Susana

Susana começou a correr de um lado para o outro feito uma louca, quando percebeu que os guardas estavam atrás dela. Fiquei observando-a correr com um sorriso torto. A situação em que ela se encontrava era ruim, mas era divertido vê-la correr de um lado para outro, tentando se livrar dos elfos. Thranduil estava parado ao meu lado. Ele tinha um olhar sério e demonstrava estar impaciente com todo aquele alvoroço. Susana ficou perdida por um bom tempo, parecia não saber para que lado ir, até que um guarda a puxou pelo braço, fazendo-a gritar e espernear como uma criança.

— Me solta seu bruto! - Ela gritou emburrada, tentando se livrar do elfo, porém nada adiantou e outro guarda a segurou pelo ombro e a empurrou em direção ao Rei.

— Perdão majestade! – Disse um dos guardas que a segurava - Nós a pegamos com uma garrafa de vinho ao mesmo tempo em que bisbilhotava o quarto de um dos guardas. - O elfo relatou e apertou ainda mais o braço de Susana.

— Prendam-na! – Thranduil ordenou com um olhar de desdém. Seus olhos demonstravam tanta frieza que até me dava medo. Naquele momento agradeci por não estar no lugar de Susana.

— Não, por favor, Rei Loiro! Não me prenda, por favor! - Ela implorou e estava a ponto de chorar. - Não quero ficar presa sem poder tomar banho e me arrumar! Astrid fala pra ele me soltar! - Susana gritou descontroladamente, e me dirigiu um olhar de súplica que até me comoveu.

— Thranduil por... – Eu tentei interferir, mas o Rei me interrompeu. Minha preocupação com ela começou a aumentar.

— Quieta! – Ele gritou, me interrompendo. Eu senti uma pontada de raiva por isso, porque simplesmente detestava ser interrompida. O Rei se aproximou de Susana e ela estremeceu de medo. Embora Thranduil fosse um tanto excêntrico e elegante, ele exalava uma energia pesada e totalmente negativa com aquele jeito frio autoritário.

— Deixem que ela passe um dia na cela – Thranduil disse aos guardas num tom grave – Ela precisa ponderar melhor suas atitudes. Não é mesmo, Susana? - Concluiu lançando um olhar de desdém para Susana. O olhar do Rei era tão frio que ela tremia a ponto de quase desmaiar.

Os guardas assentiram a ordem e a arrastaram para a cela. Ela parecia frustrada por que os seus planos haviam ido por água a baixo. Ela queria muito descobrir quem era aquele soldado que a carregou no primeiro dia em que chegamos no Reino de Thranduil, e também queria experimentar um pouco do famoso vinho élfico. Arya havia me contado que o Rei tinha bom gosto para vinhos, e Susana logo ficou bem animada para bebê-lo, no entanto eu não imaginava que ela fosse tão adiante com essa vontade ridícula.

Seguimos os guardas que levavam Susana para as celas. Eu não tinha a menor vontade de acompanhá-los, mas Thranduil me obrigou com um só olhar. As celas ficavam em lugar escuro e frio. Susana e eu já estivemos ali antes e não fora uma experiência muito agradável.

Os guardas jogaram Susana para dentro da cela sem nenhuma cerimônia. Ela mantinha a expressão de raiva e seus olhos estavam marejados de lágrimas. Eu tenho que confessar que só naquele momento eu fiquei com um pouco de pena dela.

Passou-se alguns minutos e Lori apareceu com uma bandeja cheia de frutas. A julgar pelo sorriso de Susana ao vê-la eu imaginei que se ela estivesse livre a derrubaria no chão com um abraço cheio de alegria, porém a elfa encontrava-se séria.

— Ai que bom que veio Lori! Eu estava com fome! - Susana choramingou com um olhar de súplica.

— Nunca mais faça isso menina! – Ela resmungou enquanto passava as frutas pela cela – Roubar vinho da adega? E bisbilhotar o quarto de um elfo? – A elfa colocou uma mão na cintura e demonstrou estar bastante decepcionada com Susana.

— Des... Desculpa Lori! – Ela gaguejou – Eu só queria tomar um pouquinho de vinho e conhecer aquele elfo que te falei. - Choramingou novamente.

— O que você fez é errado, espero que um longo dia na cela a faça refletir melhor! – A elfa falou ríspida e depois se retirou, reverenciando Thranduil.

O Rei dispensou os guardas e os mesmos se retiraram com rápidas reverências. Eu respirei fundo e observei Susana que agora devorava todas as frutas que Lori a havia trazido. Não esperava que ela arrumasse tamanha confusão daquele jeito, confesso também que achei um equívoco da parte de Thranduil mandar prendê-la. Talvez devesse mandá-la organizar os livros da biblioteca de Fahir, levando em conta que ela detesta trabalhar, mas depois de um tempo pensei que seria merecido ela pagar por suas facetas ficando na cela.

Eu decidi não falar mais nada depois do ocorrido com a Susana. Queria evitar mais tumultos e também vergonhas, pois já bastava o que eu havia dito ontem por causa do feitiço. Aquela lembrança ainda e causava tontura.

Thranduil me levou até um grande salão que havia muitas estátuas de guerreiros empunhando espadas e arco e flechas. Me segurei para não rir ao vê-las, por que pareciam muito com a postura do rei quando ficava de pé em frente ao trono. Tentei disfarçar um pouco, mas acho que ele percebeu que eu achava graça, e só espero que ele não desconfie que eu o esteja comparando com as estátuas.

Subimos inúmeros degraus e havia uma alta porta no final. Como todas as que eu vi no palácio, esta porta também continha muitos detalhes e algumas runas em élfico.

Ao entrar, eu fiquei extremamente paralisada com tanta beleza. O salão era abobadado e o teto era de vidro, o que permitia a entrada da luz natural dando ao lugar maior claridade e conforto. Fahir empunhava uma espada prateada e eu fiquei impressionada com a velocidade que ele ensaiava os golpes. Certamente eu teria que aprender tudo aquilo e engoli em seco só de pensar.

— Alasse' aurë. – Disse Fahir ao caminhar na nossa direção.

Thranduil repetiu a palavra que eu não fazia ideia do que significava. Fahir percebeu minha dúvida e adiantou em me responder.

— Quer dizer Bom dia! – Ele disse.

— Ah Bom dia então! – Eu tentei ficar séria, porque ainda sentia muita vergonha de ter confundido o Fahir com a Estátua de mármore e ter comentado sobre o cabelo do rei.

— Espero que consiga transformá-la em uma guerreira, Fahir – A voz de Thranduil ecoou com autoridade. Ele expressou um sorriso torto e me olhava com o canto dos olhos como se quisesse me desafiar.

— Farei o melhor possível majestade - Fahir respondeu e embainhou a espada que ainda segurava. O elfo tinha uma postura elegante e exalava sabedoria.

— Ótimo então. - Disse o Rei indiferente.

Thranduil se retirou do salão majestosamente. Ele podia ser ríspido e arrogante, mas realmente possuía muita elegância ao demonstrar superioridade, isso eu tinha que concordar.

Fiquei observando algumas espadas que ficavam cuidadosamente dispostas numa mesa de pedra e alguns arcos organizados numa larga prateleira de madeira. Havia muitas lanças enfileiradas fincadas em suportes e muitos outros instrumentos de guerra que davam brilho nos olhos por sua perfeição em detalhes.

— Muito bem, Astrid. – Fahir interrompeu meus pensamentos chamando minha atenção – Você prefere começar com espada ou arco e flecha?

— Prefiro o arco, mas esqueci do meu – Tentei demonstrar firmeza apesar de estar totalmente nervosa.

— Sem problemas! Ele caminhou até a prateleira onde se dispunham os instrumentos. Analisou cada um com os olhos e satisfeito retirou um para mim. O arco era dourado com alguns detalhes imitando a escama de um dragão, um pouco menor e mais leve do que o de Logan, e meus dedos se ajustavam perfeitamente nele tanto que era como se o arco fosse feito para mim.

— Como percebeu este arco é mais leve e menor do que o seu, fica mais fácil para você aprender. Ele não permite tanta propulsão para que lance as flechas a uma longa distância, mas é perfeito para que comece a treinar a pontaria.

— Tudo bem.

Prestei atenção em tudo que ele havia me dito, queria dar o melhor de mim para não passar vergonha. Fahir pegou o seu arco que estava pendurado em um dos pilares e amarrou uma aljava de flechas nas costas. Ele pediu para que eu prestasse atenção na posição e nos movimentos, mirou em um alvo que estava mais ou menos a uns cinco metros de distância e atirou a flecha, que certeira atingiu o centro do alvo.

— Muito bem agora você. – Ele veio até mim e percebeu meu nervosismo – Não precisa ficar nervosa, é só um treinamento.

Ajeitei cuidadosamente o arco em minhas mãos e posicionei a flecha. Fahir não fez nenhuma menção em me corrigir, talvez eu estivesse fazendo do jeito certo ou talvez ele quisesse me avaliar primeiro.

Mirei em outro alvo, próximo ao que Fahir acertou. Não pensei duas vezes e atirei a flecha, mas ela acabou batendo na parede e caindo no chão. Fahir prendeu um riso e aquilo me deu raiva.

— Droga! - Dei um tapa de leve na minha cara, talvez eu fosse cair na real assim.

— Você ficou tensa demais, Astrid. - Fahir me alertou e eu pude perceber que ele ria por dentro e estava tentando disfarçar – Deve segurar o arco com leveza, assim. – Ele demonstrou.

Tentei novamente e dessa vez a flecha havia acertado o chão. Fahir me corrigia a todo momento e tentava me ajudar o máximo possível, mas não tinha jeito eu errava todas as tentativas.

— Já chega Fahir! – Gritei após a décima tentativa – Eu não consigo, não adianta!

— Raiva só vai piorar as coisas! – Ele tocou o meu ombro e sorria divertidamente da minha cara – Não vai ser fácil, mas precisa tentar e uma hora vai conseguir.

— Já consegui uma vez! – Abaixei meu tom de voz e olhava para o alvo – Eu atirei uma flecha em uma árvore do outro lado da margem do rio. Coloquei uma corda amarrada na flecha – Expliquei – Lancei e ela acertou o alvo! Susana e eu atravessamos o rio graças a isso.

— A necessidade de atravessar o rio, o desespero do momento, como um instinto de sobrevivência a fez se concentrar o máximo que pode para atingir o alvo. Além do mais aquelas árvores são bem grossas e qualquer arqueiro conseguiria tal proeza.

Fahir disse a última parte com ironia e eu sabia que era apenas para me irritar. Pensando bem ele até tinha razão, eu só consegui por um impulso de sobrevivência, mas se consegui uma vez poderia muito bem conseguir duas, três e assim por diante.

— Quero tentar de novo!

Ele se surpreendeu com aquela determinação repentina da minha parte, até mesmo eu. Posicionei a flecha e mirei o alvo novamente, tentei me concentrar ao máximo e fui me aproximando aos poucos da marca que eu havia determinado mentalmente, mas... Acabei tropeçando em algo e cai. Meu arco voou a poucos metros de mim e senti uma dor no meu braço esquerdo.

Hoje não é meu dia mesmo.

Fiquei estirada no chão por algum tempo, afinal no que eu havia tropeçado mesmo? Fahir respondeu minha pergunta.

— Nunca deixe sua aljava jogada no chão! – Ele me olhou cinicamente – Você pode precisar dela e também pode acabar tropeçando e... CAINDO. – Fahir deu ênfase na palavra, depois começou a rir.

— Muito engraçado e obrigada por me avisar, FAHIR! – Eu falei ironicamente me levantando.

— Acho melhor dar uma pausa pra você respirar!

Finalmente. Até que enfim.

Coloquei o arco em cima da mesa e me sentei no chão. Em poucos minutos havia esvaziado meu cantil de tanta sede. Fahir também havia se sentado em uma cadeira e tomava alguns goles de vinho.

— Então você acha o cabelo do rei bonito? – Fahir me perguntou de repente e rindo.

Que droga de pergunta é essa?

— Eu... quer dizer... talvez... que pergunta é essa Fahir? – Gaguejei e senti o suor escorrendo no rosto.

— Isso é só uma brincadeira, não se preocupe. – Ele ainda ria e aquilo me incomodava – Sei que estava sob o efeito do feitiço.

— Ah que bom que sabe! Só falei isso sem pensar! – Rebati ainda meio sem jeito – mas que esse rei é chato ele é...

— Sim, Thranduil tem um jeito muito difícil de lidar. Pode ser arrogante, sério e frio, mas ele é boa pessoa.

— Onde está o Légolas e a Tauriel? Não os vi em nenhum lugar faz dois dias. – Perguntei mudando de assunto.

— Estão fazendo patrulhas pela floresta e destruindo os ninhos das aranhas. Vão chegar hoje a tarde. – Fahir olhava para o copo que estava vazio.

— Entendi... Essas aranhas sempre estiveram na floresta? – perguntei.

— Não, elas invadiram a floresta a uns duzentos anos atrás quando uma grande guerra nessas terras havia se instalado. A floresta adoeceu com estas pragas, aos poucos foi se recuperando, mas algumas aranhas restantes pareceram se adaptar com a mata fechada.

Me levantei e peguei novamente o meu arco. Fahir me observava tendo a certeza de que eu faria outra tentativa com a flecha.

— Você treinou muitos guerreiros? Como a Tauriel e o Légolas? – Perguntei sem tirar os olhos do alvo posicionando a flecha com cuidado.

— Sim... Não muitos. Eu apenas treinei a Tauriel e ela sempre me impressionou com tamanha destreza com o arco, já Légolas foi treinado por outro elfo – Olhei de relance para o Fahir e vi que ele mantinha os olhos na flecha.

Respirei fundo, deixei que minha mão ficasse mais leve e soltei a flecha. Quase! A flecha acertou a borda do alvo, ficando muito longe do centro.

— Continue treinando e logo conseguirá.

A sorte está do meu lado hoje heim?