Além de Tudo

Passado: Bloqueio Mental - I


Duas semanas se passaram desde que Mischa hospedara-se na casa da minha avó. Nesse tempo, fizemos muitas coisas: passeamos no parque de bicicleta, fomos para o cinema, shopping, teatro, desenhamos e criamos histórias bizarras e engraçadas.

De vez em quando, à noite, reuníamos com alguns amigos meus e começávamos a cantar músicas e contar piadas. Tornamo-nos amigas com uma rapidez incomum, tentando fazer de cada minuto uma hora, simplesmente por não querer que aqueles momentos mágicos acabassem.

Separamos um dia para cozinhar fondue de chocolate com frutas e... foi perfeito. Às quatro da tarde, estávamos sentadas em torno de uma das mesas da varanda, a qual ficava de frente ao jardim− maravilhoso nos mínimos detalhes, arquitetado por meu tio Wagner −. Até tentamos convidar meu pai e minha avó para o deleite, mas disseram que estariam em um grande evento – não disseram qual – e que voltariam somente de madrugada. Tivemos que fazer somente para nós duas, só que eu achei até melhor. Imaginara de modo muito utópico que este seria o "nosso primeiro encontro".

− Que pena seu pai e sua avó não poderem compartilhar nosso carinhoso esforço culinário...− disse Mischa, olhando admirada para o jardim com uma expressão calma e alegre. Ela apoiava seu delicado rosto por cima das mãos entrelaçadas.

− Nem tanto. Quero dizer... ficar sozinha com você não é nenhum desperdício para mim. − Falei, calma e sorridente enquanto brincava com uma mecha do meu ondulado cabelo castanho-avermelhado.

− Uau. Não sei como reagir a uma cantada tão objetiva como essa.− Ela deu umas risadas.

− Ahn− parei para pensar um pouco −? Não, não foi isso que eu quis dizer! − Meu rosto começou a ficar vermelho e eu fiz uma careta esquisita do estilo "você está ficando louca, é?".

− Estou brincando, idiota. − a "boneca russa" começou a rir novamente. − E, mesmo assim, é impossível que..! Algum dia...− sua expressão mudara, parecia voltar-se para o seu mundo de pensamentos − Oh, dammit, falei uma idiotice agora. Vamos apreciar o fondue. − Ela parecia complexada com alguma coisa.

− Algum dia, impossível, o quê? Espera... não me deixe sozinha aqui para ficar falando com sua própria mente!− Tentei chamar sua atenção. − Creio que nada é impossível, desde que você tome a atitude certa. − Olhei para ela e sorri do melhor jeito que pude, mas por dentro eu sentia medo dela me ignorar.

− ... − Ela ficou alguns segundos calada. − Você tem razão. Nada é impossível. − Ela sorriu e começou a dar algumas risadas incompreensíveis olhando para o nada.

− Tá rindo do quê?!− Por algum motivo "sobrenatural", eu senti que tinha alguma coisa muito errada.

− Talvez um dia você entenda. Olha, se não comermos logo, o fondue vai esfriar.

− Nossa, é mesmo...− ela sempre conseguia acionar meu lado ingênuo-automático.

− Certo, vamos comer...− Mischa falou com um tom apressado.

− Ei, sua trapaceira − eu estava começando a ficar mais esperta, apesar da lentidão −. O fondue não vai esfriar, ele está constantemente no fogo!− Revoltei com a situação.

− Demorou a cair a ficha, hein? − Disse ela enquanto mordia um pedaço de morango com chocolate e olhava para o lado, me ignorando.

− Você não vai me explicar o que você pensou?

− A hora de comer é sagrada. − Ela falou em um tom irônico e mordeu outro pedaço de morango.

− Não vale! E pare de comer somente os morangos, não vai sobrar nenhum para mim!− Eu comecei a reclamar, mas parecia que ela estava se divertindo.

− Bem, Andressa... Se você quiser o morango de volta, vem pegar. − Ela pegou um morango e segurou com os dentes.

Eu fiquei pasma. Ela estava me provocando, só poderia ser. Se era uma brincadeira, eu brincaria também.

− Ora, ora... Esses morangos são meus por direito!− Levantei-me da cadeira e fui até ela num gesto explosivo. Ela olhou um pouco assustada, mas o morango(sortudo!) ainda estava entre os seus dentes. Peguei-o com meus dedos e rapidamente o comi. Mischa começou a reclamar.

− Você estragou todo o clima. − Ela fez uma expressão que lembrou-me uma criancinha revoltada e ainda cruzou os braços.

− Ah, é? A injustiçada... Foi você quem começou a ameaçar meus morangos, nem vem! − Comecei a rir, aquela situação estava muito cômica.

− Tá, tá... Eu reconheço que seus morangos são irresistíveis. − Ela sorriu com um olhar sarcástico.

− Sim, sim, são irresistíveis. Os melhores e mais lindos morangos que já existiram. − Eu não parava de rir.

− Me deixa comê-los?

− Claro que não! São meus.− Fingi uma cara de irritada.− Nem pense em tocá-los novamente.

− Estou falando dos morangos que estão te cobrindo.− Ela não aguentou em ver minha expressão de não entendimento. Começou a rir e apontar para meu sutiã com estampa de morangos que estava transparecendo sob a blusa fina e branca.

− Ah! − Eu disse em tom de surpresa.− Então é isso.

− Hum... − Ela parecia um pouco sem graça. − Não vai dizer nada?

− Claro. Você gostou do meu sutiã. Ele é lindo, né? Se você quiser eu tenho outros iguais.− Sorri, mas sabendo que queria abafar um momento esquisito.

− Perdi a fome. − O sorriso desaparecera do seu rosto, estava irritada. − Vou descansar um pouco, hoje foi um dia e tanto. − Ela tentou enganar com um bocejo mal feito.

− O quê? Mal começamos a comer o fondue e você já vai embora?

− É o que parece. Guarde para depois que eu como. − Ela sorriu e levantou-se rapidamente da cadeira.

− Não, Mischa! Não posso deixar você ir desse jeito... − Eu fiquei séria, impedi que ela fosse e segurei sua mão. − Me perdoe por não ser madura o suficiente para atender às suas expectativas ou por nem saber direito o que você pensa, mas isso é tudo o que eu tenho. Sabe, eu também me irrito às vezes com meus assuntos idiotas e infantis que crio para evitar olhar os meus problemas, mas quando estou com você... − respirei fundo − Quando estou com você é como sentir-me completa e segura, e nada mais me importa.− Olhei-a nos olhos com determinação, ainda que por dentro reinasse a maior insegurança da minha vida.

− Expectativas? Não foram expectativas que tive sobre você que me fez irritada, foram sobre mim. Não precisa se desculpar e... Somente eu posso verdadeiramente me ajudar. − Achei que Mischa ignorou toda minha declaração indireta para comentar sobre culpa e problemas que eu nem sabia que ela tinha.

− Talvez pudéssemos ser mais sinceras uma com a outra para evitar isso. Por favor...

− Tudo bem, está certa. Vamos ser mais sinceras e, eu, sinceramente, acho que amo você. O que me faz ser impulsiva e imprevisível mais do que o normal. E acabei sendo impulsiva dizendo tudo isso sem um cuidado especial com as palavras. − Mischa parecia uma pedra quando se declarou. − Tem coisas que eu gostaria de dizer mas você não merece saber ou entender, porque tem um coração muito puro e nobre...

− Eu... − mal sabia se era real o que acabara de ouvir − eu também amo você. Mais do que poderia imaginar. − Parecia que um sonho acabara de se realizar. − Dorme na minha suíte hoje? Eu gostaria de ver as estrelas com você e aproveitaríamos para conversar sobre sinceridade lá na hora... Acho que agora eu não quero conversar sobre nada.

− Eu também não. − Ela sorriu e me deu um selinho. Certo que os acontecimentos pareciam ocorrer rápidos e intensos demais, só que tudo parecia acompanhar esse ritmo.

Eram lábios vermelhos tão macios e irresistíveis que não consegui me contentar. Segurei-a pela cintura e empurrei-a contra a parede. Uma sensação de excitação me tomou por inteiro e mal sabia o que fazer. Só consegui ficar paralisada olhando admirada para o lindo rosto de Mischa, que logo entendeu que eu não sabia fazer nada e trocou de posição comigo em frações de segundos. Imobilizou meus braços contra a parede, entrelaçando seus dedos com os meus, e começou a beijar-me lenta e delicadamente. Me deixei levar pelo seu ritmo e parecia que o sabor do morango e do chocolate se intensificavam cada vez mais.

Começou a chover torrencialmente. Os fracos raios solares do fim da tarde e a fina chuva se uniram, criando um esplendoroso arco-íris no meio do céu. Parei um pouco e comentei:

− Acho que o céu está zoando da nossa cara.− Eu fiquei olhando admirada. Mischa olhou para o céu e concluiu.

− Com certeza está.− E sorriu de forma tão sincera que me comoveu. Esse dia foi, de fato, único.