Saí do colégio pensativa. Tudo ao meu redor estava desfigurado, sabia que tinha a ver com minha condição psicológica, mas não sabia o porquê. Eu conversava com muitas pessoas, certamente, fazendo o possível para manter as aparências que nunca refletiam o que havia de real em mim. Poderia ser apenas um dia chato com uma professora passando sermão. Porém… Não era e eu sabia disso.

Tive a sensação de que as palavras de Heisel me emergiam da profundidade ilusória para o que era verdadeiro. Parecia tão significativo e curioso, para não dizer mais. Quando cheguei em casa, fui para meu quarto e vi mensagens no celular, provavelmente de Mischa. Estranhei minha reação, era para eu ficar alegre e idiota, com um sorriso… Somente neutralidade em minha postura. Indiferença? Não chegava a desprezo, talvez um pequeno afastamento da idolatria que sentia.

As mensagens diziam “Bom dia Andy. Estou quase terminando a carta, mas não direi o dia que será mandada para que se torne uma surpresa. Surpresas são sempre interessantes :)”− não, realmente eu não achava surpresa agradável − “Desculpe não ter dito antes, mas poderíamos nos encontrar mais vezes. Eu sempre tenho dinheiro, apesar dos compromissos com as disciplinas escolares que tenho com professores particulares e outros cursos à parte…Eu posso encontrar folga nessa rotina para viajar até sua casa. Quem sabe até lhe mandar dinheiro, se precisar, para vir até a minha.”− casa? Uma mansão? Certo, humildade. Outra coisa, porque não falou que poderia vir antes? Teve que esperar três meses? Mais uma prova de que eu “amo” surpresas.

Realmente seria perfeito que ela viesse. Sim, com certeza. O que eu estava falando? É claro que eu achei perfeito e totalmente plausível. Não entendi minha hesitação, forcei uma mensagem feliz e mandei.

“Mischa, ich liebe dich* infinitamente, mas sério que você me fala dessa possibilidade só agora? Só não brigo nem fico brava porque eu quero muuuito você por perto, senão você estaria fer-ra-da, ok? Não tenho cartão, infelizmente. Meu pai paga tudo para mim. A mesada é só para coisas do dia a dia como shopping, cinema, parque e teatro nada muito extravagante. Que inveja da sua riqueza, snif. Sem querer ser intrometida querida. Você pode vir quando quiser. Estamos sempre dispostos a recebê-la. ♥”

* “Eu amo você” em alemão.

Poucos segundos depois, meu celular começou a tocar e atendi.

− Primeiramente… Eu também te amo. Segundo, é… realmente sou rica. Terceiro, não sinta inveja de ninguém, muito menos de mim. Você é uma pessoa admirável Andressa, não sabe o quanto.− sua voz linda me dava muito prazer ao ouvi-la − Sempre estaremos dispostos a recebê-la também. Providenciarei que venha o mais rápido possível, mas pelo visto tenho que passar por aí antes.− Ela deu uma risada breve.

− Sim. É inevitável, não parece?− Falei sem a menor intenção de levar isso a sério.

Mischa fez uma pausa, sinal de reflexão.

− Nem tudo que parece é.− Uma patada sem motivo, me senti inconformada.

− Ahhh, não. Para com essa de querer ser do contra e enigmática. Nem fiz nada pa...− Ela me interrompeu.

− Desculpe, eu não queria contradizer o que você disse. Na verdade, penso que nossa história não é fadada a dar certo, porque estamos nos esforçando por ela desde o início, isso é bom.

− O quê?− Não entendi mesmo.

− Destino é uma desculpa para se acomodar e continuar no status quo. Só queria dizer que não usarei do destino para justificar o que deu errado e me fez infeliz… Como tenho feito há tempos. Eu realmente acredito que posso mudar o curso da minha vida e você me fez enxergar isso.

− Obrigada, Mischa. Sinceramente sua afirmação é adorável. Mas talvez o destino que nós duas enxergamos não seja o mesmo. O que vejo como destino ultrapassa a visão determinista da vida, carrega uma consequência da qual não tenhamos uma percepção nítida. Ou seja, não se compreende numa simples definição.− Me surpreendi dando minhas lições filosóficas a ela. Pouco tempo atrás eu ouviria suas frases achando-as verdades absolutas.

− Hum…− ela parecia intrigada − É capaz que tenha razão, ainda que eu não quisesse discutir sobre a definição de destino mas apenas sobre como quero mudar minha postura em relação à vida. Pelo que você disse, então é capaz de existir um destino não determinista mas já determinado por algo que não sabemos ou lembramos a origem, assim como uma reação que ocorre por uma ação muito tempo depois sem que ninguém que a tenha presenciado se lembre ou esteja vivo.

− Você quer dizer… Vidas passadas?− Achei que o assunto estava indo longe demais.

− É possível, você sabe. Só que não tinha associado isso ao destino. É a primeira vez que me parece ter tanto sentido.

− Não sei se já associei. Talvez não, mas sempre tive essa visão inseparável do destino agir como uma consequência e não parte de um controle do Universo ou Deus, etc.

− Bom, diz que não é só eu que desejo parar esse assunto por enquanto?

− Não é só você. − Dei uma risada.

− Imaginei. Acho que o que eu tinha para falar era isso, tenho que estudar partituras agora. Quando terminar eu ligo ou você me liga.− Não, ela não era tão simpática assim. Que estranho esse dia.

− Sim, bom estudo Mi. Quando terminar mande uma mensagem que eu ligo. Saber dessas notícias foi maravilhoso. Sinto saudades, beijo.

− Sinto também, obrigada por hoje Andy. Amo-te.

Ligação encerrada.