Amarelo- Lírio e Fogo Azul

Capítulo 11- Eros


Eros

Era estranho estar sozinho no quarto do dormitório pela segunda noite seguida. Antes de Zero, eu havia tido a sorte do cara que seria meu colega de quarto ter desistido apenas alguns dias depois da matrícula e eu gostava de ter o quarto todo só para mim. Poder espalhar minhas coisas em todos os lugares sem ter ninguém para reclamar sobre, não precisar me preocupar com o que estava vestindo, me adaptar a hábitos de outra pessoa ou nenhuma outra convenção social chata que se é obrigado a obedecer ao dividir espaço com alguém.

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E, claro, eu sabia que gostava de reclamar de Zero, especialmente para ele- assim como ele dividia igual gosto por reclamar dos meus hábitos. Segundo ele, eu deixava minhas coisas jogadas, roncava demais, minhas coisas cheiravam a tinta, e milhões de outras reclamações habituais. E eu também não perdia a oportunidade de apontar como Zero respirava alto demais, me acordava a noite inteira levantando o tempo todo, como as coisas dele ocupavam 70% do espaço ou de como ele sempre esquecia de levar casaco aos lugares e acabava usando algum dos meus. Tinha muito para reclamar.

E muito para conversar.

Afinal das contas, nunca havia silêncio a noite, quando éramos obrigados a ficar no mesmo espaço com nada para nos distrair além de nossas próprias ideias e opiniões. E opiniões tão diferentes nos faziam sempre ter assunto. Ele me contava como havia sido suas aulas e eu falava que física era incrivelmente entediante, ao que Zero dizia que pelo menos ele fazia algo ao invés de, em suas palavras, “ficar rabiscando o dia inteiro”. Eram conversas regadas a ironia e muitas risadas, e eventualmente momentos de verdade onde deixávamos escapar o quanto realmente apreciávamos a companhia um do outro.

Era só a segunda noite em que ele estava no hospital e, mesmo, assim, as paredes, que pareciam tão apertadas para nós dois, agora pareciam tão estranhamente vazias.

E Alice ainda não havia voltado as aulas. E eu entendia, ela precisava de um tempo, imagino que não esteja sendo fácil, e que as coisas não vão instantaneamente voltar a ser como eram. Como alguém que conhecia a sensação de perder alguém, eu chutaria que as coisas nunca vão voltar a ser exatamente como eram, e exigir isso dela era até um pouco egoísta.

Mas eu me sentia extremamente sozinho nesses dias sem a companhia das minhas pessoas favoritas.

Peguei o celular, e decidi ligar para Alice. Dar boa noite, perguntar como ela estava, sei lá. Qualquer coisa.

Tecnicamente, não podíamos fazer chamadas em dia de semana, mas ninguém realmente checava, então era só manter a porta fechada e falar baixo. Alice atendeu no segundo toque, com uma voz sonolenta.

—Te acordei? — perguntei, preocupado.

—Não, mas quase. Indo dormir.

Deitei na cama também, me cobrindo todo e usando os fones do celular.

Eu não sabia bem o que perguntar e nem o que dizer.

—Como tão as coisas por aí? Quer dizer… hum… como você está indo?

Alice suspirou.

—Ah, sei lá. Difícil de explicar. As coisas parecem… esquisitas sem ele, sabe? Ainda é meio irreal, mas… tô indo, eu acho — Alice terminou a frase como se quisesse falar mais alguma coisa, e eu esperei uns segundos em silêncio, mas acho que ela acabou desistindo. — Acho que eu não quero falar sobre isso. Só me distrair um pouco.

—Ah, nisso eu sou bom — comentei, o coração um pouco apertado. — Se você estivesse aqui, a gente poderia fugir um pouco. Fazer algo.

Alice soltou uma risada baixa, um pouco sonolenta.

—Para alguém que fala tanto sobre manter o histórico impecável, você está se importando cada vez menos com as regras.

Dei de ombros. Tinha que concordar.

—É, não sou um bom exemplo de aluno modelo.

—Falar nisso, você nem deveria estar me ligar hoje, né?

Olhei para a cama de Zero do outro lado, vazia.

—É, mas não tem muito para fazer fora do horário das aulas quando nem você nem o Zero estão aqui.

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Ela me perguntou o porquê de Zero não estar lá, e contei para ela sobre como ele havia ido parar no hospital, e de como ele era insistente e ficou, por dias, rejeitando todas as vezes que tentei ajudar.

—Argh, esse garoto é insuportável, juro — comentei.

Alice ficou em silêncio por um segundo e eu quase que consegui ver a expressão dela me julgando.

—Você fala, fala, fala, mas também não desgruda dele — comentou, sarcástica.

—Eu não tenho opção, né?

—Ué, claro que tem. Vocês tão fazendo tudo juntos: indo nos lugares, estudando na biblioteca, tomando café juntos. Nem faz questão de esconder que gosta dele.

—Ué, claro que gosto, ele é meu amigo.

Alice soltou uma risada irônica.

—Você é inacreditável, Eros. Entendeu bem o que eu quis dizer.

Eu me senti até meio que ofendido com a declaração de que eu poderia ter qualquer tipo de sentimento que não fosse amizade por Zero. Isso porque os de amizade já foram difíceis o suficiente de detectar.

—Eu nem sei porque você insiste nisso — comentei.

Alice parecia estar se divertindo às minhas custas, porque eu quase conseguia ouvir o sorriso na voz dela.

—Meu deus, é inacreditável que eu, uma mulher adulta, tenho que ouvir outro cara adulto negar os próprios sentimentos que nem uma criança de jardim de infância.

Ela riu como se fosse a coisa mais engraçada do mundo.

—Eu realmente não sei de onde você tirou isso — reafirmei.

—Tá, eu vou fingir que acredito, mesmo te conhecendo o suficiente para saber que não é verdade. Mas você não sabe o prazer que eu vou ter em dizer que te avisei depois.

Eu abri um pequeno sorriso, Alice realmente gostava de prever as coisas só para depois jogar na cara que estava certa.

—Tipo, se eu sentisse algo por ele…

—Ih, começou — ela interrompeu.

—Eu disse se. De qualquer forma, não importaria mesmo porque eu tenho 90% de certeza que ele é hétero.

A risada irônica característica de Alice apareceu novamente.

—E porque você se importa com isso?

Senti minhas bochechas ficarem quentes.

—Eu não me importo!

—E você nem tem como saber se ele é hétero.

Aquela conversa estava me deixando constrangido em diferentes níveis, e resolvi mudar de assunto antes que eu explodisse de vergonha.

—Tá, mas, só para constar, você não vai ter a chance de dizer “eu te avisei”. Enfim, como está a sua irmã aí? Você tá na casa na casa dela, né?

Alice me contou que sua irmã havia adotado três gatos e que a casa estava cheia de pelos. Me falou da personalidade dos gatos e disse que estava com vontade de fazer aquarelas deles, e eu me ofereci a ajudar e fazer de um dos gatos. Eu não era fã de gatos, mas queria passar tempo com Alice, especialmente em momentos como os de agora.

Contei para a Alice sobre como estavam planejando mais uma Feira Cultural, a segunda no curto período de 6 meses, e que três dos nossos professores estavam dando crédito extra a quem participasse. A Feira envolvia as partes mais performativas - como música e dança- mas também stands de exposições e até projetos conjuntos com cursos que não envolviam diretamente as artes, como da vez que uma menina fez um modelo escultural de algumas figuras históricas ou do stand de jogos criados pelos alunos de computação e engenharia. Era legal, mas cansativo, e sempre estava intercalado com feiras de ciências para os alunos de exatas e biológicas. Eu comentei se ela não achava desrespeitoso, eles anunciarem mais um evento depois de uma tragédia, e ela disse que talvez, mas que talvez fosse uma forma de animar os alunos. Ficamos alguns minutos planejando coisas que poderíamos expor ou apresentar, e então ela ficou sonolenta e disse que iria dormir.

—Foi bom conversar com você — falou. — Obrigada. Eu não devo demorar muito para voltar aí, é bom saber que tenho um amigo como você me esperando.

—Não precisa se apressar, mas eu tô com saudade já.

Assim que desligamos, reparei no quarto vazio novamente, e olhei para o telefone na minha mão, considerando ligar para Zero. Mas eu havia estado lá com ele no hospital mais cedo, e, de qualquer forma, ele provavelmente voltaria amanhã ou algo assim. Zero estava se recuperando bem, mas precisou fazer um milhão de exames e checar mais um milhão de coisas. Mas me parecia bem, e não haviam motivos para ligar assim do nada.

Admito que abri um sorriso ao ver que havia chegado uma mensagem dele:

“Nem acredito que

vou dormir mais uma noite

sem ouvir seus roncos chatos”

Respondi:

“Não precisa fingir, Zero

Sei que você tá morrendo de saudade”

“Convencido”

“Eu menti? ”

“Boa noite, Eros”

Não deixei de reparar no sorriso bobo que ainda estava no meu rosto enquanto eu respondia o boa noite. Era quase como se eu estivesse aliviado de ter falado com ele antes de dormir.

O que era um sentimento meio que assustador e trazia uma quantidade de “e se…?”s que eu afastei assim que surgiram e apenas fui dormir.

No meu sonho, eu estava com Wendy, no mesmo jardim abandonado do lado de casa que costumávamos ir brincar eu, ela e Erick. Às vezes, levávamos bolas de futebol e jogávamos qualquer jogo inventado até que nossas roupas estivessem cheias de barro e sujeira e, outras vezes, apenas sentávamos e conversávamos, Erick e Wendy me contando sobre seus problemas importantes de criança e brincando enquanto eu pintava algo em alguma tela ou rabiscava no caderno.

Erick e Wendy eram, de certa forma, minha responsabilidade- ou, pelo menos, eu me sentia assim. Nossos pais passavam o dia inteiro fora e, mesmo com um monte de babás, os mais velhos foram se tornando responsáveis pelos mais novos. Henrique, gêmeo de Hugo, havia basicamente me criado, e eu estava retribuindo o favor fazendo o máximo que um adolescente consegue fazer para criar duas crianças que não tem exatamente o melhor exemplo parental do mundo. Eu não tive essa escolha conscientemente, mas eles gostavam de estar perto de mim e eu gostava de estar perto deles, então não nos desgrudávamos.

O jardim do sonho parecia exatamente como o real, cada detalhe, cheiro e cada pedaço de grama. Wendy usava o cabelo em duas tranças, que eu mesmo tinha feito. Erick havia ficado em casa. Não me lembro o motivo, mas ele não estava lá.

De repente, enquanto estávamos sentados no chão e Wendy me contava sobre sei-lá-qual amiga dela que era chata demais e que não dava mais atenção para ela, eu comecei a me sentir gelado. Com frio, mas não havia vento vindo de lugar nenhum.

Foquei na conversa, ignorando o fato de que minha visão estava ficando embaçada.

Wendy percebeu algo, e me perguntou se eu estava bem, mas o som pareceu distante. Tentei levantar o rosto e tudo girou.

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Wendy tinha apenas 12 anos, mas foi esperta suficiente para perceber que havia algo errado.

—Ei, vamos lá para dentro — ela falou, encostando no meu braço, preocupada.

Tentei levantar, e Wendy tentou me ajudar, mas a garota era muito baixa e pequena para me sustentar, e naquela parte onde estávamos, sempre era vazio ao redor, então não haviam pessoas para qual eu pudesse pedir ajuda.

Fui cambaleando para fora do jardim.

Nossa casa ficava a apenas alguns passos e eu estava certo que conseguiria chegar até lá antes que desmaiasse ou algo do tipo. Eu não era muito de ficar doente, e me sentia ótimo de manhã, então não fazia sentido nenhum que estivesse tão mal de repente.

Assim que começamos a chegar perto, senti alguém me agarrar por trás, segurando meus dois braços.

—Indo aonde? — a pessoa perguntou.

Numa situação normal, eu saberia que conseguiria me defender. Mas eu estava tão tonto e desorientado que apenas tentei me virar, e fui recebido com um soco no estômago.

Wendy gritou por ajuda e segurou meu braço. Eu implorei para ela que saísse correndo, mas a garota não me ouviu. Não quis me ouvir.

Caí no chão, desorientado, semi-inconsciente, apenas os barulhos ao meu redor e a dor que eu sentia ao ser, aparentemente, arrastado. Ouvi um barulho e Wendy ficou em silêncio. A última coisa que ouvi foi:

—Eu não queria ter que fazer isso, garotinha, mas você não calava a boca. Nós três vamos nos divertir muito. Não é?

A partir daí, o sonho consistiu de flashes.

Meus braços sendo amarrados e o choro de Wendy.

Alguém arrastando a garota para longe de mim e duas sombras embaçadas.

Uma voz gritando:

“Isso é o que acontece quando-”

Confusão, dor, cheiro de poeira e barulho de trens.

Eu tentava implorar, tentava fazer algo, gritava sem voz.

Me lembro de querer sair dali. De querer algo, mas eu não conseguia.

Não conseguia. Não conseguia respirar

Acordei tremendo, o travesseiro molhado de suor. Meu coração batia forte e eu estava tão vulnerável e indefeso como se aquilo tivesse acabado de acontecer.

Os pesadelos iam e viam, às vezes, se repetiam e outras vezes, como essa, me lembravam claramente de pequenas cenas do que minha mente havia feito questão de apagar.

Naquele momento, assim que acordei, sentindo como se estivesse sendo sufocado, eu lembrava de cada detalhe do que vi no sonho, de cada sensação dos momentos iniciais da tragédia que acabaria com todo o tipo de conforto que eu conhecia.

Encostei o rosto gelado no colchão, agarrei o travesseiro forte e me enrolei no cobertor, tentando focar na sensação da cama e das coisas ao meu redor, tentando me lembrar a cada segundo de onde eu estava. Eu estava dentro do colégio, no dormitório, não lá. Não naquele lugar novamente.

Não sei que horas eram, mas sei que não consegui dormir novamente. Fiquei uns bons minutos, talvez horas, tendo ataques de pânico, me acalmando, e logo em seguida, tendo outro.

Eventualmente me acalmei um pouco, mas não quis dormir novamente. Não queria arriscar ter o mesmo sonho, ou qualquer sonho que se relacionasse com aquilo, então apenas revirei na cama até que chegasse perto do horário de levantar e me arrumar para as aulas.

Me olhei no espelho que pendurei na espécie de penteadeira que ficava entre uma cama e outra, e a única coisa que consegui pensar foi:

“Caralho, eu tô realmente destruído”

Eu não era de transparecer emoções, mas minhas olheiras estavam fundas o suficiente para ser notadas de longe, e eu não estava com energia para arrumar o cabelo. Meus olhos estavam inchados de tanto que chorei.

Olhei para a porta algumas vezes, como se esperasse que Zero entrasse a qualquer minuto. Ele disse que teria alta hoje, mas não disse quando. Era de se esperar que não fosse, tipo, seis da manhã, mas algo em mim queria desesperadamente que ele aparecesse lá e me distraísse com algo.

Sem pensar muito, peguei o celular e mandei:

“Devo te esperar pra

tomar café ou…?”

Recebi uma selfie dele, com roupa de hospital e os cachos bagunçados, fazendo um sinal de “dois” com os dedos e um pequeno sorriso cansado.

“Não, mas amanhã a gente toma café juntos

Só pra manter a tradição”

Respondi com uma foto minha com o rosto deitado, totalmente apoiado na penteadeira, o cabelo ainda bagunçado e a expressão entediada.

“Saiba que eu vou te perturbar em dobro

pra compensar”

“Acho melhor você ser bonzinho

ou eu posto essa foto sua descabelado na internet”

Soltei uma risada, desligando a tela do celular.

Não demorou muito até que eu relembrasse do motivo pelo qual passei a noite em claro, e voltasse a me sentir vazio novamente, mas fiz o que pude para levar o dia como todos os outros. No geral, eu era especialista em colocar uma máscara social esquisita que me fazia falar com todo mundo e sorrir para as pessoas nos corredores, interagir nas aulas e ir passando de colega para colega, rindo de coisas bobas e ignorando o fato de me sentir tão sozinho e desesperado mesmo que falasse com mais de metade das pessoas deste Instituto.

Além de tudo, o Instituto era especialista em nos manter ocupados a maioria do tempo. Quase todos os cursos tinham cargas horárias integrais e, mesmo quando não eram, tínhamos opções de atividades, empregos e até outros cursos alternativos ali mesmo. Era difícil de ficar desocupado, embora minha mente parecia não funcionar perfeitamente em qualquer atividade quando eu estava tão concentrado em me forçar a agir naturalmente.

Passei o dia com uns garotos de arquitetura que faziam algumas aulas de desenho técnico junto comigo. A maioria uns héteros chatos que falavam frases do tipo “Ei, não sou preconceituoso, até tenho amigos gays, mas…” e variações.

Eu me sentia um vendido por, eventualmente, andar com pessoas assim, mas eu também era desesperado por me encaixar, e sabia disso. Embora eu não fosse exatamente a definição de afeminado, também não era nada discreto, então eles faziam questão de ficar mais contidos perto de mim, com medo de falarem algo e me ofenderem ou algo assim. Porém sempre soltavam algo extremamente homofóbico seguido de “Mas não você, claro”

Um desses garotos, Lucas, teria entrado imediatamente na minha lista de “hétero tops irritantes” por associação aos amigos, mas, desde que nos conhecemos, eu vi a forma como ele me olhava e sorria quando eu olhava de volta. Ou como encostava o ombro discretamente no meu quando estávamos assistindo às aulas. Percebi isso assim que nos conhecemos, o que significa que, desde aquela época, já havíamos transado umas duas ou três vezes. Algo como uma amizade colorida.

Ou algo como “Não tenho coragem de me assumir para os meus amigos, mas você até que é bonito, então a gente pode transar de vez em quando, quando eu não estiver casualmente fazendo piadas homofóbicas” da parte dele.

Lucas tinha pele branca, mas bronzeada, olhos cor de mel e cabelo raspado estilo militar. Era normal. Mais ou menos bonito, eu ousaria dizer. Não transávamos havia algum tempo, me dei conta, no meio do intervalo para o almoço, em que todos estávamos sentados na mesma mesa conversando alto e rindo.

Eu estava entediado. E me sentindo um lixo. Não só por ter recentemente me lembrado de detalhes do meu provável maior trauma, mas também por estar tão desesperadamente solitário a ponto de jogar meus ideais embaixo do tapete só para não me sentir deslocado.

Então pensei a pior coisa que se pode pensar em qualquer situação:

“O que é um peido pra quem já tá cagado? ”

Levantei da mesa e disse para os caras que tinha me lembrado de algo urgente que precisava fazer, mas fiz questão de encarar Lucas e lançar um sorriso malicioso antes de sair.

Ele pareceu ter entendido o recado, porque alguns minutos depois, “sem querer” nos esbarramos no corredor da sala de cinema abandonada. Mesmo em horários em que a escola estava cheia, aquela parte do prédio ficava quase sempre vazia.

Lucas nunca perguntou como eu sabia daquele lugar, ou porque tinha a chave, ou nada disso. Ele não se importava. A maioria deles não se importava.

—Sentiu saudade, é? — perguntou, segurando minha cintura enquanto eu trancava a porta pelo lado de dentro.

—Shh— respondi, o beijando. Precisava o interromper antes que ele falasse algo- qualquer coisa- que me fizesse desistir.

Não que eu quisesse muito transar. Talvez eu só quisesse sair daquela multidão de pessoas, ou talvez só estivesse procurando conforto em lugares inadequados e de maneiras mais inadequadas ainda.

Não o levei até o depósito escondido, apenas fomos andando desengonçados até uma das cadeiras, enquanto nos beijávamos e tirávamos as calças.

De certa forma, eu não conseguia entender bem como algo conseguia ser excitante e tão absurdamente monótono ao mesmo tempo. Para Lucas, parecia estar bom, e fiquei feliz que eu estava de costas para que ele não pudesse ver o quão miserável eu estava.

Quis parar e chorar, ali no meio da foda.

Ele gozou, jogou a camisinha fora, colocou a roupa e saiu.

E eu me perguntei, pela milésima vez, por que eu fazia isso comigo mesmo.

O rosto dos caras mudava, mas a sensação era sempre essa, de vazio. Alguns dias eu até curtia, mas outros, como hoje, era só uma das piores tentativas possíveis de afogar as mágoas.

Fui para o dormitório sonolento, ciente de que eu não poderia matar aula, mas com tanto, tanto sono. E tanta culpa.

Sentei na cama, agarrei o travesseiro e apoiei a cabeça. Acho que cochilei por uns alguns segundos, porque me assustei levemente ao ouvir o barulho da porta abrindo.

Zero estava com o cabelo molhado e o rosto um pouco mais magro do que o de costume. A luz refletia exatamente em sua bochecha e em um de seus olhos, deixando suas sardas evidentes e o cabelo escuro contrastando com os olhos azuis intensos. Ele também estava em pé, empurrando a própria cadeira, então supus que era um dia relativamente bom.

Não queria deixar transparecer que estava aliviado em vê-lo, mas acho que foi um pouco difícil de esconder.

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—Então quer dizer que meus dias de paz acabaram? — perguntei.

Zero riu sarcasticamente.

—Com um sorriso desse tamanho e você ainda tenta fingir que não tá feliz em me ver?

Eu não percebi que estava sorrindo, então logo fechei a cara, levemente constrangido.

—Cala a boca — murmurei, enfiando a cara no travesseiro, mas logo levantei o olhar para Zero enquanto ele ajeitava suas coisas no quarto novamente. — Dia bom? — perguntei, e ele soube exatamente ao que eu estava me referindo.

Deu de ombros.

—Eu diria que as chances de eu desmaiar a qualquer momento são baixas. Então acho que sim — voltou o olhar para mim, e eu soltei o travesseiro, ajeitando a postura, mas não a tempo suficiente para que ele não reparasse. — Você, por outro lado, não me parece estar tendo uma tarde muito agradável.

Suspirei, me espreguiçando.

—É. Não muito.

—Mais tarde você me conta, se quiser — Zero falou, pegando seu uniforme e entrando no banheiro. Saiu completamente arrumado para a aula. Eu ainda conseguia ver marcas vermelhas e roxas de agulha nas costas de sua mão, e me perguntei se ele realmente iria sair do hospital direto para aula. Mas imaginei que estivesse acostumado.

Zero se jogou na cama, mantendo os pés com os sapatos de fora e soltou uma risada cansada.

—Isso é difícil — comentou, ofegante.

—O quê?

—Ficar em pé por mais de 15 minutos.

Depois de algum tempo, Zero se levantou novamente, e agarrou na parede por uns segundos, mas logo soltou outra risada e nervosa e murmurou algo que parecia como um “eu tô bem”, ao que não pude evitar de rir junto.

—Conviver com você está fazendo eu me acostumar com umas coisas muito esquisitas — comentei.

Ele ergueu uma sobrancelha.

—Tipo?

Apontei para ele segurando na parede.

—Tipo você quase desmaiando toda hora.

Zero abriu um sorriso e balançou a cabeça.

—E conviver com você tem me acostumado a dormir com um barulho de trator do meu lado. Seu ronco, no caso.

Peguei o travesseiro e ameacei jogar nele, ao que ele se encolheu e riu.

—Você vem? — perguntou. — Para a aula. Acho que estamos os dois atrasados.

Suspirei, sem vontade nenhuma de sair dali. Encolhi os ombros, relembrando do quanto só queria me afundar na cama e dormir. Ou chorar.

—Vamos — Zero disse, percebendo minha falta de vontade. — É matando aula que você quer me ultrapassar na classificação desse mês?

Estreitei os olhos, murmurando:

—Jogo sujo — mas levantei e fui, do lado de Zero.

Ele andava meio desengonçado, e bastante devagar, mas era legal saber que estava, na medida do possível, bem - apesar de eu me sentir esquisito por Zero ser uns 5 centímetros mais alto que eu.

Não me orgulho, mas passei o resto das aulas meio dormindo e meio acordado. Anotei os assuntos para pesquisar depois, e deixei por isso mesmo. Eu não conseguia parar de pensar no sonho. Eu sabia que não poderia fugir daquilo para sempre, que alguma hora eu precisaria me forçar a reviver aqueles momentos, forçar minha mente a lembrar. Mas eu tinha medo, medo de que tudo que me falaram tenha sido verdade. Medo de lembrar detalhes e nunca mais conseguir esquecer. Não era a melhor sensação do mundo não entender nem mesmo meus próprios gatilhos, não saber de onde veio todos aqueles sentimentos. Eu me sentia invalidado e perdido em relação a linha do tempo da minha própria vida, com todos aqueles borrões e lapsos temporais. Mas eu não tinha certeza que o sentimento de lembrar seria melhor que isso.

Então foquei nas outras coisas que estavam acontecendo ao meu redor- o que também me lembrava que eu tinha muita coisa para falar com Zero. Eu havia tido bastante tempo para pensar quando ele estava fora.

Tentei falar de noite, mas ele parecia tão feliz e aconchegado de dormir na própria cama novamente que resolvi deixar para depois.

Não me lembro exatamente de ter algum pesadelo, mas sei que acordei de manhã assustado. E que Zero me disse que eu estava falando muito mais que o normal. Ele parecia desconfortável, como se quisesse perguntar algo, mas estivesse se segurando. Me perguntei o que exatamente eu havia falado enquanto dormia, mas deixei para lá também.

No primeiro intervalo que tive, fui procurar Zero no lugar que ele, normalmente, sempre estava: a biblioteca. O encontrei com dois livros de astrofísica, um em cima do outro, lendo e anotando coisas no caderno.

—Você nem tá estudando isso nesse período — falei, sentando do seu lado, ao que ele se assustou um pouco, completamente imerso na leitura.

— Não, mas é interessante. Você não acha incrível como é possível descrever fenômenos da natureza através da matemática? — perguntou, os olhos azuis arregalados e animados.

Soltei uma risada, balançando a cabeça negativamente.

—Não, mas acho legal o jeito que você fala das coisas. Exceto quando está tentando me contar sobre alguma teoria chata e complicada.

Zero empurrou o livro para o lado um pouco.

—Você veio aqui só para insultar física ou…?

— Eu tenho umas coisas para te perguntar. Menos perguntar e mais… hum, informar? Não sei bem. É sobre Davi — comentei, e a expressão de Zero murchou um pouco. — A gente pode conversar em outro lugar?

Zero apontou para os livros e me olhou como se dissesse “Estou ocupado”.

—É só que — continuei — a gente continua não chegando a lugar nenhum sobre… — olhei ao redor, ciente das poucas pessoas que estavam ali. — Bem, você sabe. Eu não sei se você ainda que continuar procurando, mas…

—Quero — Zero disse, subitamente interessado.

Eu não queria admitir que estava interessado também por motivos questionavelmente egoístas, mas aquele homem no enterro havia despertado alguma coisa em mim. Uma raiva que eu não sabia porque estava ali e nem de onde vinha. Eu só sabia que queria saber quem era aquela pessoa. E acreditava que a melhor forma seria descobrindo quem matou Davi- isso se não forem a mesma pessoa. De qualquer forma, imaginei que Zero também não havia simplesmente esquecido. Não com toda a culpa que eu via em seus olhos.

Abaixei o tom de voz, com medo de que alguém escutasse.

—É só que perdemos todo esse tempo focando no como e no porquê para chegar no quem. Talvez devêssemos começar a pensar diretamente no “quem”. Você sabe de alguém que tenha alguma briga ou algo assim com Davi? Vocês eram colegas de quarto.

Zero parecia frustrado e até um pouco com raiva de eu ter perguntado.

—Eros, se eu soubesse, já teria te falado, né? — respondeu, e então abaixou o tom. —Davi não era muito aberto sobre a vida comigo. Já perguntou para Alice?

Suspirei.

—Eu queria, mas… fico com medo de falar dele com ela e ela reagir mal.

Zero revirou os olhos.

—Por que você tá bravo comigo? — perguntei, reparando em suas reações agressivas inesperadas.

Ele abaixou a guarda e fechou o livro.

—Não é com você, Eros — murmurou. — É comigo. Se eu tivesse conseguido…

Não — interrompi, antes que ele continuasse. — Isso não é sua culpa.

Zero olhou para baixo, em silêncio.

—Eu vou falar com Alice, okay? — o assegurei. — E se ela não souber de nada, eu vou falar com todos os meus colegas de todas as turmas até que a gente chegue a algum lugar. Quem quer que seja essa pessoa, ela vai ser punida.

Como eu imaginava, Alice não sabia de nada. Disse a mesma coisa que Zero: não estaríamos tão presos e sem saída se ela soubesse disso. O que me fazia a pensar que realmente não havia nada. Se a namorada dele não sabia de ninguém que poderia o odiar ao ponto de fazer mal, então simplesmente não deveria existir tal pessoa.

O problema é que tinha que existir.

Precisávamos perguntar discretamente para os outros alunos ou amigos que conviviam com Davi, mas Zero era péssimo em mentir - e em interagir com seres humanos-, então eu fiz essa parte.

Eu também conhecia muitas pessoas, o que facilitou. Só precisava inventar desculpas para falar com os amigos de curso do Davi, tipo:

“Ei, você viu o que estão planejando para a Feira Cultural? ”

Ou:

“Cara, quanto tempo! Como tá a vida?”

Todos pensavam que o que havia acontecido era um suicídio. Então eu só comentava algo melodramático sobre o acontecimento e como o bullying é prejudicial, ou algo assim e esperava algum nome, alguma informação. Mas todos chegavam ao mesmo ponto: segundo eles, Davi era tão invisível que provavelmente ninguém notou que ele estava sofrendo, e que ele não tinha lá muita gente ao seu redor para o apoiar além da namorada, e como o isolamento social poderia deixar uma pessoa doida.

Eu entendia a solidão de formas diferentes, mas também entendia.

Perguntei para o máximo de pessoas que eu conseguisse durante dois dias, chegando em exatamente lugar nenhum.

A conclusão de que Davi era visto como invisível só fez eu me perguntar se estávamos procurando coisa onde não tinha, e eu precisava constantemente me lembrar as coisas que nos fizeram começar a desconfiar primeiramente.

A saída inesperada, a certeza de Zero que os dois estavam juntos no momento que anunciaram no quadro de avisos que ele já havia saído, seguido de um longo sumiço.

Mas então… desde que fomos até a polícia, as coisas foram ficando mais e mais pessoais, desde a invasão a nosso quarto até um - muito provável - assassinato.

Mas as coisas não pareciam exatamente pessoais no início, e talvez se tivéssemos parado depois do aviso, nada disso tivesse acontecido e ele estaria vivo. O que me dava uma sensação absurda de culpa, mas também me fazia questionar se o fato dele ser invisível poderia ter sido exatamente o que o tornou um alvo. Talvez pudesse ter sido qualquer uma das pessoas invisíveis, que passam abaixo do radar, e Davi talvez estivesse no lugar errado, no momento errado.

O pensamento rodou pela minha cabeça enquanto eu esperava ansiosamente que Zero chegasse no quarto, para que eu pudesse despejar minhas teorias. Alice havia voltado ao Instituto, e, embora eu não quisesse a incomodar enquanto ela se readaptava ao lugar, também lembrava que ela não havia ficado muito feliz da última vez que não a incluímos em algo.

Chamei Alice e Zero para me encontrarem na mesma sala abandonada de sempre. Era o único lugar que eu, ela e Zero podíamos conversar lá dentro sem sentir que estávamos sendo observados ou ouvidos. Eu sabia que estávamos sendo paranoicos, mas tínhamos motivos mais do que o suficiente para ser.

Fui até lá e deixei a porta destrancada para que eles pudessem vir em seguida.

Alice chegou primeiro, o cabelo, que costumava estar em longas tranças, agora estava raspado. Ela havia ficado muito bonita daquele jeito, dando até uma impressão levemente intimidadora, se não fosse pelo sorriso simpático que carregava consigo mesmo quando as coisas estavam desabando. Zero também chegou, e nos sentamos na parte mais externa e espaçosa da sala.

Os dois carregavam expressões tensas, com medo.

Zero já sabia como havia sido minha tentativa de conseguir informações dos colegas de Davi, mas expliquei novamente para Alice, contando sobre minha conclusão que deveria ser algo menos pessoal do que pensamos que fosse. Que ele poderia ter sido um alvo aleatório.

—Aleatório não — Zero interrompeu, antes que eu concluísse. Olhamos para ele, confusos. Zero pensou por um segundo, como se tentasse formular em palavras o que estava pensando. — Eros, lembra como, assim que fomos na polícia, apareceu aquela ameaça no nosso quarto?

Concordei com a cabeça.

—Seja lá o que tenha acontecido, Davi teve tempo de enfiar a pulseira dele na minha mochila aquele dia. Como se ele estivesse se precavendo, como se quisesse me avisar algo, caso alguma coisa acontecesse. E imagino que não tenha sido nada fácil para a pessoa conseguir passar despercebido até nosso dormitório aquele dia, apenas para nos ameaçar por, o quê, denunciar um desaparecimento? Talvez pense que fomos até a polícia contar algo a mais. Algo que não pode ser descoberto. E que Davi sabia.

Ficamos em silêncio, pensando sobre. Não tínhamos como saber se estávamos indo na direção certa, mas aquela teoria, pelo menos, nos levava a algum lugar. E a forma como as palavras foram escritas naquele dia:

“Parem de interferir ou os próximos serão vocês”

Interferir no quê?

—Meu deus — Alice murmurou. Todos olhamos para ela. — As mensagens. Eu e ele brigamos aquele dia. Ele estava recebendo várias mensagens, o tempo todo, e ficava esquisito quando eu perguntava o que era. Disse que era a mãe dele que não parava de perturbar, mas eu sabia que ele estava mentindo. Eu conhecia ele. Davi ficou bravo e disse que eu não confiava nele, aí a gente brigou, mas eu senti que havia algo errado. Pensei que ele estava me traindo ou algo assim.

Eu olhei para Zero.

—Zero, essas mensagens. Você acha que consegue, sei lá, hackear as redes sociais dele de alguma forma?

Zero deu de ombros.

—Talvez. Mas eu devo apenas invadir o celular de alguém do computador da escola?

—Eu arrumo um computador para você — falei.

—Como?

—Trazendo um de casa.

—Tá, mas você sabe que não pode.

—Deixa eu arrumar a frase: eu vou contrabandear um computador para você.

Zero não pareceu muito seguro, mas apenas aceitou. Fomos todos de volta para o dormitório, a cabeça pensando em mil coisas ao mesmo tempo.

Eu e Zero deitamos nas nossas respectivas camas, e viramos um para o outro, se encarando em silêncio. Sinto que nós dois estávamos confusos, e com muito para dizer, mas sem as palavras exatas para descrever.

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Estávamos nos enfiando cada vez mais fundo numa investigação que poderia ou não colocar nossa vida em perigo.

Era difícil se sentir seguro, dado as circunstâncias.

—Como você vai trazer um computador para cá? — perguntou por fim, a voz já um pouco sonolenta.

Dei de ombros.

—Só vou em casa pegar um notebook. Eles não exatamente reviram a mochila de toda pessoa que entra aqui, de qualquer forma.

—É, mas porque qualquer pessoa que for pega fazendo isso é expulsa, você sabe.

Encolhi os ombros. Eu não tinha me lembrado dessa parte, especialmente porque eu conhecia umas quatro pessoas que haviam trazido seus próprios notebooks para o Instituto sem serem descobertos e que não pareceram se importar com as consequências. Mas se eu fosse…. toda minha futura carreira e tudo que trabalhei para construir até aqui seria destruído.

Zero pareceu perceber minha hesitação.

—Eu não quero que você seja expulso por minha culpa — murmurou, estreitando os olhos.

—Você não pode, tipo, fazer isso no final de semana? Na sua casa. Aí você mantém eu e Alice informados.

Zero se encolheu.

—Eu queria. Mas minha madrasta vigia tudo que eu faço quando estou lá. Ela perceberia.

Então tive uma ideia.

—Vamos comigo então.

Zero arregalou os olhos.

—Para a sua casa?

—É. Você passa o final de semana lá.

Ele parecia confuso, e um pouco tímido.

—Isso é uma boa ideia? — perguntou.

Soltei uma risada.

—Não. Mas é minha única ideia. Então…?

Zero assentiu, relutante.

—Tá. Mas a sua família não me parece muito amigável… — comentou, baixo.

—Eles não são. Boa sorte — murmurei.

—Boa sorte para a gente, no caso — corrigiu.

Eu não sabia nem se estávamos falando sobre tentar hackear o celular de Davi ou sobre ir até o ninho de cobras onde minha família se encontrava. De qualquer forma, nós dois precisávamos de sorte, mas tentei não pensar muito nas consequências.

Davi sabia de algo. E iríamos descobrir o quê.