Era manhã de primavera. Com motivos suficientes pra ser apenas mais uma, se não fosse o fato de eu ter voltado ao Brasil. Saí daqui há15 anos, quando meu pai havia recebido uma proposta de trabalho tentadora e irrecusável. Nossa família se resumia a ele, minha mãe e eu. “Não havia nada de importante que nos prendesse lá!”, repetia Seu Oscar, meu pai, todo o tempo. Pra ele era fácil dizer isso, não estava no meio da adolescência, se descobrindo, se conhecendo e começando a viver.

Eu era o cara mais feliz daquele lugar, pelo menos, me sentia assim. Com os melhores amigos no melhor colégio. As pessoas mais fantásticas… Incluindo, ela.

Tinha 13 anos, quando a vi pela primeira vez. Ela era aluna nova, se transferindo pra uma escola do interior depois de viver cinco anos na Europa. A loirinha não tinha nada de extrovertida, a não ser o fato de suas bochechas se avermelharem a cada vez que seu nome era pronunciado.

—Oi! Eu sou o…

—Alfonso, deixe a aluna nova prestar atenção na aula!

—Desculpa, professora! Não vou fazer de novo!-sorri envergonhado para a loirinha. Por sinal, foi dessa maneira que a chamei nos meus momentos alegres e tristonhos.

—Assim, espero!- a professora resmungou e um sorriso largo saiu dos lábios avermelhados da menina tímida.

Aquele foi o nosso primeiro contato, o primeiro de muitos até o fim do colegial.

Éramos amigos de classe, festinhas e viagens. E foi em uma delas que nada mais foi igual entre nós.

—Eu me sinto tão pequeno diante disso!

—Você não é pequeno, Poncho! Você sempre foi um grande meninão, :D!

—Qualquer pessoa é mais alta que você, galega!-baguncei seus leves cachos loiros.

—E eu ainda perco meu tempo te elogiando!

—Ah, é sério que você me acha grande?!-ela confirmou com a cabeça. - Me perdoe por não acreditar em você!- coloquei a mão diante dos olhos, como se aquilo fizesse esconder minha vergonha.

—Eu não tenho o porquê mentir pra você, Poncho!-ela pegou minha mão e eu entrelacei a dela na minha, como uma ação planejada.

Assim, permanecemos em frente ás Cataratas do Iguaçu.

Eu me sentia bem de mãos dadas com ela. Seguro e protetor. Nossos olhos se encontravam a todo instante e isso não nos intimidava. Também não tínhamos motivos para isso, ali não havia malícia e muito menos, falsidade.

Depois dessa viagem, nos colamos mais ainda. Como se não bastassem as horas na escola, as horas no cursinho de espanhol, quando caía a noite, nós nos pendurávamos no telefone. Eram horas e mais horas de conversa, virar a noite ouvindo a voz dela era sonhar realidade.

—Eu te amo, loirinha! –um silêncio longo foi interrompido por um suspiro, seguido da melhor frase que ela já falou pra mim.

—Eu amo você, Poncho!-eu não sabia se era paixão ou amor. Eu só tinha quinze anos e acreditava na lenda que dizia: “O verdadeiro amor só se encontra quando se entra na faculdade.”

—Poncho, eu tenho medo que tudo isso acabe!

—Eu nunca deixarei você ir!-e assim terminávamos nossas conversas.

Eu não tinha outro lugar no mundo para viver e nem motivos pra deixar nossa amizade acabar mas ela tinha. Sua família era de origem inglesa, suas férias de final de ano se resumiam a viagens de trem em Portugal, Itália. Mas o destino tratou de comprovar que eu estava enganado. Não esqueço nenhum detalhe daquele dia, afinal, foi o pior da minha vida.

—Alfonso e Heloísa, eu estou indo trabalhar na Europa. E vocês virão comigo!

Eu estava fazendo dever de casa na mesinha da sala e minha mãe arrumando a mesa para o jantar que, por sinal, pareceu um velório.

Meu pai sempre foi direto, decidido e não havia como discordar dele. As forças que não tive para gritar com ele, foram usadas em choros de desespero durante a madrugada. Eu estava perdendo o meu tesouro, a minha vida. Como eu iria contar pra minha melhor amiga que eu estava indo embora? Ainda mais, quando eu já havia prometido que jamais a deixaria ir?

—Poncho, você está muito calado. O que houve?

—Eu não sei como falar…

—Pelo visto, é sério! Vem cá. -ela disse batendo no lugar vazio que havia ao lado dela no banquinho da escola. -Você sabe que pode contar comigo para o que for, não é?

—Loirinha, eu…-a olhei intensamente. Seus olhos serenos esperavam o pior. E era o que eu tinha a lhe oferecer naquele segundo. Meus olhos começaram a marejar e isso eu não consegui esconder. Senti suas mãos macias alisarem meu rosto mas preferi me concentrar em minhas palavras.

—Meu pai recebeu uma proposta de trabalho maravilhosa!

—Ah, que ótimo, Poncho! Era tudo o que Tio Oscar queria, não é?

—Sim… Mas essa proposta vai levá-lo para fora do país! Na Europa…

—Que divertido! Já pensou, você indo encontrá-lo nas férias?! E a gente vai poder ir junto, Pon! Que perfeeito!

—Você não está entendendo, vida!-segurei o seu braço e a olhei diretamente nos olhos. -Eu e minha mãe iremos com ele! Nós vamos morar fora do país, muito longe daqui! A gente não vai se ver na escola, na minha, na sua casa todos os dias ou em lugar algum, entende?!