Passei a tarde toda treinando com Fahir, sem obter nenhum êxito em minhas tentativas com o arco e flecha. Eu já estava cansada e completamente frustrada com tudo aquilo, a única coisa que eu conseguia pensar era quando chegaria logo a hora do jantar. Se é que um banquete de frutas e vegetais pode ser considerado banquete, sem a companhia de alguma carne, pois eu ainda não havia me acostumado com esse costume vegetariano dos elfos.

– Bom Astrid por hoje é só. Amanhã cedo continuaremos o treinamento – Disse Fahir ao perceber que eu não estava mais com cabeça para o treino.

– Amanhã cedo? Nem me recuperei desse ainda! – Eu ria ironicamente da minha situação tentando esconder um pouco minha frustração.

– Mas acho bom se recuperar! – Fahir fingiu uma cara séria – Não podemos perder tempo, você precisa estar preparada quando o seu dragão chegar.

– Farei o melhor possível Fahir! – Disse seriamente esboçando um sorriso de confiança, mas só esboçando mesmo porque realmente eu estava decepcionada comigo.

– Assim está melhor! Agora pode ir – Ele sorriu e gesticulou para que eu fosse.

Saí do salão de treinamento um tanto aliviada e tudo que mais queria naquele momento era comer e dormir. Eu andava tão apressada para chegar ao meu quarto que nem prestei atenção por onde eu estava andando, por vezes me perdi naquele mundo de escadas e corredores, e quando não, eu esbarrava em alguém pelo caminho. Não sei quantas desculpas eu havia pedido naquele instante.

Passando por um dos corredores que antecediam ao do meu quarto, uma porta me chamou a atenção. Era uma porta grande e cor de creme, toda desenhada com detalhes em dourado e com duas argolas da mesma cor como uma espécie de maçaneta. Fiquei curiosa para saber o que havia do outro lado, então eu decidi dar uma espiadinha como a Susana diria.

Toquei a argola e empurrei um pouco, mas um elfo de não sei onde ele surgiu, me parou de repente.

– O que faz aqui garota? Esta ala é proibida – Ele segurou meu braço e falou ríspido arregalando os olhos.

– Desculpa, estou perdida... Porque esta ala é proibida? - Olhei confusa para ele tentando me desculpar e ao mesmo tempo acabar com minha dúvida.

– Esta é a ala real, somente alguns elfos tem acesso a ela. – Ele me soltou bruscamente e me encarou- Agora saia daqui!

Eu sai correndo até chegar na porta do meu quarto. Demorei alguns minutos para entrar tentando recuperar meu fôlego, lembrei da Susana correndo loucamente dos guardas pela manhã e estranhamente senti a falta dela.

Entrei ainda sem fôlego e acabei dando de cara com a Arya, Lori e a Susana rindo, ou melhor, gritando feito loucas.

– O que é isso? – Perguntei cruzando os braços mediante aquela cena – Do que estão rindo?

– Estamos rindo... – Arya tentava se explicar, enquanto recuperava o fôlego – De... Você.

– Hã? O que? – Encarei as três com os braços cruzados e fiquei esperando alguma resposta mais clara. Arya sempre se mantinha séria e me surpreendi ao vê-la naquela situação.

– Contei a elas a história do “Thranduil é chato mas tem o cabelo bonito e parece de mulher” – Arya deu ênfase no final simbolizando aspas.

– Isso não tem graça... Depois eu é que sou a boba da corte né? – Suspirei ignorando as três e indo em direção ao armário.

– Ah tem sim! – Disse Susana toda animada – O Loiro rei é tão lindo Astrid, e também bem chato e bravo como você!

– Quer calar a boca! – Resmunguei e ela riu – Você não devia estar na cela? Quem foi o doido que te tirou de lá?

– Advinha? – Lori disse em meio aos risos.

Eu não estava com a cabeça boa para advinhas e tentei ignorá-las.

– Foi o Loiro Príncipe! – Os olhos da Susana brilhavam ao dizer isso – Ele foi lá hoje à tarde, me tirou da cela e ainda me convidou pra jantar.

– Jantar? – Perguntei sem muito interesse olhando Susana com tédio.

– Sim – Interrompeu Lori – Hoje é o dia de comemorar nossa colheita de primavera, por isso o Rei Thranduil decidiu fazer um jantar para a celebração.

– E eu fui convidada! – Susana gritou dando pulinhos pelo quarto.

– Você também foi querida – Arya tocou no meu ombro – Por isso precisa se arrumar para comparecer impecável – Ela me empurrou em direção ao banheiro, e eu fiquei sem entender o porquê de tanta animação por conta de um simples jantar.

– Ah, mas eu não vou não! – Protestei – Está louca? Nem sou tão importante assim... - Concluí tentando convencer do contrário.

– Larga de ser besta Astrid – Susana beliscou meu braço rindo – Os Loiros vão estar lá pense nisso.

– Vaza daqui menina! – Gritei expressando meu descontentamento.

– Ai! Tá bom já vou! – Ela choramingou – Vamos Lori! Quero estar lindamente linda pra hoje – Susana arrastou Lori para fora e parecia que ia ter um ataque do coração de tanta felicidade.

– Até mais pra vocês! – Lori disse ao sair do quarto sendo arrastada por Susana.

Arya preparou um banho perfumado para mim, com dezenas de flores e ervas que eu nem conhecia o nome. Ela queria me obrigar a vestir um vestido laranja todo extravagante, mas recusei firmemente e incansavelmente até ela concordar em me arrumar uma calça e túnica adequadas para a ocasião.

Minha calça era preta e justa e a túnica que batia na altura dos joelhos era vermelha, ainda tinha um corset dourado que Arya havia feito para mim, pois segundo ela eu tinha a cintura muito reta. Ela arrumou o meu cabelo numa trança embutida como eu sempre usava e implorou para que eu não falasse nenhuma besteira, já que além do rei Thranduil e do Légolas, haveria muitos outros elfos da guarda real e sábios do reino.

***~~~~***

Arya me levou até o salão do banquete, ela também foi convidada e isso me deu certo alívio. Encontramos Susana sendo acompanhada por Lori e ela vestia um vestido roxo com mangas longas detalhadas em dourado, com uma fita dourada na cintura que divergia em triângulo até a ponta do vestido. O decote era levemente retangular e a cor realçava a sua pele alva. Os cabelos dela estavam soltos e mais encaracolados que o normal.

Nos cumprimentamos rapidamente, afinal o nervosismo pairava sobre nós duas então não trocamos nenhuma palavra durante o caminho, Susana parecia estar muito mais tensa do que eu, talvez porque eu não estivesse muito interessada na cerimônia. Quando chegamos até o salão, todos os que estavam presentes nos observaram. Senti meu rosto queimar de vergonha, mas tentei disfarçar. Lori se despediu de nós, pois não participaria do jantar então Arya nos acompanhou até a mesa.

Eu e Susana nos sentamos perto de Légolas e Tauriel enquanto Arya sentou-se ao lado de Fahir, de modo que ficou de frente para nós.

O Rei Thranduil estava na ponta, sentado em uma bela cadeira de madeira com detalhes em dourado, ele nos observou sentar e apresentava o mesmo olhar gélido e inexpressivo de sempre, apenas sorria discretamente.

– Obrigado por aceitarem o convite – Disse Légolas baixinho para que eu e Susana escutássemos.

– Ora não há de que – Respondi baixo, surpresa de ouvir Légolas falar conosco.

– Ai Loir... Quer dizer Légolas – Susana se confundiu e corou – Obrigada você por nos convidar.

Légolas assentiu ao agradecimento de Susana e pude perceber que ela estava muito corada, afinal o elfo era o príncipe e por sorte extremamente bonito, tudo o que ela sempre sonhava em encontrar.

– Um brinde para celebrar a fartura e as estrelas – Thranduil ergueu a taça com o vinho elegantemente. Todos repetiram o gesto e brindaram as taças.

A comida foi servida e havia inúmeros pratos ali, com dezenas de vegetais e frutas que enchiam os olhos, também havia vinho de sobra e da melhor qualidade. Confesso que nunca bebi um vinho tão bom quanto aquele, e tive que me controlar para não passar da conta e acabar ficando bêbada, causando mais situações constrangedoras de que eu sou capaz de causar em estado normal.

Todos os elfos presentes comiam de maneira elegante e em ritmo calmo, apreciando bons goles de vinho aos poucos e saboreando cada refeição com delicadeza, demonstrando o agradecimento pela farta colheita da estação.

Depois que todos haviam comido, Thranduil discursou agradecimentos e um grupo de elfos começou a tocar alguns instrumentos.

A música era doce e animada, segundo Arya era para celebrar as estrelas.

– Espero que não se atrase para o treino amanhã – Fahir me alertou ao me ver bebendo a terceira taça de vinho.

– Não me atrasarei, eu prometo! – Eu afirmei devolvendo minha taça na mesa.

– Ei Astrid! – Susana me chamou para um canto afastado – Esta vendo aquele elfo de cabelos castanhos que está de azul segurando uma taça de vinho? – Ela apontou discretamente para o elfo.

– Sim e o que tem ele? – Perguntei já sabendo do que se tratava.

– É aquele elfo que me carregou até aqui lembra? – Ela sorriu – Você poderia descobrir o nome dele pra mim?

– Não é mais fácil você ir até lá e perguntar? – Eu a desafiei sorrindo divertidamente com a cara de vergonha dela.

– Ai mas eu... tenho vergonha... – Ela corou.

– Vamos até lá! – Eu a encorajei a puxando pelo braço – Ele está conversando com Fahir.

– Não me puxa sua égu... – Susana ia me xingar, mas já estávamos perto do grupo de elfos.

– Ah Fahir! – Eu comecei – Está é minha irmã Susana.

– Prazer em conhecê-la Susana – Ele respondeu.

– Igualmente... – Ela disfarçou os olhares para o elfo do lado.

– Você também é arqueiro? – Perguntei para o elfo.

– Sim eu sou arqueiro da guarda real, mas também sou espadachim. – Ele me respondeu educadamente e percebi que ele olhou de relance para a Susana.

– Baranon também foi meu aprendiz – Comentou Fahir – Ele também não começou muito bem com o arco e flecha na época, mas hoje é um dos melhores arqueiros que já vi.

– Então ainda há esperança para mim – Comentei me lembrando do treino do dia.

– Se você se esforçar vai conseguir, com certeza! – Baranon me disse sorrindo e eu concordei – Ah e desculpe-me por ter te arrastado aquele dia – Ele se referiu para a Susana, que agora estava parecendo um tomate.

– Tudo bem... Não... Tá desculpado – Ela gaguejou e sorria bobamente.

– Quer dançar? – Baranon a convidou estendendo sua mão direita.

– Claro! - Ela aceitou timidamente.

Olhei para o Fahir e ele sorria mediante a situação. Fiquei observando Susana dançar com Baranon por um tempo, depois me juntei a Tauriel e Arya que conversavam sobre Légolas e Thranduil. Não fiquei muito tempo lá e voltei a falar com Fahir que estava conversando com Légolas.

Aos poucos o salão foi se esvaziando e Arya chamou a mim e Susana para que fôssemos.

Ela nos obrigou a agradecer Thranduil pelo convite e nós agradecemos timidamente, embora ele não parasse de nos encarar. Aqueles olhos dele eram como se fosse duas cobras a ponto de dar o bote, não é a toa que ele é tão respeitado por aqui.

– Ai o Baranon é tão lindo vocês tinham que ver... – Susana cochichou enquanto caminhávamos em direção aos quartos – E o loiro rei ficou te olhando irmãzinha...

– Impressão sua – Rebati – Ele olha para todo mundo... Normal.

– Muito bem – Interrompeu Arya – Amanhã vocês discutem isso! Agora podem ir para seus quartos.

– Boa noite pra vocês!– Susana disse baixo ainda rindo.

– Boa noite – Arya e eu respondemos em uníssono.

Entrei no quarto e me joguei na cama, sentia meu corpo pesado e cansado. Cochilei por algum tempo, mas acabei perdendo o sono de repente, quando me lembrei da porta dourada. Me levantei num pulo tomada pela curiosidade.

Andei cuidadosamente pelos corredores, a fim de não chamar atenção de algum guarda que pudesse estar de vigia. Me esquivei de duas elfas que passavam com uma pilha de tecidos em um dos corredores, até finalmente estar frente a frente com a porta.

Abri silenciosamente e entrei. Paralisei ao ver que o ambiente era uma enorme biblioteca. Havia gigantes prateleiras com pilhas de livros, algumas mesas redondas bem distribuídas no centro e duas poltronas que ficavam próximas a uma janela.

No teto pendia um lustre cheio de velas que iluminavam todo o centro, e nos arredores haviam várias lanternas penduradas nas paredes.

Andei por todos os corredores a procura de um livro que despertasse meu interesse, mas ao abrir alguns percebi que estavam em élfico.

Droga! Não tem nada na minha língua aqui.

Passaram-se minutos e pelas minhas contas eu já havia tirado uns vinte livros da prateleira, todos em élfico, até que olhando mais acima de uma prateleira eu vi um livro grosso com a capa prateada que me chamou a atenção.

Subi numa pequena escada de madeira para alcançar, eu estava mais ou menos a uns dois metros do chão. Na capa do livro estava escrito a palavra Lairë. Abri algumas páginas e vi que também era élfico, então o devolvi frustrada.

– O que está fazendo aqui? – Levei um susto ao ouvir uma voz de repente, pisei em falso no degrau e cai.

– Ai droga! Quem é? – Me levantei às pressas alisando meu braço que doía com o tombo - Thranduil? – Fiquei pasma ao ver que era o rei, e ele estava com cara de que queria me matar – Desculpa... Eu... Não ia roubar nada... Não rasguei nada viu...

– Não devia estar dormindo? – Ele questionou andando em direção a janela. A voz dele ecoou um pouco.

– Eu... Perdi o sono ai estava andando e entrei aqui... – Eu tentava me explicar, mas tudo que eu queria era sair correndo dali.

– Esta biblioteca é restrita, apenas os membros reais e sábios podem ter acesso à ela. – Ele disse de costas olhando pela janela.

– Olha, eu não sabia... – Senti minhas mãos suarem- mesmo se estivesse escrito na porta eu não ia saber... Tudo aqui tá em élfico, será que não tem nada na minha língua não hein... ? – falei demais e Thranduil se virou e me encarava com um sorriso torto.

– Mesmo assim – Ele me encarou – Não se deve bisbilhotar lugares que você não conheça.

– Está bem, prometo que não vou invadir mais nada, Boa noite... – Me adiantei em concordar com minha atitude bisbilhoteira e corri para a porta.

– Alassëa Lómë – Ele me disse antes que saísse.

– Que isso? – Ainda por cima questionei, porque ele não podia falar minha língua hein?

– Quer dizer Boa Noite. – Ele disse educadamente, mas seus olhos demonstravam um pouco de impaciência.

– Ah sim... Seria mais fácil se dissesse na minha língua de uma vez – Eu o encarei seriamente e ele se irritou um pouco. Não sei por que, mas eu acho divertido encarar o rei.

Eu sai correndo, sem mais nem menos, deixando a biblioteca para trás e rapidamente entrando no meu quarto com cautela. Me joguei na cama e fiquei esperando que o sono viesse. Só espero que o Thranduil não venha me matar em sonho, pensei.