Além de Tudo

Quebrantamento


Então lá estava a Andressa ingênua. Parecendo um cãozinho recém-abandonado, amarrada na ilusão das expectativas e do medo. Medo este que poderia preencher o volume dos oceanos.

Sentei no chão, encostada no muro do corredor, perto da entrada da copa onde estavam todos conversando. Agarrada aos meu joelhos, parecia uma fugitiva. Nada estava bem naquele mundo, precisava sair de lá. Sair, talvez até mais além, de mim.

− Não pense que eu não senti sua presença.

−... Mischa?− Olhei para o alto. Vi um vulto, minha visão estava turva.

− Você ouviu tudo, não foi? Em vez de simplesmente ter entrado na copa, ficou apenas observando.

− Não foi bem assim... De qualquer forma isso é irrelevante agora. Parece que tudo é um grande nada, que foi, que será! Não sei o que sinto agora, eu te amo e tenho tanta raiva. Eu me alegro quando estou contigo mas não paro de sentir dor. − Mais uma vez as lágrimas caindo sem que eu quisesse. Mais uma vez um discurso sentimentalista para alguém que muito provavelmente não entenderia nem um centésimo do que eu estava sentindo. Assim eu pensava.

− Andressa? Tá aí? Pode parar com esse drama? − Minha ídola fez uma expressão de irritação. − Acha que eu não quero ficar com você? Acha que só você sente?

− Talvez... − eu já estava olhando para o chão novamente – Quero dizer, talvez só eu alimente sentimentos. Sentir é fácil, agora mesmo sinto o ar frio da janela tocando meu rosto. Mas fazer com que essa sensação se faça valer por eterna é necessário alimentá-la. Entende o que eu estou falando? − Virei os olhos para ela.

− Não entendo muita coisa do que você fala, para ser bem sincera... Já falei que não sou boa em entender as pessoas. − Mischa falava mas não olhava diretamente para mim, às vezes olhava seriamente para o lado, acompanhando a linha do horizonte.

− Você... Você parece que não é sincera comigo. Me sinto mal quando você não me olha nos olhos, sei que está tentando se afastar de mim de alguma forma, está estampado na cara. − Minha voz saiu tão sofrida das minhas pregas vocais. Pareciam ter enfrentado batalhas até refratarem pelo ar.

− Desculpa. − ela franziu o rosto e aproximou as mãos para esconder seu choro.

− Está tudo bem, mas não se afaste, não fuja de mim. − Dor e alívio. Dor por coisas inesperadas ocorrerem e alívio por saber que não eram coisas tão terríveis de enfrentar.

− Desculpa Andressa, eu não aguento mais. − Aproximou-se e sentou do meu lado. − Não sei o que fazer. Eu vou sofrer, você vai sofrer, tudo o que estamos fazendo vai arruinar nossas vidas!

− Eu não sei e você não pode garantir nossos destinos. Mas se necessário, eu arruinaria minha vida por você. Porque eu amo além de todas as coisas Mischa, sem esse amor eu não sou nada. Se é sua vontade seguir seu medo, eu não sucumbirei ao meu. Se eu tiver que sofrer sozinha, eu irei sofrer mesmo que...− parei de falar.

− Mesmo que?

− Mesmo que você já tenha me esquecido. − Nós nos entreolhamos, parecia uma profecia.

Na verdade, é muito doloroso pensar no que aconteceu. Mas é inevitável deixar de relatar essas coisas... por que eu não sei, apenas me sinto melhor. Naquela época onde tudo tinha começado a ganhar um novo sentido com o surgimento dela, eu vivia em conflitos enlouquecedores. O pior era que ninguém do meu círculo de amizades poderia saber, muito menos minha própria família! Não sei como aguentei, mas as cicatrizes contam o processo.

Ela ficou me olhando, sabe? Seus olhos eram ódio e medo. Ódio de eu saber tanto da verdade a ponto dela não me enganar e medo de alguma coisa que era impossível definir lá na hora. Mas seria provavelmente o medo de perder o amor que eu tinha por ela. No fundo ela não me amava, ela apenas refletia o meu carinho e boas intenções. Mas essas afirmações eram apenas vindas do meu medo de perdê-la, porque Mischa sempre me foi indecifrável.

Naquela hora, eu já não chorava mais. Eu abracei-a bem forte e disse para que me visitasse tanto quanto pudesse e que me mandasse cartas, ligasse, falasse comigo pelo e-mail... Aquela coisa de pensar até em pombos correios. Mas eu era tão boba, não sabia que "ela" era apenas um reflexo. A verdadeira Mischa não estava ali nem me amava. Ou, se me amava, não pude ver.