Além do horizonte

Um dia cheio de pensamentos


P.O.V Astrid

Susana e eu estávamos almoçando no mesmo jardim de sempre que algumas elfas nos reservaram dias atrás. Eu estava cansada devido ao treino da manhã, porém com uma imensa fome já que eu havia tomado o café da manhã muito cedo, por outro lado, Susana parecia animada e imensamente feliz devido ao encontro com Baranon, tanto que mais falava e ficava perdida em pensamentos do que comia.

– Ai Astrid você tinha que ver! – Susana falou pela milésima vez com os olhos brilhantes e um enorme sorriso no rosto - O Baranon é muito lindo e romântico! Nós passeamos pelo jardim e ficamos observando as estrelas, depois conversamos sentados nas raízes de uma grande árvore e então... – Ela parou por um instante, respirou fundo e mirou o céu pensativa – E então ele me beijou tão romanticamente que meu coração quase explodiu... Ah como foi doce e... Mágico. Ficamos horas conversando, juntinhos, depois ele me acompanhou até o meu quarto e nos despedimos... Nossa mal dormi essa noite... E – Ela ia continuar, mas interrompi a fim de me livrar de toda aquela história melosa e entediante que só Susana era capaz de contar.

– Ah! – Bocejei - Estou morrendo de tédio com essa sua conversa fiada, você já disse isso umas centenas de vezes! – Disse entediada apoiando meu rosto com as mãos.

– Nossa como você é insensível hein! – Susana choramingou – Desse jeito o loiro príncipe não vai chegar nem perto de você! – Ela abafou um riso e depois me encarou ironicamente.

– Conta outra, ele já conversou comigo duas vezes e isso sem eu estar esperando – Relatei com uma postura séria, tentando evitar um riso ao me lembrar da risada de Légolas.

– Ah é mesmo? Você nem me contou hein! – Susana arregalou os olhos expressando curiosidade – Hum, o que será que esse loiro viu em você? – Ela riu baixo e me olhou pensativa.

– Não viu nada oras! – Afirmei seriamente – Os elfos não podem nem conversar comigo que você já fica colocando minhocas na cabeça e imaginando sabe lá as estrelas o quê?! É ruim hein! – Disse ríspida e um tanto entediada com o rumo que a conversa levou.

– Bom, vamos ver o que isso vai dar! – Ela riu maleficamente e eu rolei os olhos agradecendo por não conseguir ler mentes, afinal Susana não pensa em nada que preste e seria assustador ler sua mente em circunstâncias como essas.

– Haja paciência... – Suspirei – Eu ainda tenho uma longa tarde de estudos da Língua élfica e você já está me deixando cansada...

– Você não parece de bom humor hoje, Astrid. Bem... Você quase nunca está e principalmente comigo! – Ela me olhou atentamente exibindo um mínimo sorriso – Aconteceu algo? – Questionou curiosa.

– Bem... – Hesitei, afinal nunca fui de conversar abertamente com Susana, pois sempre fomos muito diferentes uma da outra, e enquanto ela só pensava em cuidar da beleza, dos vestidos e fazer compras no vilarejo, eu por outro lado, preferia ajudar Logan no campo, cavalgar e cuidar dos cavalos como forma de me afastar das tarefas que tanto Susana quanto Marine me obrigavam a fazer.

– Ah, pode me contar! – Ela choramingou – É com o loiro rei ou príncipe? – Arregalou os olhos desesperada por resposta.

– Não é isso! – Revirei os olhos impaciente – O problema é que... É com o meu treinamento e com Tamina principalmente...

– Tamina? Quem é? – Susana perguntou curiosa como sempre.

– É uma elfa que Fahir escolheu para treinar junto comigo – Respondi seriamente – Só que o problema é que em vez de ajudar ela atrapalha, e, além disso, me humilha. Você não sabe o que é ser humilhada todos os dias por alguém que se acha superior a você, não sabe o que é ouvir palavras de desdém e orgulho a todo instante, e também não sabe o que é se esforçar para melhorar seu desempenho em um treinamento, e sempre se manter no mesmo nível... Como se tentasse subir o próximo degrau da escada e não conseguisse... - Respirei fundo e mirei um ponto qualquer do jardim, remexendo o copo com restante do suco.

– Bem, acho que tenho uma noção de como seja. No dia em que cai na festa, em frente a todos do vilarejo... Foi o pior dia da minha vida e você sabe como fui apontada e zombada pelos jovens – Susana comentou seriamente um tanto nostálgica.

– Isso não se compara ao que eu tenho que passar todos os dias – Disse um pouco ríspida - Aliás, você sempre teve boa vida e nunca colocava as mãos na massa lá em Florenzia. Era eu quem tinha que fazer todo o trabalho pesado, enquanto você ficava o dia todo arrumando vestidos, lendo romances e passeando pelo vilarejo a procura dos jovens, além do mais, nunca me agradeceu por nada que eu fizesse, e ainda se achava tão superior a mim que fazia a cabeça de Marine para me obrigar a fazer tudo o que você quisesse... E agora que conseguiu conquistar Baranon não sai do meu pé, e está sempre a me pedir favores com gentileza só para seu próprio benefício... – Despejei tudo o que estava preso em minha garganta, afinal uma onda de raiva se apoderara de mim e certamente se eu continuasse a treinar com Tamina logo ficaria louca, porém teria de me controlar por mais que fosse difícil.

– Nossa... Parece que as coisas realmente não estão boas pra você... Me desculpe Astrid – Susana disse um tanto cabisbaixa e parecia surpresa com tudo o que eu havia dito em relação a ela, porém pela sua expressão eu sabia que no fundo ela sentia uma parcela de arrependimento e que esta parcela seria um tanto momentânea, pois geralmente Susana sempre voltava a ser como era antes, esquecendo-se de que se arrependera de certas atitudes momentos atrás.

– Bem... Deixa pra lá – Eu suspirei e a encarei seriamente – De qualquer forma terei de suportar isso e também não quero descontar tudo em você, por mais que às vezes mereça um castigo por ser tão chata... – Sorri minimamente aliviando a tensão.

– Tudo bem, eu sei que sou chata às vezes – Ela choramingou.

– Ás vezes em sempre! – Eu rolei os olhos e abafei um riso – principalmente agora com Baranon te perseguindo por aí!

– Ai nem me fale... – Susana abriu um largo sorriso ao ouvir o nome do elfo – Pelas estrelas que perfeição! Queria tanto que minha mãe estivesse aqui para ver. Aposto que ela ficaria tão feliz ao ver Baranon e eu... Juntos! – Ela deu ênfase no final.

– Era só o que faltava! Além de eu ter que aguentar você terei que aguentar Marine também? – Indaguei e revirei os olhos.

– Pode ter a certeza que sim! – Ela riu – Só espero que eu a veja logo, estou com muitas saudades, aliás, onde será que Logan e a minha mãe estão? – Questionou a irmã, preocupada.

– Estão a oeste da Grande Minéria e Gandalf está indo para lá afim de... De encontrar o tal dragão – Respondi vagamente perdida em meus pensamentos com relação aos últimos acontecimentos.

– Espero que voltem logo... – Susana comentou olhando a vasta extensão da Floresta das Trevas.

– Sim – Limitei-me a responder – Até mais Susana! Preciso ir agora, Fahir deve estar me esperando – Levantei e Susana assentiu.

Rumei até a biblioteca do Sábio e antes que eu entrasse apertei o pingente em forma de garras de águia nas mãos, em breve Gandalf e Logan voltariam com o dragão e eu temia que não fosse realmente digna de ser uma cavaleira, afinal não era forte e nem sábia o bastante para tal posição, além do mais, era uma grande responsabilidade também, uma responsabilidade que eu pensava ser incapaz cumprir...

Ouvi Fahir me chamar e rapidamente me livrei de tais pensamentos, depois continuei a caminhar seguindo o elfo até o salão superior. Quando cheguei até lá vi a mesa repleta de grossos livros postos em pilhas, e pelo jeito pude ter a certeza de que a tarde seria longa, e de que Fahir não facilitaria nada as coisas para mim.

“Nada como uma tarde longa e cheia de livros para manter minha mente ocupada”pensei.

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Marine estava costurando um de seus vestidos que se rasgara durante a viagem até ao pequeno vilarejo em que se encontrava, e por vezes, ela resmungava consigo mesma a respeito da situação em que se encontrava no momento. A mulher olhava o pequeno quarto com certo desgosto, porém tinha que admitir que aquilo era melhor do que fazer uma viagem de quase duas semanas, estando em péssimas condições e sem nenhum conforto sobre o lombo de um cavalo, correndo risco de um inesperado ataque de orcs ou animais selvagens e ainda por cima ter que dormir sob o relento da noite e encarar a chuva e o sol escaldante durante o dia.

Fergus ouvia os resmungos e suspiros da mulher e sempre procurava acalmá-la com palavras e um bom chá acompanhado de pães, afinal ele sabia o quanto ela sofria pela distância em que sua filha se encontrava, e o fato de que Astrid pudesse ser uma cavaleira de dragão, coisa que ela jamais pudesse imaginar, a preocupava cada dia mais, pois sempre pensava na possibilidade de que Taurus a encontrasse e acabasse levando Susana consigo também, para ser escravizada ou sabe lá as estrelas as maldades de que o elfo seria capaz de fazer para conseguir poder.

O pensamento lhe dava calafrios e quando isso acontecia Marine sempre procurava sair do quarto, descer a estreita escada da estalagem e se sentar em uma mesa isolada do hall de entrada que funcionava como taverna. Ouvir as altas conversas e risadas das pessoas ao redor a ajudava afastar tais ideias e fazia com que ela se sentisse melhor.

Logan trabalhava o dia todo em uma ferraria, pois precisava de dinheiro para manter-se na estalagem junto com Marine e Fergus e garantir uma quantia reserva suficiente para o caso de uma próxima viagem, que ele sabia que não tardaria a chegar, pois sabia também, como dito e combinado por Gandalf, que o mago iria até o vilarejo da montanha para procurar o dragão e leva-lo até Astrid.

Marine terminou de costurar seu vestido e levantou-se com o intuito de descer até a taverna com Fergus para espairecer a cabeça, porém quando fizera menção de abrir a porta do quarto se sobressaltou ao ouvir duas batidas de leve na mesma. A princípio a mulher hesitou, pois sabia que não se tratava de Logan já que ele nunca batia na porta para entrar, e com isso desconfiava que fosse o dono da estalagem que estava ali, talvez até com a intenção de despejá-los ou aumentar o valor da estadia.

Pensou alguns segundos e decididamente abriu a porta após a terceira batida, surpreendendo-se ao avistar a inesperada figura de Gandalf ali.

– Perdão minha cara – Desculpou-se o mago notando a surpresa no rosto de Marine – Não queria assustá-la, porém não pude avisar que viria.

– Ora, tudo bem Gandalf. Entre! Entre! - Disse a mulher seriamente dando passagem para o mago entrar.

Gandalf cumprimentou Fergus e observou cada detalhe do pequeno quarto. Sabia o quanto a situação estava desconfortável para todos, porém sabia o quão necessário era para que o destino de Astrid se cumprisse como cavaleira de dragão.

– Bem, creio que vocês já saibam o motivo pelo qual me encontro aqui – Disse alternando os olhares para Marine e Fergus e ambos concordaram que sim com a cabeça – Esperarei Logan chegar para que possamos conversar melhor a respeito do assunto.

– Claro Gandalf! – Concordou a mulher – Logan virá ao final da tarde, sente-se! – Ofereceu-lhe uma cadeira.

– Você parece muito aflita Marine – O mago analisou as feições cansada e preocupada da mulher - Se o problema for com Susana pode ficar tranquila, pois tanto ela quanto Astrid estão bem!

– Fico feliz por isso Gandalf, porém temo que esse tal de Taurus encontre Astrid e consequentemente machuque a Susana também – Disse cabisbaixa.

– Eu entendo sua preocupação, contudo não precisamos nos preocupar... Ainda – Ponderou o mago – Taurus ainda não sabe da existência de Astrid, porém está a procura do dragão e é por isso que teremos que agir com cautela.

– Essa história sobre o dragão continua não soando bem para mim – Marine disse em tom preocupado – E se ele se recusar a ir até a floresta? Ou então se voltar contra nós e... E nos machucar?... Ah, sei lá Gandalf, não se pode confiar em... Numa fera dessas! – A mulher gaguejou devido ao nervoso e medo que sentia.

– Calma minha senhora, tenho certeza de que o mago sabe o que faz! – Tranquilizou Fergus com um copo de água na mão.

– Conversaremos melhor depois, quando Logan estiver de volta! – Disse o mago pensativo e levantando-se rumou em direção à porta e saiu.

Marine respirou fundo tentando afastar os pensamentos ruins da cabeça e decidiu ir até a feira do vilarejo para comprar alguns pães e frutas. A mulher pegou as poucas moedas que tinha e embora Fergus insistisse em acompanha-la ela afirmou que iria sozinha.

A mulher passou pelo hall de entrada onde ficava a taverna da estalagem e avistou Gandalf sentado em um canto sozinho, o mesmo parecia perdido em pensamentos, enquanto tomava uma caneca com cerveja mirando um ponto qualquer da parede. Marine não se demorou a observá-lo e saiu rapidamente a fim de fazer todas as compras que precisava afinal fazer caminhada e compra a ajudava se manter mais calma.

A tarde passara rapidamente na opinião de Marine, a mesma andou por todo o centro da cidade e encontrara todos os alimentos que necessitava. As pessoas enchiam a pequena feira do lugar, eram crianças correndo de um lado para o outro, mulheres carregadas de pacote nas mãos e mercadores que gritavam os preços de seus produtos a fim de conseguirem maiores lucros. Tudo aquilo fazia com que Marine sentisse saudades de sua terra natal e se lembrasse do quanto sua vida era boa lá.

O sol já começava a se por e a mulher retornou para a estalagem, pois logo Logan voltaria da ferraria. Passou pela taverna atônita, a mesma encontrava-se cheia, muitos homens riam e conversavam alto balançando enormes canecas de cerveja e alguns pararam logo para observá-la maliciosamente fazendo com Marine subisse as pressas até o quarto.

– Onde você estava? – Questionou Logan interrompendo sua conversa com Gandalf.

– Estava na feira. Fui comprar alimentos e espairecer a cabeça – Respondeu calmamente e colocando os pacotes na mesinha.

– Ora isso é muito bom! - Comentou o homem sorrindo minimamente e logo endurecendo a expressão do rosto – Gandalf e eu iremos até a montanha esta noite e você ficará aqui com Fergus até que eu volte para buscá-los.

– Ai Logan tome cuidado! – Suspirou Marine com lágrimas nos olhos – Temo que o dragão não os escute ou que alguém desconfie de vocês...

– Não se preocupe Marine – Ponderou Gandalf sério – A maioria dos homens está na taverna bebendo e estarão tão bêbados que não conseguirão se quer desconfiar de algo... E quanto ao dragão não haverá problemas!

– Assim espero – Disse a mulher calmamente – Que as estrelas zelem por vocês!

– Voltaremos amanhã à noite, já que de dia o dragão poderá ser visto mais facilmente – Explicou Logan enquanto pegava sua espada e alguns alimentos.

Depois que tudo estava pronto ambos saíram cautelosamente da estalagem, certificando-se de que ninguém os indagaria. Por sorte, passaram despercebidos e logo tomaram o caminho que levava até a montanha próxima do vilarejo, esta que eram íngreme e tenebrosa, já que quase sempre era coberta pela neblina fazendo com que as pessoas acreditassem que fosse amaldiçoada.

– Meu caro amigo – Começou Gandalf fazendo com que seu bastão irradiasse luz – este é o começo de uma nova jornada!