Além do horizonte

Entre livros e sob estrelas


Depois da briga com Tamina me senti aliviada por estar sozinha novamente, sem os olhares de uma multidão para mim, e apesar de ter passado por uma situação bastante constrangedora apanhando em público, eu não me sentia envergonhada e tampouco ofendida pelo ocorrido, mas sim enraivecida por ter a sorte de encontrar a elfa num péssimo momento como aquele.

Se aguentar Tamina fosse um teste de paciência imposto por Fahir, eu não teria a mínima chance de ser aprovada, além do mais, eu não descartava tal ideia e também não repudiava a hipótese da elfa me odiar por eu ser Meia elfa.

Encontrei Susana no corredor dos quartos com a Lori, as duas conversavam e riam animadamente, enquanto seguravam pequenos amontoados coloridos de tecidos com algumas fitas pendentes, que balançavam conforme o vento deslocado.

– Astrid! – Ela me chamou ao me aproximar – Você encontrou Baranon?

– Sim, e também entreguei o seu bilhete não se preocupe! – Sorri minimamente escondendo minha raiva de minutos atrás, que não passaram despercebidos por Lori.

– Você está bem? – A elfa de longos cabelos negros perguntou – Parece preocupada – Ela me olhou atenciosa.

– Não é nada, apenas estou cansada por causa dos treinos – Disse séria demonstrando um sorriso discreto.

– Eu imagino que sim – Ela sorriu – Vamos Susana, temos que acabar seu vestido!

– Obrigada Astrid! – Susana me agradeceu estampando um enorme sorriso – E lembre-se se quiser ajuda com os loiros é só pedir.

– Já disse que não vou precisar – Respondi com um sorriso torto mediante ao comentário - Ah, e boa sorte com Baranon!

– Obrigada – Ela disse corando e sorrindo continuamente, como se o nome do elfo fosse uma palavra mágica, que fizesse a pessoa rir involuntariamente – Até breve! - Susana seguiu Lori adentrando o aposento e fez um breve aceno para se despedir.

Voltei ao meu quarto e vi uma bandeja com pães e suco posta em cima da mesinha redonda que ficava ao canto esquerdo do cômodo, me senti grata por isso, afinal eu treinei a manhã inteira sem pausas e estava a ponto de desmaiar se não comesse algo urgentemente.

Após o rápido almoço, lavei o rosto, ajeitei o cabelo que estava todo embaraçado numa trança e rumei para a biblioteca de Fahir como combinado.

Passei pelo salão real, onde Thranduil se encontrava sentado em seu trono com as pernas cruzadas e postura séria, conversando com Tauriel e outros dois elfos, e eu tratei de sair logo do lugar, a fim de evitar, por acaso, que ele me encarasse.

Cheguei até a biblioteca e procurei por Fahir, porém não o encontrei em nenhum lugar possível. O salão era maior do que eu pensava e à medida que eu ia caminhando entre os corredores ia perdendo o rumo em meio a tantos livros, prateleiras e artefatos antigos empoeirados, tanto que eu até me imaginava em um labirinto antigo de algum castelo em ruínas.

Eu olhei atentamente em cada canto da biblioteca enquanto chamava pelo sábio elfo, até que descobri uma estreita escadaria que levava ao salão superior. Subi cuidadosamente os degraus de pedra e ao final uma enorme quantidade de prateleiras com mais livros surgiu imponentes.

– Ah, você está aí! – A voz de Fahir ecoou pela biblioteca – Eu sabia que viria, creio que deve ser uma devoradora de livros – Olhei atentamente para encontra-lo e o vi sentado em uma cadeira entalhada próximo a uma janela.

– Foi difícil encontra-lo, esta biblioteca parece mais um labirinto – Me aproximei do elfo e sentei em uma cadeira ao lado.

– Posso imaginar – O elfo riu baixo e começou a folhear um livro - Eu gosto de colecionar livros dos mais variados gêneros como história, poesia, medicina, enciclopédias, enfim, todos que se possa imaginar e... Bom, já faz muitos séculos que eu venho colecionando não só livros como também alguns objetos de valores históricos, afinal o conhecimento é uma dádiva, porém é como um jardim, se não for cultivado não poderá ser colhido.

Durante alguns segundos meditei as palavras de Fahir, a maneira como ele falava dos livros me impressionava, de uma forma que me despertava uma enorme vontade de ler e aprender algo diferente.

– Então devo começar a aprender élfico agora, não acha? – Perguntei me libertando do transe das palavras do elfo.

– Claro, por isso estamos aqui! Para que se torne uma elfa mais inteligente e sábia – Ele arqueou uma sobrancelha e se levantou.

– Mas inteligência e sabedoria não é a mesma coisa? – Questionei.

– Ora, mas claro que não! – Fahir sorriu e virou-se para uma prateleira retirando um livro – A inteligência é algo que nasce com você, e pode ser desenvolvida ao longo do tempo através do estudo e da leitura, já a sabedoria é adquirida através das experiências vividas ao longo da vida.

– Entendi... Mas sempre pensei que era a mesma coisa – Comentei ainda pensativa.

– Agora vamos começar! - Fahir me entregou um enorme e pesado livro de capa vermelha com algumas palavras em élfico e outras na língua dos humanos.

– Dicionário élfico – Eu li e folheei algumas páginas – E as palavras em élfico são traduzidas na minha língua?

– Exatamente, isso vai facilitar para que aprenda nosso idioma - O elfo sentou-se novamente e começou a explicar alguns cumprimentos em élfico.

Durante longos minutos, Fahir me fez repetir as palavras selecionadas no dicionário, sempre corrigindo minha pronúncia ao lê-las e o modo como eu as escrevia. Não era nada agradável repetir centenas de vezes as mesmas palavras, quanto mais insistir no mesmo erro sempre, como eu fazia, aliás a língua dos elfos era complicada e cheia de pronúncias que para mim eram como se fossem verdadeiros trava-línguas e enigmas.

– Assela... Alazea... Droga é Alassea úndomé? – Tentei ler uma das palavras listadas e acabei me enrolando para falar, além do mais Fahir estava rindo de mim – Qual a graça? Eu estou tentando ler ora!

– O correto é Alasse' undómë, que significa boa tarde – Ele disse um pouco mais sério, porém ainda sorria.

– Pois então, não foi isso que eu disse? – Fechei o livro e ri irônica.

– Digamos que você quase disse – Fahir gesticulou com as mãos – Mas está bom para começar, pode ir agora se quiser.

– Obrigada Fahir! - Agradeci o elfo e me levantei para ir.

– Espere Astrid! – Fahir me chamou antes que eu me retirasse – Gostaria que levasse este livro com você – Ele estendeu um livro de capa marrom – Ele conta a história sobre os dragões e está escrito tanto em élfico quanto na língua dos homens, creio que você vai aprender muito com ele.

– Obrigada de novo Fahir! - Peguei o livro e li na capa “O Conto dos Dragões”, sorri para o elfo agradecida e me retirei do salão.

Já era fim da tarde e aproveitei para ir até a varanda comtemplar o pôr do sol, antes de voltar ao meu quarto para começar a ler. O vento soprava sereno e morno, grilos cantavam a chegada da noite e estrelas começavam a brilhar no céu, toda aquela bela visão da floresta me encantava e apesar de ser densa e inóspita me trazia certa paz interior, de uma forma que eu poderia ficar ali por horas comtemplando o horizonte, perdida em pensamentos sem ao menos me preocupar com o mundo ou com problemas cotidianos.

– É uma bela visão não acha? – Uma voz chamou minha atenção e eu me virei para ver quem era.

– Sim, é muito bonita! – Eu disse ao perceber que era Légolas que estava ali.

– Às vezes eu venho aqui também, para espairecer a cabeça ou me acalmar quando estou muito nervoso ou com problemas – A voz do elfo soava com suavidade e os olhos cor de safira brilhavam com a fraca luz do pôr do sol.

– Bom eu só vim aqui porque queria pensar um pouco, afinal ainda tenho dificuldades de aceitar o que eu me tornei e por vezes eu duvido de que eu possa ser uma cavaleira de dragão... – Fiz uma pausa para respirar - Pra começar sou Meia- elfa, segundo, eu nem sei atirar uma flecha no alvo, terceiro, eu não sou boa com espadas e quarto, eu nem tenho aparência de uma guerreira, pareço mais uma espécie de... Boba da corte – Desabafei sem mais nem menos e depois comecei a rir de repente, meditando o que havia dito e constatando que tudo era a mais pura verdade. Légolas me encarou e também começou a rir de uma forma engraçada que só piorava a situação.

– Você pode ser Meia-elfa, mas isso não te impede de ser uma cavaleira, aliás, os grandes guerreiros da história não foram os mais poderosos, sábios ou considerados melhores em tudo, mas sim aqueles que eram simples, humildes e diferentes da maioria. Ah! E você não é uma boba da corte... – Légolas observava as estrelas enquanto falava, e eu pude perceber o quão verdadeiro em suas palavras ele estava sendo.

– Assim como você não é? – Comentei ainda sorrindo e o elfo voltou o seu olhar para mim – Apesar de você ser o Príncipe, você é simples e humilde e não é como o Rei Thranduil que vive encarando os outros, sendo grosseiro e também muito chato – Mordi a língua ao perceber que havia falado demais, mas Légolas parecia não se importar.

– Obrigado – O elfo sorriu – Meu Ada tem um temperamento difícil mesmo, e por ser um Rei ele deve se portar de forma séria e formal para que seja respeitado, mas sei que ás vezes ele exagera um pouco podendo ser mais grosso do que o normal...

– Ás vezes em sempre? – Eu comecei a rir continuamente.

– Sim, às vezes em sempre... – Légolas ria discretamente divertindo-se com meu comentário, além do mais devo admitir que ele tinha uma risada muito gostosa de ouvir.

– Bom eu preciso ir Légolas, Alassëa lómë – Me despedi do elfo e lembrei-me do cumprimento em élfico que fiz questão de dizer.

– Vejo que está aprendendo élfico hein – Ele sorriu surpreso – Boa noite pra você também! – Eu apenas sorri e sai da varanda.

Entrei no quarto e me joguei em uma cadeira para descansar antes de começar a ler O Conto dos Dragões, bebi uma jarra de água rapidamente e comi algumas frutas que estavam na mesa, afinal nada melhor do que ficar a sós no quarto tendo o silêncio como companhia para repor as energias após um longo dia como esse.

P.o.v Susana

A cada minuto que se passava e à medida que a noite se aproximava eu ia ficando cada vez mais nervosa, afinal eu iria me encontrar com Baranon e o desespero de não ficar pronta na hora combinada era iminente. Lori fazia os ajustes finais do meu vestido e a todo instante me dava broncas para que eu ficasse quieta e parasse de reclamar.

– Fica parada Susana! – A elfa implorou pela milésima vez – Falta pouco e eu só preciso prender a renda nas mangas.

– Ora vamos logo com isso Lori, eu estou cansada – Disse emburrada demonstrando minha impaciência.

– Só mais alguns minutinhos e estará pronta! – Lori sentia-se pressionada por mim, mas eu me sentia muito cansada por estar em pé por quase duas horas.

– Pronto, já terminei – A elfa diz satisfeita olhando atentamente cada detalhe do vestido – Você está parecendo uma princesa e aposto que Baranon ficará tão encantado quanto eu estou.

– Obrigada Lori! Você é a melhor amiga que eu já tive – Dei um pulo de alegria e abracei a elfa como agradecimento.

– Ora não há de que, e eu estou aqui para te ajudar no que for preciso – Lori retribuiu meu gesto – Agora vamos ver o cabelo! – Ela desprendeu algumas mexas do meu cabelo, de modo que elas pendiam cacheadas.

– Agora está perfeita! – A elfa disse orgulhosa de seu trabalho ao me ver toda arrumada – Bom acho melhor você ir, vou leva-la até Baranon.

Lori me puxou pelo braço e me guiou até o enorme jardim do palácio, onde uma mesa foi cuidadosamente arrumada e separada para mim e Baranon. Havia vários postes espalhados no jardim e no topo pendiam médias lamparinas que iluminavam todo o espaço, revelando a beleza das flores e de uma pequena fonte que ficava ao centro. Baranon estava de costas observando as estrelas, mas ao perceber que eu me aproximava se virou para me cumprimentar.

– Como vai princesa Susana? Está ainda mais bonita hoje – Ele tomou uma das minhas mãos e a beijou, me fazendo corar a ponto de me transformar em um tomate.

– Obrigada – Eu respondi meio sem jeito com o comentário do elfo e percebi que ele me olhava dos pés a cabeça – Lori fez um excelente trabalho com o vestido – comentei.

– Com certeza – Ele sorriu e me levou até a mesa, onde a janta estava cuidadosamente posta.

– Nossa! Este é o jardim mais bonito que eu já vi em toda minha vida – Eu disse enquanto sentava-me na cadeira que Baranon me ofereceu.

– Ele é ainda mais bonito durante o dia, pois podemos ter a bela visão da floresta e das montanhas ao longe, mas a noite, temos o privilégio de contemplar as constelações e a lua – Os olhos do elfo voltaram-se do céu para mim e eu pude ver o intenso brilho esverdeado neles.

Durantes alguns minutos ficamos em silêncio, apenas concentrados na comida e no vinho que estavam dispostos na mesa, eu me sentia um tanto insegura e nervosa e queria muito que Astrid estivesse por perto para me ajudar, afinal ela tem sempre algum assunto a dizer, e aposto que neste momento o clima estaria muito mais agradável com as conversas dela.

– Quer andar um pouco? – O elfo perguntou percebendo a minha expressão meio insegura.

– Acho que sim – Me levantei e Baranon estendeu a mão para que eu a segurasse – As estrelas parecem mais brilhantes aqui do que em Florenzia onde eu morava – Comentei olhando para o céu, a fim de quebrar o clima silencioso.

– Sim, eu já andei por muitos lugares antes e nunca contemplei um céu tão bonito quanto o da Floresta das Trevas, é como se este lugar fosse especial... Mas acho que eu me acostumei tanto aqui que quando estou em algum lugar diferente passo a ver até mesmo as estrelas de forma diferente – Baranon tinha uma voz tão suave que me dava uma imensa calma, me deixando mais leve a ponto de flutuar.

– Então você conhece muitos lugares? – Perguntei demonstrando interesse em saber mais sobre o elfo.

– Sim, como arqueiro da guarda real, eu viajei por estas terras em algumas missões para caçar os orcs que tentavam invadir a Floresta das Trevas, e outras vezes acompanhando Légolas em suas viagens de fins comerciais e diplomáticos – Os olhos do elfo fixaram-se em uma alta árvore que continham grossas raízes expostas. Ele me levou até lá e nos sentamos lado a lado.

– Puxa! Você é corajoso, porque eu não consigo me imaginar cavalgando por estas terras e sendo perseguida por criaturas nojentas como os orcs. – Tremi só de pensar na situação e Baranon sorriu com minha afirmação.

– Não é uma coisa que se queira imaginar, mas ás vezes pode ser necessário enfrentar certas situações... Desagradáveis – O elfo tomou minhas mãos nas deles e fixou o olhar em mim – Nunca pensei que encontraria uma moça tão bonita como você que não fosse uma elfa.

– Ora, e eu nunca pensei que me apaixonaria por um arqueiro da guarda real tão bonito como você, muito menos um elfo – Fiquei surpresa com a declaração do elfo e decidi me expressar igualmente.

– Parece que o destino gosta de nos surpreender não acha? – Concordei com a cabeça e Baranon sorriu.

O elfo diminuiu a distância dos nossos rostos, fazendo com que meu coração acelerasse a ponto de explodir e então grudou os lábios dele nos meus. O beijo foi sereno, porém intenso o suficiente para me deixar sem ar e me fazer flutuar nos mais belos campos da minha imaginação.