Hoje é o dia em que Mischa vem para Florianópolis. Os dias que se passaram de Terça-feira até Sábado, hoje, não foram os melhores. Fui ingênua em acreditar que estaria livre de Kevin tão facilmente: o desgraçado resolveu me difamar pela internet e também espalhar mentiras sobre mim. Cyberbullying, o nome disso. Meu sangue ferveu ao descobrir meu Facebook infestado de mensagens de desconhecidos me atacando de maneiras das mais absurdas: desconhecidos estes que se diziam cristãos mas não passavam de pessoas cruéis, donas da verdade, machistas e insanas. Kevin espalhou que eu que quis abortar, sozinha e contra a vontade dele. Além disso espalhou para o Universo que tenho um relacionamento amoroso com Mischa, marcando os perfis de nós duas na postagem. Ele tinha postado isso Quarta-feira de manhã mas só viralizou de fato na Quinta-feira.

Mischa me ligou imediatamente ao saber do ocorrido e eu ainda estava em choque sem saber reagir aos ataques. Ela foi bastante tranquila quanto à repercussão e conseguiu me tranquilizar, indicando o que eu deveria fazer e passou vários números de advogados e advogadas renomadas daqui de Floripa. Conversei com meu pai sobre tudo e ele não pensou duas vezes em processar Kevin, seus cúmplices e todos os que me xingaram. Quanto a toda confusão eu realmente me acalmei após conversar com papai e o advogado, sem contar que tive muito apoio de meus amigos, muitas pessoas que se simpatizaram com meu pronunciamento sobre o caso e coletivos feministas na internet. O único porém é que a história entre mim e Mischa não era mentira e, para os outros, Kevin inventar uma história assim do nada não faria sentido a não ser que fosse uma possibilidade muito provável.

Papai foi uma das pessoas que passou a desconfiar dessa história mas, por incrível que pareça, ele quis ser compreensivo. Ontem pela manhã ele bateu na porta do meu quarto portando uma bandeja de café-da-manhã – coisa que ele geralmente não faz pois é mais fácil me chamar para a mesa – sustentando strudel de maçã, bolo de cenoura, croissant, frutas e uma xícara de café média com adoçante do lado da maneira que eu gostava. Seu rosto estava com um semblante sério, mas amoroso.

— Sei que daí não pode vir boa coisa… – Olhei com certo temor para aqueles olhos azuis e cinzentos que me encaravam.

— Acho melhor você se sentar e comer um pouco, filha. – Christopher pousou a bandeja sobre minha cama e se sentou.

— Coma você também! É muita coisa, papai. Você sabe que não como tanto.

— Já tomei café. Não sei quais comidas você preferiria então peguei uma de cada…

— Muito perfeccionista. Eu como qualquer uma… Enfim, o que veio conversar comigo? – Peguei um pedaço do strudel com um garfo, tentando fingir que nada tinha a esconder.

— Sobre Mischa Spyer e você. – Papai foi mais sincero que eu esperava, achei que ele enrolaria um pouco e tudo mais. Perdi o chão.

— Ah, isso… – Respondi com a boca cheia e preferi mastigar tudo lentamente enquanto ele me esperava paciente – Isso é um equívoco, papai. Digo, Kevin é um idiota! Nada do que ele diz faz sentido mesmo…

— Filha, eu quero que saiba que amo você. Não precisa ter medo de mim, nem esconder as coisas… – Ele parecia chateado, como daquela vez do hospital em que mal conseguia olhar para mim. Só que vi que desta vez ele se esforçava para se expressar e dizer o que se passava em sua mente. – Mas não pense que eu sou bobo, que não percebo as coisas. Acho que seria ótimo se não tivesse que mentir para mim por medo ou falta de confiança. Pode ser minha culpa por não ser tão presente quanto deveria…

— Pai, não é culpa sua de forma alguma – interrompi-o de imediato –, eu que escondi a verdade de você para não causar transtornos… Mas vejo que não consegui impedir que houvessem. Você trabalha incansavelmente para cuidar de mim e eu só trago problemas, sinto muito papai…

— Andressa, não se cobre demais. Vem aqui… – Colocou a bandeja de lado e esticou os braços calorosos ao meu redor – Você é minha única, querida e brilhante filha. Em todo curso e esporte que te coloquei você se superou, só precisa fica fluente no Francês. – Ele brincou.

— Francês é lindo, mas é bem complicado! Já tem três anos que estudo e não ultrapasso o nível intermediário…

— Viu? Você é outra perfeccionista. Se eu soubesse que para ser fluente, na sua concepção, tivesse que ter nível avançado, então não sou em Alemão.

— É, para ser sincera você tem que melhorar sua escrita… – dou uma risada e ele resmunga.

— Bem, voltando ao assunto, quero que saiba que não tenho preconceito contra homossexuais e quero pedir desculpas por não discutir muito sobre isso com você. Nossa família é conservadora mas eu sou meio que ovelha negra. Quando estava na faculdade eu já fiz parte do conselho estudantil do meu curso e aprendi a deixar preconceitos de lado. Mischa, porém, é sua prima de terceiro grau… Seria um grande escândalo que vocês se assumissem…

— Uau, quem diria que Christopher Hoffman seria militante… Pai, pode confiar que não pretendo assumir.

— Não? – Ele pareceu surpreso.

— Não sou burra de fazer isso, pai. Claro, sou no mínimo bissexual e assumir isso é mais tranquilo, mas Mischa já tem uma vida bem conturbada com o próprio pai para que eu simplesmente assuma que namoro com ela. Sem contar que ela é modelo de passarela em ascensão, é um momento delicado.

— Então você se assumiria caso Mischa quisesse se assumir também? Não sabia que ela era modelo…

— Pai, estamos num país que casar com primos não é crime nem condenado pela sociedade. O mais importante aqui é que se trata de mim e dela, não só de mim ou só dela. E mais, se nos assumirmos para vocês com risco de confusão desnecessária, é melhor que fiquemos uma com a outra sem dar satisfação a ninguém. Acho que você me entende.– Olhei para ele com o coração na mão, pedindo com o olhar para que me ajudasse a sustentar que o Kevin inventou histórias para me difamar.

— Entendo. Certo, Andressa, vou proteger vocês de IBOPE. Na verdade eu estava com medo que vocês se assumissem… Ainda bem que posso confiar na sua prudência.

— Às vezes pode confiar, às vezes não… Ainda sou imatura para tanta coisa… – Suspiro.

— É, eu nessa época fui uma prova de que essa maturidade é parcial.– Ele ri.

— Rá! Mas sem essa “imaturidade” você nunca me teria. – Sorri como se eu fosse o melhor presente que Deus pudesse ter dado a papai.

Papai me abraçou carinhosamente e sorriu para mim emocionado, confirmando que eu não estava errada em me achar tanto. Foi inevitável não lembrar de mamãe nesse momento, senti falta dela e de seus afagos. Ela era para mim a figura mais exemplar a ser seguida. Se formara em Direito e conseguira passar em concurso para promotora. Dedicada, inteligente, forte, carinhosa, generosa, altruísta… Infinitas qualidades. Seu coração era tão caloroso e lutara por diversas causas, incluindo as dos animais: era vegana. Odeio ser a sombra dela, de fato, mas quem me dera poder ser um pouco da luz que ela foi! Viviane Hayes ainda me inspira a ser essa luz, a lutar por nobre ideais. O que ela me ensinou faz parte de quem sou e sei que ela deve estar iluminando outros mundos a essa altura.

Ontem foi um dia de muita conversa com papai sobre Mischa, mamãe e sobre o que eu gostaria de fazer na vida. Fui sincera, disse que não sabia o que fazer nem qual caminho seguir. Citei Medicina Veterinária ou Psicologia como possibilidades e ele disse que eu não precisava me preocupar tanto com isso, falou sobre eu buscar mais informações e experiências para então decidir. Fiquei feliz com papai me dizendo isso e até comecei a ter mais ânimo em pesquisar sobre as áreas em que eu gostaria de atuar, além disso ele me aconselhou a buscar intercâmbios, fazendo-me ficar ainda mais entusiasmada.

Lembrei de Mischa comentando sobre a carreira de modelo e da possibilidade de eu tentar isso para sustentar minhas aventuras. Quando falei para papai disso ele me apoiou bastante dizendo que bancaria todos os custos que eu precisasse para começar na carreira, com o mesmo brilho inocente nos olhos que tenho. Posso ter puxado a aparência da minha mãe, mas a personalidade foi cópia de papai. Risos. Anotei que falaria com Mischa a respeito, para que me aconselhasse sobre o que fazer. Fiz meus exercícios físicos leves, conversei com alguns amigos, vi alguns episódios de série… E assim terminou minha Sexta-feira. Sem muita coisa, mas suficiente.

Olho para o relógio de pulso e são exatamente 11:20. Aguardo Mischa no aeroporto, papai me deu carona e disse que nos buscaria quando eu ligasse, estou vestida com meu reconhecido traje retrô: uma saia evasê cinza escura, uma blusa três-quartos branca com detalhes rendados em formato de flores, uma sandália com salto médio de cordinhas para amarrar nos tornozelos. Uso brincos de pedra olho de tigre e penas de tom amarronzado com detalhes brancos, bem ao estilo que Larissa gosta de usar; inclusive estes eu ganhei dela. São brincos que ela disse que combinam comigo, ganhei no meu aniversário de 17 anos dia 19 de Janeiro. Isso me faz pensar que meu signo e o de Mischa combinam, são opostos complementares: sou de Capricórnio e ela de Câncer. Inclusive, o aniversário dela de 18 anos ainda não ocorreu, ela faz dia 13 de Julho e ainda estamos no final de Junho. Ainda temos a mesma idade por enquanto e não vejo a hora de poder preparar uma surpresa em seu aniversário, seja lá como eu farei isso. Meu rosto está razoavelmente maquiado, com detalhes bem suaves. Uso um batom laranja acompanhado de gloss e uma sombra verde, acompanhada de delineador nos olhos fazendo o estilo “gatinho”. Minhas unhas estão pintadas de francesinha, bem tradicional, e meus cabelos que são bem longos – tenho mais de 1,80 m e eles chegam na minha cintura – e ondulados estão com uma trança lateral embutida. Larissa que deu a ideia e fez no meu cabelo, alegando que eu ficaria mais linda com esse penteado: realmente eu fiquei incrível, quase me transformei em um Narciso mitológico ao encarar o espelho. Risos. Mas é sério.

O vôo atrasa quinze minutos, mas o suficiente para eu ficar desesperada e querer saber do paradeiro de Mischa. Rezei, orei, mandei energia positivas, me cansei, quis correr e dar cambalhotas… Fiquei turva em meus pensamentos de desespero, sentada esperando por ela.

— Quem é essa pessoa deslumbrante com olhar de preocupação? Você está linda! Todos no aeroporto não conseguem parar de observá-la, vou ficar com ciúmes.

Olho para cima e vejo minha gata, sim, só minha, me olhando com seu olhar radiante e translúcido com um sorriso de canto. Ela fala isso mas só o que eu vejo são todos os olhares concentrados em sua direção, embora também me observem. Seu cabelo está volumoso e lindo, ela deixou somente seu franjão preso para trás dando um ar de frescor. Suas roupas que nunca vi igual remetem a um dia de festa na piscina. Usa um short cintura alta abotoado de cor verde água acompanhado de uma blusa floral com manga sino, calçando botinas femininas de camurça cano curto. Unhas azul claras, apenas gloss e delineador para um rosto que não precisa de nenhuma maquiagem para ser sincera. Fico boquiaberta só de vê-la, talvez eu nunca vá me acostumar com sua presença.

Mischa porta uma mala média vermelha que deve servir para no máximo três dias. Me levanto e a abraço, sinto seu perfume, as extremidades de seus ossos que colidem com meu corpo, sua pele macia… Ela passa a ponta de seus dedos pelas minhas costas e por pouco não começo a beijá-la na frente de todos. Encaro seu rosto de boneca, seu lábios avermelhados…

— Se fosse possível, eu te pegaria aqui mesmo. Morderia, beijaria e chuparia cada pedaço seu. Você é linda, eu te amo, te desejo… Senti sua falta. – Sussurro com os lábios roçando seu pescoço, provocando um sorriso e olhar maliciosos de Mischa.

— Eu a faria enlouquecer aqui e agora… Na verdade estou quase fazendo isso, está difícil lembrar dos bons modos. Vamos rápido para um hotel.

— Calma, vamos para casa! – Pego em suas mãos e pisco o olho para ela.

— Mas, e seu pai?! – Ela parece confusa com o que eu disse, franzindo o cenho.

— Ele sabe de tudo, mas prometeu manter segredo e sugeriu que mantermos às escondidas é o melhor a ser feito.

— Nossa, isso é… Incrível! Quem diria que ele seria tão compreensivo…

— Pois é, mas infelizmente só ele na família é assim… Por isso acho melhor que a gente mantenha em segredo até, sei lá, nossa autonomia? – Arqueio a sobrancelha, esperando uma confirmação e vi que Mischa talvez quisesse o caminho oposto. Querer chocar a família só para chamar a atenção do pai, talvez? De qualquer maneira, suspiro fechando os olhos esperando que diga algo.

— Minha real vontade, Andy, é que pudéssemos ser quem quiséssemos. Amar livremente, sem medo ou necessidade de olhar para todos os lados antes de beijar alguém. Poder pegar nas mãos de quem eu amo durante o jantar de família, beijá-la enquanto todos estão reunidos na sala tomando vinho. Naquele Natal de três anos atrás, eu estava me revirando mentalmente tentando não aparentar interesse em você. Agora, eu ainda me contenho, tudo por causa dessa sociedade… – Seus olhos brilham de determinação e certa lamentação com esse mundo, mas sei que nada tirará sua força.

— Mischa, também almejo isso. Entendo sua revolta… Desculpe ter que fazê-la esconder algo tão especial quanto nosso relacionamento, mas penso que é só por enquanto. Fora desse tempo de transição nos vejo em todas paradas LGBT’s do mundo, sendo ativistas de todas as boas causas e contra todas a opressões! Sei que quer lutar, mas é preciso esperar o momento. Você está subindo na sua carreira, precisa se centrar…

— Você é tão linda e brilhante, Andressa. É exatamente isso que eu penso, tirando a parte de ser ativista. Quero dizer, acho ótimo também, só não pensei sobre isso antes. Bom, então vamos para sua casa e depois discutimos mais?

— Vamos, já estou faminta. – Solto uma gargalhada e ela me acompanha por pegar a ambiguidade na frase.

Papai nos buscou no aeroporto assim que o chamei, ele tentou conversar sobre coisas superficiais com Mischa como carreira e estudos durante o trajeto, se ela estava bem, como andava sua família, mas não fez nenhuma pergunta boba como “Quais são suas intenções com minha filha?”. Admirei sua atitude, até senti orgulho haha. Ele falou que ela poderia ficar em um dos quartos de hóspedes ou então dormir no meu quarto, caso eu não me importasse. Claro que ele sabia a resposta. Mischa e eu nos entreolhamos e eu peguei sua maleta correndo para meu quarto como uma criança. Ela gritando “pega ladrão” e me seguindo ao quarto. Papai sorrindo e dando de ombros para o que provavelmente ocorreria na minha cama.

Chego no quarto um pouco ofegante e deixo a maleta e minha bolsa de mão perto da mesa de estudos. Rapidamente tiro minhas sandálias e deito-me na cama esparramada esperando que Mischa me encontre. Vejo ela se aproximar e cuidadosamente andar pelo meu quarto, observando cada detalhe. Observa minha pose na cama em que deixo os meus braços esticados acima de minha cabeça e minhas pernas cruzadas. A modelo de cabelos dourados sorri, dá alguns passos para trás para fechar a porta e volta ao meu encontro fazendo charme. Aprecio a visão de sua lindas pernas desfilarem para mim.

Brusca, Mischa puxa minhas pernas para perto dela e eu dou um pequeno gemido de susto. Um pouco sádica, ela sorri e me observa em minha posição vulnerável. Ela toca suavemente em minha barriga, desce para meu ventre… Massageia-o com a ponta dos dedos, sem tirar o olhos de mim como se pedisse autorização. A cada toque sinto a excitação tomar meu corpo, a taquicardia aumentando o fluxo sanguíneo. Desabotoa minha saia, deixo tirar cada peça de roupa e despir qualquer sentimento que atrite com nosso amor e desejo. Nos beijamos, ela também se livra das roupas e se posiciona sobre mim encaixando-nos perfeitamente. Entrelaçamos cada parte de nossos corpos, minha boca beija todos seus lábios, mordo da maneira prometida e delicadamente partes irresistíveis de seu corpo. Os ossos proeminentes do quadril, seus seios, suas clavículas, seu pescoço, boca, orelhas… Mischa arranha minhas costas e estremeço ainda mais de prazer. Nossos corpos deslizam sobre o outro, a velocidade e os gemidos aumentam, ela chama meu nome dizendo que me ama e não consigo mais pensar em outra coisa. Chegamos ao ápice e nossos abdômens e quadris se contraem. Estamos suadas, com os corpos moles, mas a vontade é de repetir a dose até a exaustão. Mischa me abraça e me beija, ficamos um tempo agarradas até que sinto fome de fato.

— Mischa, vamos almoçar?

— Só se você me levar no colo, mal consigo me mexer. Você me sugou.– Ela resmunga com certa preguiça, fazendo um biquinho com a boca.

— A gente mal começou! – Sorri.



Beijo-a, apreciando cada detalhe daquela escultura ofegante a poucos centímetro de distância. Um sentimento que me transborda, que não cabe em mim. Amo você, Mischa, e a quero para sempre ao meu lado.