisa, Hugo interrompeu:

—Vocês realmente precisam fazer isso? — Reclamou.

O olhei, sem entender bem.

—O quê?

—Eu deixo você e seu namorado aleijadinho aqui virem comigo e ao invés de você me agradecer por ser um bom irmão, tudo que faz é ficar se agarrando com ele sem nenhuma vergonha na cara e usando essa roupa de mulherzinha. Não dá para agir que nem um ser humano decente por um mísero segundo?

— Sabe, Eros... — Zero falou, irritado, olhando para mim — Eu estou realmente tentando não ofender seu irmão porque acho que vocês já têm drama familiar o suficiente, mas está ficando cada vez mais difícil.

Ele nem se importou em falar baixo. Queria mesmo que Hugo ouvisse.

—Garoto, escuta aqui — Hugo disse, se direcionando a Zero. — Acho melhor você ficar bem quietinho. Eu não me importo se você é meu aluno ou não, eu juro que te deixo aqui no meio do nada. Vocês dois! — Olhou para Erick — Merda, vocês três, se for preciso.

Eu havia jurado que não iria dar corda a qualquer briga, mas quando vi já estava gritando.

—Erick nem fez nada! Nem eu, e nem Zero. Você que não aguenta ser uma pessoa decente por dois segundos.

—Dois segundos? Eu aturei essa viadagem indecente de vocês por sei lá quantas horas!

—Engraçado que tudo é indecente para você, mas na hora de trair sua namorada com suas alunas menores de idade, aí não. Muito respeitável. Quanta honra!

—Não me ouse ter que te fazer chegar em casa com um olho roxo para combinar com essa sua saia — ameaçou.

Saí do carro bruscamente, o sangue fervendo, e fiquei em pé na frente de Hugo.

—Eu adoraria ver você tentar.

—Dá para vocês dois pararem? — Erick gritou, saindo do carro e se colocando no meio de nós dois.

Hugo não pensou duas vezes antes de empurrar o garoto com força, fazendo com que ele caísse no chão.

A cena fez com que tudo que eu estive contendo, explodisse de vez.

Acertei um soco no meio do nariz de Hugo.

Ele não revidou. Ao invés disso, deu dois passos para trás, segurando o nariz que agora sangrava, e disse:

—Corajoso, hein? — em um tom irônico. — Onde estava essa coragem quando deixou Wendy morrer?

E, fácil assim, eu estava paralisado.

Um zumbido esquisito no ouvido, uma sensação repentina como se mãos geladas estivessem em volta do meu pescoço.

Ouvi a porta do carro do lado de Zero se abrir, e o barulho dele vomitando no concreto.

Tudo estava dando errado ao mesmo tempo.

E eu me sentia estranhamente dissociado da realidade, como se, de repente, não conseguisse processar mais nenhuma informação.

Hugo jogou a chave do carro contra meu peito, a mão fechada, quase como um soco. Por instinto, segurei.

—Me encontra lá dentro da loja quando decidir parar de viadagem — falou, e saiu andando.

Erick se levantou e foi andando até o meu lado. Olhei para ele, preocupado.

—Você se machucou? Tá tudo bem? — perguntei.

Ele parecia estar tremendo, e eu sabia que deveria estar tão nervoso quanto eu.

—Acho que bati o ombro — Erick murmurou. — Mas eu estou bem — me assegurou, num tom nada convincente. Queria pedir para ele me mostrar onde havia batido para eu checar, mas ainda me sentia meio fora do ar, tentando não pensar no que Hugo havia dito. — Quer que eu vá lá dentro comprar comida e trazer para cá? — Erick perguntou. — Eu realmente não quero ter que ir lá e dividir uma mesa com Hugo nesse momento.

Concordei com a cabeça.

—Por favor.

Ouvi Zero vomitando novamente.

—Merda! — murmurei.

Zero ainda estava sentado no carro, virado para o lado de fora e tremendo um pouco.

Entrei pela porta do outro lado e coloquei minha mão em suas costas.

Antes que eu pudesse pensar em algo para falar, lutando contra minha mente que parecia estar pensando em mil coisas ao mesmo tempo, Zero tossiu e murmurou:

—Desculpa.

—Pelo que? — Perguntei, confuso.

—Eu sinto que essa briga meio que começou por minha culpa. Desculpa.

—O quê? Não. Não, não. Não é sua culpa Hugo ser um filho da puta. E nem minha, nem do Erick. Ele iria arrumar uma desculpa para brigar com comigo de qualquer jeito. E pensar que eu vou ter que passar um final de semana inteiro com ele... — fechei os punhos, nervoso, com tanta força que conseguia sentir minhas unhas arranharem as palmas das minhas mãos.

Onde estava essa coragem quando deixou Wendy morrer? ouvi, como se ele estivesse falando naquele exato momento.

Me lembrei de respirar. E continuar respirando.

—Pelo menos eu consegui dar um soco nele — murmurei. — Espero que esteja doendo bastante.

Peguei uma garrafa de água que estava perdida nos bancos e entreguei a Zero.

Zero parecia mal, mas, ainda assim, tentou conversar comigo enquanto media a própria glicemia e enquanto aplicava insulina no braço. Talvez soubesse que eu precisava me distrair.

Era difícil dizer quem estava cuidando de quem.

Erick voltou sozinho da loja com alguns pães, café com leite e uns biscoitos. Me forcei a respirar fundo e então tomamos café, em silêncio, o clima pesado ainda no ar. Erick não parava de olhar para mim, como se esperasse que eu explodisse a qualquer momento.

Eu estava quase me acalmando.

Foi aí que Hugo voltou para o carro.

E fez questão de passar o resto das horas de viagem fazendo sua dissertação pessoal sobre como eu era ingrato, como nossos pais não ficariam nada felizes em ver como eu havia sido agressivo com ele. Que eu era a decepção da família e que tudo seria melhor que eu não fosse tão estúpido.

Zero me falou, por mensagem para Hugo não ouvir, que eu deveria colocar os fones de ouvido e apenas ignorar. Que eu não tinha que ouvir aquilo.

Acho que todos nós chegamos à conclusão silenciosa de que a melhor coisa a se fazer naquele momento era apenas ignorar e evitar mais brigas.

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Não que eu ainda tivesse forças para retrucar, se quisesse. Ou para fazer qualquer coisa que não fosse encostar na janela e cobrir o rosto com um dos braços para que nenhum deles me visse chorar.

Eu queria sair dali. Desaparecer. Me sentia humilhado e exposto.

Eu e Zero não havíamos ousado nem fazer qualquer tipo de contato visual, com medo de sermos interpretados errado e dar a Hugo mais motivos para reclamar.

Mesmo assim, por baixo do casaco que eu havia retirado e jogado no banco do meio, lá estava a coisa que me manteve preso a realidade durante aquelas horas torturantes: a mão de Zero, segurando a minha.