Na viagem de volta a Liubliana, permanecemos acordados. Eu tomei a iniciativa de conversarmos.

—Ai, ás vezes tudo o que quero é largar isso aqui e voltar pra lá. Meus pais estão melhores do que eu. Se não fosse a Maite…

—Ah, claro! A Maite! Poncho, seja sincero comigo. O que há entre você e ela? Vocês estão namorando?-ela me olhou séria.

—Você é surda ou o quê? Eu não disse que não tem nada que me prende nesse lugar?

—Antes do “se não fosse a Maite”. A sua querida Maite!-ela revirou os olhos com ironia.

—Menina, está com ciúmes é?-peguei seu rosto e o virei pra mim.

—Considere o que quiser, meu caro! Só não suporto saber que alguém está ocupando o meu lugar na sua vida. -seus olhos marejaram.

—Você é minha melhor amiga! Eu não consigo viver longe de você!-acariciei seu cabelo.

—Como eu sou tonta! É só isso que sou pra você, sua melhor amiga! Ainda…-ela abaixou a cabeça, colocando-a entre as mãos.

—Olhe pra mim! Na verdade, eu gostaria de ser muito mais que isso… Mas namorado está fora de cogitação. Eu não quero te fazer sofrer estando do outro lado do oceano.

—A gente está discutindo relação no avião, que perfeito!

—Foi você quem começou!-meu olhar mostrava fúria.

—Eu assumo. Gosto de ter tudo esclarecido! E pelo visto você fez bem o seu dever.

—Vida, eu não queria que nada disso tivesse acontecido. Já que você sabe como estamos. Vamos começar do zero?!

—Como a culpa foi minha, eu aceito a trégua. E de certa forma você tem razão, Poncho!

— Como?

—Não poderíamos ser namorados. Você está muito enjoadinho, resmungando que nem mulher!-ela riu sem parar.

Ao chegarmos em casa, a galega conheceu Maite. Estranharam-se no primeiro minuto e no segundo, conversavam como velhas amigas de infância. Coisas de mulher que até hoje não entendi muito bem.

Por quatro anos essa tradição foi seguida. Ela chegava em Liubliana, nós íamos a uma capital europeia e voltávamos ao entardecer como se nada tivesse acontecido. Com certeza minha mãe sabia disso, mas nunca contou ao meu pai. Sou grata a ela por isso até hoje, que descanse em paz. Ainda não entendo porque as coisas boas se vão rápido de nossas vidas e as más, além de permanecerem, voltam. Falo isso por meu pai. Ele me manteve preso na Europa mesmo depois de eu ser maior de idade e da mamãe ter falecido.

No mesmo ano, o homem se casou com uma garota da minha idade, do mesmo gênero que ele. Tão novinha e tão petulante. Parecia mais filha dele que eu.

Aquela ruiva era tudo o que eu menos suportara olhar a toda manhã. Era óbvio que estava apenas interessada no dinheiro do Oscar. E eu que sou o filho dele, nunca vi a cor da fortuna Herrera. Desde meus dezoito anos, sobrevivi com as vendas do que eu cozinhava. E foi graças ás economias, que consegui montar meu próprio empreendimento. O que fez me tornar o segundo homem mais rico da Eslovênia e poder voltar ao Brasil ontem.

Quando completei vinte anos, decidi que queria fazer algo diferente. Minha loirinha chegou de viagem e dessa vez eu tinha uma mala ao meu lado.

—Poncho, o que você pretende com essa mala?

—Viajar, ué!-peguei nossas malas e fomos para o avião.

—É óbvio! Mas eu não estou entendendo o porquê de você estar com essa mala.

—Nós vamos viajar!

—Nada de voltar aqui ainda hoje?-ela sorriu incrédula.

— Vamos para Roma ficar lá alguns dias. –a encarei. -A gente precisa, vida!-ela riu da minha cara.

—Você precisa ficar longe daquela ruiva, não é?-continuou rindo.

—Também. Mas quero ficar mais tempo com você!-a olhei sério.

Coloquei-me a par de sua vida durante a viagem. Ela estava no 2º período da faculdade de Desenho Industrial.

—Poncho, meus pais queriam isso de mim, não é?! O meu livro, quando eu acabar a faculdade, publicarei. Assim eu não atrapalho os estudos!

—Você nunca acaba de escrever esse livro!-apertei suas bochechas.

—Ele fala da minha vida, oras! Acho que ainda falta o mais importante acontecer pra eu poder terminar de escrevê-lo.

—O que lhe falta, galega?

—Eu encontrar o amor verdadeiro!-ela olhou pra mim, rindo.

—Que história é essa? Eu estou aqui!-rimos um do outro.

O primeiro dia em Roma passou rápido. Mas a noite foi longa.

“There’s something I have to say to you

If you promise you’ll understand

I cannot contain myself when in your presence

I’m so humble, just touch me

Don’t hide our love

Woman to man.”

Tudo começou com um beijo no elevador do hotel, após taças de vinhos no jantar. Terminando na varando do nosso quarto.

“One thing in life you must understand

The truth of lust woman to man

So open the door, and you will see

There are no secrets

Make your move, set me free.”

Sob a luz da lua, nos amamos pela primeira vez. A primeira de várias naquela semana. Eu me sentira homem completo, realizado. Notei que ela já não era simplesmente a minha loirinha, e sim, minha mulher. Aquela que escolhi pra ter, compartilhar meu amor, minha vida. Eu não precisava de mais nada. Até a hipótese de me casar com ela e não voltar pra Liubliana me passou na cabeça mas eu ainda não podia sustentá-la. E foi por ela que resolvi me esforçar ainda mais.

—Poncho, você é perfeito demais.

—Não mais que você, amor!

—Eu te amo tanto… Não posso me separar de você nunca mais!-ela me abraçou mais forte e adormeceu.

—Eu também te amo!-adormeci.

Voltamos para Liubliana e lá ela permaneceu mais um mês.