Mais claro que fui, eu não poderia ser. Direto ao ponto, como meu pai sempre exigira de mim. Ela assimilava tudo de forma tranquila, me olhava e acariciava meu cabelo. Suas lágrimas desciam, uma atrás da outra. E eu me sentia mal, por saber o motivo delas aparecem. Por minha culpa.

—A gente se encontra nas férias, Ponchinho. Vamos passear muito!-beijou minhas bochechas e sua cabeça deitou em meu ombro. Como senti falta desses carinhos.

—Em que lugar vocês vão morar?

—Na Eslovênia, vida!

—Eu já fui à Eslovênia! Lá é tão lindo! Cheio de bosques, antiguidades! Sabe, Pon, eu me casaria lá...

—Você é tão linda! Eu acho que não vou aguentar sair daqui!

—Olha só! Você vai pra lá com seus pais, vai dar apoio a eles! Você é a única coisa que vale a pena pra eles. E seu pai está indo pra lá pensando na sua felicidade, em te dar uma forma de vida melhor!-ela nunca tinha falado daquele jeito comigo. Tão forte e segura de si, que cheguei a me sentir uma muralha.

—Você tem razão! EU VOU!-disse me levantando do banco, decidido. -Obrigado por tudo! Você é a melhor amiga que alguém pode ter. -a puxei e abracei, sem vontade de soltá-la.

Uma semana depois, eu estava sozinho em casa. No meu quarto, arrumava as malas. Como nosso bairro sempre foi sossegado, deixávamos a porta destrancada. E quem era de casa, entrava.

—Nossa, parece até mala de mulher! O que você está levando aqui?-ela entrou de fininho.

—São lembranças sólidas de uma amiga mala!-apertei seu nariz e ela sorriu.

—Vim te ajudar! O que posso fazer por você?-olhei em volta, e todas as minhas malas já estavam fechadas. Olhei pra cara de sapeca dela e a desafiei.

—Pode começar a cantar a nossa canção!-ela fez uma cara de espanto.

—E desde quando temos uma canção?!

—Desde que você aceitou dançar comigo na festa do Eddy!

—Ah, mas eu nem me lembro de qual era a música que estava tocando, vida!

—Mas eu me lembro!-a puxei pela cintura nos envolvendo em uma dança. Comecei a emitir os sons da canção e ela começou a cantar.

—“Do you remember

When we fell in love

We were young and innocent then

Do you remember

How it all began

It just seemed like heaven so why did it end?”

—Essa música tem tudo a ver com a gente!-ela pronunciou encostando a cabeça em meu peito.

—Foi por isso que eu pedi para você cantá-la!-dei uma gargalhada irônica.

—Poncho, eu estou confusa!

—Então, somos dois!-ela se afastou de mim.

—Sabe, quando você me falou que ia se mudar, eu…

—Continue, moça!-fui terminar de ajeitar os poucos pertences que ainda estavam espalhados em meu quarto.

—Melhor, não…-larguei o que estava fazendo e fui dar atenção a ela. O que era mil vezes melhor do que qualquer jogo de Playstation!

—Olha, não sei se você reparou mas eu estou indo amanhã!-ela abaixou a cabeça e eu, a ergui. -Eu não falei isso pra te ferir mas pra que entenda que é melhor aproveitarmos esse instante!

—Eu sei e você está certo! Eu já adiei isso por tempo demais.

—Acho que vamos chegar ao lugar certo!

—Bem, quando você me disse que ia se mudar, eu senti uma pontada no coração. Como se alguém tivesse me dado uma facada e estivesse tirando a faca aos poucos.

—Eu não queria te fazer sofrer!

—Não foi você, acontece! São coisas da vida, Poncho!

Ela foi até a varanda que dava vista para o jardim da minha casa. A primavera mostrava as flores mais coloridas dando alegria a um momento tão triste e frio. Os passarinhos pareciam dançar entre elas uma divertida valsa.

Vê-la encantada com aquilo era pintar uma tela em meu coração. Ela era a musa e a primavera, o pincel. Aos poucos me aproximei dela e as costas da minha mão tocaram o rosto da minha musa, descendo até seus lábios suaves.

—Eu sei que não deveria. E…-entrelacei meus braços em sua cintura.

—Eu quero!-ela entrelaçou suas mãos no meu pescoço.

—Mas eu nunca…-com uma de minhas mãos, afastei uma mecha de seus cabelos dos seus olhos.

—Tampouco eu!-abriu um sorriso largo e fechou os olhos.

Vê-la sorrindo pra mim não tinha explicação.

Fechei meus olhos e uma brisa fresca passeava entre nós. E foi naquele clima, que nossos lábios se tocaram pela primeira vez. Selando um sentimento oculto que se assumira. Nossas bocas se ritmaram aos sons dos passarinhos e nada mais nos importava. Até uma batida forte na porta da sala anunciar que alguém chegara.

Nós nos abraçamos e aquele foi o nosso último contato, antes de eu partir.