Acordei com uma tremenda dor de cabeça, era como se eu tivesse levado um coice de cavalo. Minha visão ainda estava um pouco embaçada e tentava se ajustar a luz.

— Astrid? – Arya me chamou. Eu conhecia a voz dela mesmo com pouco tempo de convivência.

— Onde eu estou? – Perguntei, apesar de ver alguns sinais claros de que era meu quarto. Pensei que eu tinha passado do limite com vinho, pois minha cabeça latejava a ponto de explodir.

— Está no seu quarto, você desmaiou ontem! – Ela se aproximou e sentou perto de mim – Depois do feitiço de reversão você dormiu o dia todo.

— Sim, eu me lembro até a parte que eu comecei a desmaiar... E depois nada. Como estou agora? – Eu me sentei e passei a mão na cabeça, como que para aliviar a dor.

— Bom, só sei que mandaram me chamar e explicaram a situação. Fahir estava te carregando e você falava algumas coisas meio... Estranhas – Ela torceu o nariz e tentou segurar um riso – Você está mais élfica agora – Ela disfarçou uma expressão séria.

— Coisas estranhas? Como o que? – Eu a encarei tentando adivinhar o que poderia ser - O que eu falei de tão ruim assim? - Insisti.

— Bem... – Ela começou a ter um ataque de risos. Eu me levantei num pulo e joguei um travesseiro na cara dela, só que não surtiu efeito algum.

— Arya? – Eu a encarei, quase me deixando levar pelo ataque repentino dela, porém me esforçei ao máximo para me manter séria.

— Bom... – Ela respirou fundo e recompôs a postura normal – Como eu disse você estava sendo carregada, mas com o efeito do feitiço e tal... você... – Ela parou quase voltando a rir.

— O que tenho eu? – Eu a encarei para que ela continuasse.

— Você ficou puxando o cabelo de Fahir e falando “Nossa não sabia que o cabelo da estátua de mármore era macio... Não é justo eu quero um cabelo desses... você pode deixar o meu assim?” – Arya imitou minha voz de uma maneira meio boba - “Thranduil é chato, mas tem o cabelo bonito e parece de mulher” – Concluiu, e logo em seguida esboçou um meio sorriso de ironia para mim.

— É sério isso? – Arregalei os olhos, incrédula – Ele não estava lá pra ouvir? Estava?

— Ah estava sim! Todos estavam. Gandalf disse que era normal essas coisas acontecerem. – Ela disse seriamente – O rei ficou muito surpreso, mas percebi que ele ria um pouco! Também como não rir de uma cena dessas? – Ela sorriu de leve – Ninguém jamais falaria assim do rei, nem de brincadeira.

— Daqui a pouco ele vai solicitar minha presença lá como boba da corte! Era só o que me faltava! Sou uma idiota de plantão mesmo! – Eu disse irônica e Arya riu. Esfreguei meu rosto tentando esquecer a vergonha que eu havia causado, até que me lembrei de que agora eu era uma elfa de verdade.

Me aproximei de um espelho, próximo ao armário e então eu me vi como realmente era. Não havia mudado muito. As minhas orelhas estavam um pouco mais pontudas do que o normal, mas não tanto como as dos elfos puros. Minha pele parecia mais branca e mais cheia de vida e o cabelo ainda era ondulado, porém tinha um brilho a mais. Os meus olhos ganharam uma cor verde intensa, assim como os de Fahir.

— Até que eu não mudei muito! – Comentei enquanto olhava cada detalhe do meu rosto, um tanto surpresa.

— É até que não! – A elfa concordou – Vou avisar que você já acordou e pedir para que tragam sua comida! – Ela me disse antes de sair.

Aproveitei que estava sozinha para tomar um banho e encontrar alguma roupa que fosse do meu gosto. Fiquei pensando em tudo o que Gandalf havia revelado para mim. O fato de eu ser Meia-elfa e o fato de talvez eu ser uma cavaleira de dragão, porque minha mãe fora um dia, ainda não me soava muito bem. Depois que eu me arrumei, tomei meu café da manhã que uma elfa havia me trazido e fiquei observando o colar várias vezes, então pude perceber o quão importante ele era. Aquilo não era um simples adorno, era uma lembrança, um símbolo de coragem e de uma forte ligação entre um elfo e um dragão, coisa que eu jamais pudesse pensar como possível. Tentei imaginar como seria o tal dragão azul, se ele era muito grande e se cuspisse fogo... Tentei imaginar também como seriam Túriel e Aranir, meus pais... Até que fui interrompida por Arya.

— Solicitam sua presença no Salão do rei, mas não se preocupe, pois não vai ser intitulada como boba da corte – Ela ficou me olhando com um leve sorriso e eu a vi pelo reflexo do espelho, porque estava tentando fazer uma trança no cabelo.

— Tomara que não demore muito! Não quero passar mais vergonha! – Eu disse entediada com a situação, na verdade estava mais nervosa. Porque todo dia eu tinha que ver a cara da Estátua de mármore brilhante? Pensei.

— Acho que não vai demorar, não se preocupe! – Arya tentou me acalmar, enquanto ajeitava as mangas da minha túnica - Está ótima assim! Parece uma guerreira! - Ela elogiou.

— Obrigada! – Agradeci.

Confesso que meu ego se elevou um pouco, pelo menos eu tinha a certeza de que eu não era uma completa boba da corte.

Arya me acompanhou até o salão do rei, mais uma vez. E claro, a estátua de mármore estava lá e já começava a me olhar. Que sorte a minha, bufei.

Ela fez uma reverência para Thranduil e depois para Gandalf. Eu apenas cumprimentei Gandalf e encarei o Rei, aliás, eu não tinha a menor vontade de reverenciar a Estátua. Ele não merecia.

Arya me cutucou repreendendo minha atitude e semicerrou os olhos para mim, depois se retirou educadamente.

— Espero que tenha gostado de sua nova aparência, Astrid! – Gandalf comentou chamando minha atenção.

— Sim, obrigada Gandalf! Já estou me acostumando! – Eu agradeci o mago e ele sorriu, depois virou o olhar para Thranduil.

— Soube que os orcs estão próximos da Grande Minéria e há indícios de um dragão sobrevoando as montanhas a oeste – Disse e Thranduil o olhava sério, não demonstrava nenhuma reação.

— Espera? – Interrompi – As montanhas a oeste? Logan não está indo pra lá?– O mago se virou para me ouvir.

— Sim, está... E eu estarei indo para lá também– Ele tocou meu ombro e sorriu – Precisarei da ajuda dele para trazer o dragão até você!

— Não posso ir com você? – questionei – Se eu for mesmo uma cavaleira, o dragão saberá e não será difícil traze-lo até aqui, eu acho.

— Você deve ficar Astrid! – Ele interrompeu – Não é seguro andar por estas terras em tempos como esses, nos quais orcs ameaçam a paz. Você precisa aprender a lutar e creio que Fahir possa te ajudar com isso.

— Sim! Mas o dragão o seguirá? – Perguntei para o mago e notei que Thranduil me observava.

— Creio que sim, eu já o vi uma vez, em uma de minhas visitas a Elrond, em Rivendell. Dragões tem boa memória, Astrid! Mais do que se possa imaginar! - Gandalf explicou.

— Ele pode conversar com pessoas? - Eu não conhecia muito sobre dragões, então havia muitas perguntas a se fazer.

— Sim, ele pode. Você conhece a história sobre o dragão Smaug? – Balancei a cabeça que sim – Pois bem! Dragões são como pessoas no aspecto de falar, pensar e escolher caminhos como o bem e o mal. Mas o dragão que escolhe um cavaleiro pode muito além de tudo isso. – Ele olhou seriamente para mim e ajeitou o bastão em suas mãos - A ligação entre um dragão e um cavaleiro é tão forte que vocês podem escutar os pensamentos um do outro, compartilhar suas emoções e até mesmo força.

— Então posso ouvi-lo em minha mente e ainda sentir o que ele sente? - Perguntei curiosa e um tanto maravilhada com o relato do mago.

— Exatamente! Isso a torna especial e também a coloca em grande risco, já que os orcs ainda a procuram. Taurus, seu tio, quer o dragão e deseja o poder além de tudo - Ele explicou.

— Mas o dragão resistiria! Ele nunca aceitaria ser manipulado por outra pessoa que não fosse o próprio cavaleiro. – Thranduil comentou.

— Mas há muitos meios de se fazer o mal, Thranduil. – Gandalf se dirigiu ao rei – Taurus comanda os orcs agora, e ele tem grande conhecimento sobre magia. Ele enfeitiçará o dragão para que possa ser manipulado e fará Astrid jurar lealdade a ele se a encontrar.

— Jamais permitiria isso! – Eu fiquei com raiva ao pensar no que Taurus fosse capaz de fazer. Gandalf apenas me fitou e o olhar dele parecia estar cheio de preocupações.

— Sei disso! Mas você ainda precisa treinar! – Gandalf me aconselhou e eu concordei – Partirei hoje mesmo Thranduil! – O mago se dirigiu ao rei.

O rei assentiu e ordenou que alguns guardas o acompanhassem até os portões.

— Mas já tão rápido? – Eu segurei o braço do mago antes que ele saísse – Gostaria de me despedir!

— Um mago nunca parte tão rápido, cara Astrid, ele parte exatamente na hora que tem que partir! – Gandalf adquiriu um semblante sério e depois de segundos sorriu – Espero vê-la de novo em breve! - Gandalf disse sereno, tentando esconder a preocupação em sua voz.

— Eu também Gandalf! – Eu o abracei e depois observei o mago partir.

Fiquei alguns segundos mirando os pilares e o chão, até que percebi sons de passos atrás de mim. Me virei e encarei Thranduil.

— Levarei você até Fahir! – A voz dele soou grossa me dando arrepios.

— Eu sei o caminho! – Rebati e me virei rapidamente. Dei alguns passos e fiquei observando o lugar, que tinha muitas passarelas e escadas, muitas mesmo, então suspirei ao perceber que não me lembraria de tão facilmente o caminho.

— Estou esperando! – Ouvi a voz de Thranduil soar com impaciência e mesmo de costas pude perceber que ele ria discretamente.

— Acho que não me lembro! – Admiti contra a minha vontade.

— Eu já esperava... – Thranduil disse com tom de provocação. Ele passou por mim e seguiu em frente. Aquilo só poderia ser uma marcação com a minha pessoa, então comecei a segui-lo e dessa vez eu faria questão de prestar atenção no caminho.

— Para uma elfa você não tem boa memória! – Thranduil afirmou ainda de costas enquanto andava.

— Não prestei muita atenção no caminho... – Tentei me controlar, aquilo era um insulto.

— Mas prestou atenção no meu cabelo! – O elfo virou o rosto para me ver com o canto dos olhos e a voz dele soou com pura ironia.

— Vou aprender uma mágica e transformar esses seus cabelos loiros platinados em galhos de árvore! – Rebati e ri maleficamente.

— Estou morrendo de medo de você, Meia-elfa! - Ele parou e me encarou - já enfrentei muitas coisas nessas eras, coisas que você nunca sonharia em enfrentar – O elfo virou-se e continuou o caminho me olhando pelo canto dos olhos. Um sorriso discretamente me foi percebido. Claro! Estava sendo insultada.

Eu ainda continuava fitando os detalhes do palácio. Thranduil podia ser irritante, mas tinha bom gosto. Eu fiquei em silêncio não queria passar mais vergonha do que eu já havia passado. Estávamos passando perto do salão de quartos, quando de repente ouvi um grito.

— Astrid! Finalmente te achei! – Susana estava correndo pelo corredor, e de repente pulou em cima de mim me derrubando no chão.

— Sua idiota sai de cima de mim! – Eu a empurrei para que me livrasse do peso e nos levantamos ao mesmo tempo. Thranduil olhava impacientemente para nós.

— Desculpa! – ela riu ofegante – Eu te procurei a manhã toda! Olha pra você é uma elfa! Gandalf estava certo! – Ela dava pulinhos de alegria.

— Então ele te contou? – Questionei surpresa e percebi o quanto ela estava mais descansada e bem arrumada.

— Sim me contou tudo! Quase não acreditei na parte do dragão – Ela torceu o nariz – Ainda questionei Gandalf se não era um cavalo em vez do dragão! – Ela ria da minha cara.

— Você não presta mesmo! – Eu também ri agora.

— Você também não! Aonde vai com o loiro rei? – Ela olhou para o Thranduil com os olhos brilhantes, porém meio inseguros.

— Vou começar meu treinamento! – Eu a encarei – Depois nós conversamos Susana - Concluí.

— Ai tá bom então! – Ela ainda encarou o rei e depois voltou o olhar para mim. Eu ouvi ruídos de passos ao longe do salão, e já pude concluir que Susana havia se metido em alguma confusão, como sempre.

— Ai eu preciso ir! Lori me ajuda! – Susana saiu correndo de repente e gritando.

— Não dê atenção a ela! - eu disse para o Thranduil - É louca! - ele respirou fundo e fechou os olhos tentando manter a sua paciência.

Astrid