Já era Dezembro quando recebi a primeira carta dela.

“Perdão por não ter escrito antes mas é que eu não consegui unir forças pra isso. Eu queria dizer que estou bem, que estou feliz. Mas o tempo passou e meu ânimo não mudou em nada. Eu me sinto só sem você, me sinto perdida e queria correr até aí só pra me jogar em seus braços. Como o teu abraço não existe nada igual, vida. Eu tentei me convencer que seria suportável viver sem você mas me dei mal. Preciso de você comigo.”

Essa foi a parte que mais me emocionou.

No final do mês, fui até o aeroporto no dia que marcamos para o nosso reencontro.

Esperei seu avião chegar. E pontualmente, ela atravessou os portões de desembarque.

Seus longos cabelos deram lugar a um corte nos ombros. Mais alta, mais magra e mais formosa. Ela soltou a mala e correu para os meus braços. Seu perfume me invadiu e eu me senti completo, como há meses não sentia. Seu abraço me envolvendo me trazia conforto outra vez.

—Poooncho! Você está tão diferente!-ela me analisou com um sorriso no rosto banhado por suas lágrimas!

—Pelo que vejo não sou o único. Você está perfeita!-sequei seu rosto com meu lenço e beijei suas bochechas rosadas.

—Pára, Poncho! É você que está todo malhadinho. Eu continuo a mesma sem sal de sempre!-ela coçou a cabeça incrédula com o que ouvira de mim.

—Que ótimo! Eu gosto de docinhas, não de salgadinhas!

—Bobo! –disse aos risos. -Ah, e agora?! Para onde vamos?!-ela olhava para o aeroporto, confusa.

—Para a Espanha!

—Seeei…Estou falando sério, Poncho!-ela me deu um tapa no braço, estava mais forte também.

—Mas falei sério, aqui estão nossas passagens!-as chacoalhei na sua frente e ela me olhou espantada.

—E seus pais! Eles sabem disso?

—Não e nem vou contar pra eles! Nós vamos até Madri e de lá voltaremos como se não tivéssemos ido a lugar algum.

—Só nós dois!

—Eu, você e a natureza linda que nos cerca! Vem, vida!-peguei sua mala, dei minha mão a ela e fomos correndo até a plataforma de embarque.

Durante a viagem inteira, a loirinha dormiu, não era pra espanto. Viajar do Brasil para Liubliana é cansativo. Como seus olhos castanhos claros estavam fechados, as aeromoças, e quem passavam por nossas poltronas, a admiravam. Sempre a confundiam com uma japonesa quando ela dormia. Nem o fato de ser loira afugentava essa suposição. Talvez a pele muito clara fortalecesse a ideia.

Quando chegamos em Madri, podemos finalmente iniciar nossa conversa. Ela deu o primeiro passo.

—Poncho, como conseguimos viajar de um país ao outro, sozinhos sendo que somos menores de idade?-ela sorria confusa.

—Somos adultos, vida!-ela me olhou mais confusa. -Tenho uns contatos!

—Maite?

—Ela tem a ver com isso sim!-seu sorriso sumiu. Ignorei sua reação. Eu e a loirinha tínhamos corpos bem desenvolvidos para a nossa idade. Qualquer pessoa falaria que tínhamos vinte anos. Nunca me orgulhei disso. -Como está o bom e velho bairro Peixoto?

—Continua a mesma coisa de sempre! As mesmas casas, as mesmas escolas, as mesmas pessoas…

—Como estão Eddy, Vicky, Pollito, Steh?

—Estão todos bem! Eddy ganhou mais vez o prêmio jovem cientista.

—Ele é o adolescente mais bem sucedido que eu conheço. Nem os garotos de Liubliana são do jeito dele.-ri da irônica situação.

—Vicky foi contratada pela agência Leonna Secret Teen! Parece que vai desfilar em Nova York no ano que vem!-a encarei incrédulo.

—Aquela garota é uma vara pau! Não sei que tipo de beleza viram nela. Ainda mais o jeito arrogante que ela tem…. Era você quem deveria ser escolhida!-ela caiu na gargalhada e eu a puxei para um abraço de lado. Andamos assim por um bom tempo.

—Poncho, não perdeu a arte de me fazer rir, né?

—É o meu talento!

—Mas você está cansado de saber que eu nunca quis essa coisa de maquiagem o tempo todo, vestidos da última estação e muito menos, deixar de comer minhas gostosuras. -o que ela falou era verdade. Sua beleza era natural. Os vendedores de cosméticos iriam a falência se dependessem dela. -Eu quero que as pessoas leiam o que eu sinto e penso, que elas aprendam a serem o que são. Acreditem que a vida é o melhor presente que já foi dado a nós. E que podemos fazer dela melhor a cada dia que acordamos, mesmo que estejam nublados. Já até comecei a escrever meu livro!-ela me olhou toda alegre e não teve como eu não rir.

—Ah, um livro de autoajuda!-ela me deu um tapa no braço. Apesar de magra, seu tapa estava mais forte. Sei que estou sendo repetitivo mas é verdade.

—Seu bobão!-ela prosseguiu nosso assunto. -Steh e Pollito estão namorando!-levei minha mão a cabeça, mostrando-me surpreso.

—Está aí algo imprevisível. Isso eu não imaginava acontecer!-parei de andar imaginando o casal. Steh sempre foi uma garota intelectual, daquelas que passava o recreio dentro de uma biblioteca esclarecendo qualquer dúvida antes da prova. E Pollito, o que passava do outro lado da rua quando via um professor na mesma calçada. Colava em todas as provas como jogava vídeo game. Uma dúvida passou pela minha cabeça. O que teria os unido?

—O amor não é transparente, Poncho! Quando acontece é pra valer!-ela me invadiu com seu olhar.

—Eu sei!-a encarei e ela desviou o olhar para o céu.

—O que viemos fazer em Madri?-abri um enorme sorriso.

—Como você sabe, estou estudando culinária! Portanto, vim fazer algumas pesquisas gastronômicas.

—Posso te ajudar?-ela enganchou seu braço ao meu.

—Deve! Nada melhor do que uma expert no rango para me fazer companhia.

Andamos pelo centro da capital espanhola até encontrarmos a principal rua de restaurantes.

No “palitinho” escolhemos o restaurante. Entramos em um, de fachada simples e interior requintado. Um rapaz veio até nós e, cordialmente, nos ofereceu o cardápio. Lá se encontravam e bebidas com o histórico deles ao lado.

“Tapas: As tapas são pequenas porções de comida que costumam acompanhar bebidas como o vinho ou a cerveja. Essa é uma sabia tradição que começou com o Rei Alfonso X no séc. XIII.”

—Como fundador do prato, eu quero a refeição completa!-ri desvairadamente.

—Se você colocar uma gota de álcool nessa boca, sou eu que vou te dar uns belos tapas!-ela me olhou como minha mãe quando estava irritada.

Por nós, ela pediu tortillas de batatas com refrigerante seguido de sorvetes.

Depois do almoço, demos algumas voltas, de metrô, em Madri e fizemos como ponto final, os Jardins do Bom Retiro.

—Eu queria ir aos museus…

—Mas está bem tarde. Daqui a pouco nosso voo sai.

—Eu sei. Pelo menos estamos aqui!-ela saiu correndo de braços abertos ao vento. Amava ver seus cabelos, mesmo curtos, fazendo cortininhas.

O tempo mudou de repente. Fazia muito frio e ela me abraçou, me deixando surpreso.

—É melhor irmos agora!

—Também acho, Pon!

Quando estávamos indo em direção a um dos portões do parque, algo diferente aconteceu. Um vento ficou mais forte e arrancou uma chuva amarela e vermelha de folhas secas, de uma das macieiras. Fomos invadidos por essa “chuva” e o vento nos empurrou de frente um para o outro.

Nossos narizes se roçaram e minhas mãos prontamente puxaram seu corpo pra mais próximo do meu. Ela me olhou com vontade e eu impulsivamente a beijei. Um beijo diferente do primeiro. Um beijo com paixão, com desejo, vontade. Nossas bocas se casavam, assim como nossas línguas.

—Estamos brincando com nossos sentimentos.

—Não, estamos vivendo-os.

—Isso pode não acabar bem. Eu não quero te fazer sofrer, mais do que já faço!

—Se eu sofrer vai ser porque eu quero!