Em silêncio, ficamos nos observando demoradamente. Não paro de sorrir; como uma boba, estou paralisada e meu coração começa a bater rapidamente. Mischa começa a caminhar como uma gata: lentamente em minha direção, cada passo dado com firmeza e alinhado ao centro do corpo, tudo sem fazer barulho e me olhando profundamente com seu grande par de olhos azul-celeste. Chegando ao meu lado, a pomposa figura se curva para me abraçar com todo o cuidado do mundo, parecendo vovó Catarina. Mais uma vez retribuo com um abraço bem mais forte, só que dessa vez beijo-lhe o pescoço. Ela estremece e se afasta rapidamente, parecendo que não esperava por isso. Receio que eu tenha cometido um grande erro e me assusto com a reação dela, ficando em uma posição estática.

— Ermm, parece que terei que explicá-la algumas mudanças na minha vida. Além disso, pensei que estivesse ainda namorando com aquele garoto… Qual o nome mesmo? – Com a cabeça virada para o lado, num gesto de constrangimento, e seu braços cruzados, Mischa parece que realmente ficou desconfortável com minha atitude. Penso que mais uma vez interpretei errado e esperei boas coisas demais. Suspiro.

— Kevin. Kevin Tardocchi. Era meu oficial namorado até umas 10h dessa manhã.– Sem perceber, acabo cruzando os braços e mudo minha expressão para alguém emburrada com alguma coisa. Ela percebe e ri de mim.

— Agora quem é a injustiçada aqui é você, não é mesmo? – Mischa me olha com uma expressão sarcástica e um sorriso.

— O quê? Do que você está falando?

— Lembra do episódio do fondue e dos morangos? Eu me sentia igual. Frustrada e irritada. A única diferença é que você não tinha noção das minhas intenções e, neste exato momento, sei muito bem as suas. Tem razão de estar assim. – Ela sorri e senta numa cadeira ao lado, me constrangendo com o mesmo olhar sarcástico.

— Veio aqui me fazer mal ou o quê? – Falo com meu rosto queimando de vergonha. Droga, a taquicardia voltou da maneira que menos gostaria.

— Vim te visitar, mas não esperava tanta energia de quem acabou de passar por uma operação cirúrgica – ela vê que meu humor não está dos melhores e muda o tom –. That’s right, vou parar de te enrolar e torturar com minhas ironias. Andy, eu sou modelo de passarela agora. Amanhã de manhã terei que viajar para São Paulo em um desfile de moda.

— Isso explica seu distanciamento? Devo dizer que, seja lá o que estiver fazendo, a tornou bem mais bonita e atraente. Como se isso fosse possível.– Reviro os olhos ao pronunciar esta última frase.

Ela ri, só que de maneira sombria; triste. Torna a me encarar com expressão séria.

— Poderia ser pior. Eu poderia estar noiva de alguém bem rico e que não me atrai. Assustador isso, não acha?

— Por que infernos você seria noiva de alguém rico e que não está interessada? Já não é rica o bastante?

— Sou, mas meu pai não pensa assim. Incrível que em pleno século XXI ainda existam casamentos arranjados. Além disso, temo que minha madrasta, Kira Sapkova, o manipule ainda mais. Você deve saber que ela que o impedia de me visitar mais vezes, além da estúpida ideia de me deixar isolada naquela mansão em Curitiba. Já tive muita raiva dele por isso, mas agora não me importa mais… Nem o culpo. Ele sempre foi meu porto seguro mesmo com tais desavenças, trabalhou duro para sustentar meu luxo e ainda trabalha…

— Como é que é? Conta isso direito do casamento arranjado e sobre sua madrasta. Sem querer ser insensível, mas ele trabalha com o quê?

— Ele possui uma agência de modelos. Não à toa ele se casou com minha mãe e minha madrasta, ambas modelos. A matriz fica na Suíça, mas possui filiais na Rússia, Moscou, e nos EUA, Nova Iorque, também. Por incrível que pareça, não entrei no ramo pela agência dele. Me procuraram há mais de dois anos, após me avistarem com Alice numa peça de teatro. Alice já trabalhava como modelo fashion e comercial, mas sempre gostou mais da expressividade e preferia trabalhos como modelo comercial. Enfim, resumindo, passei por cursos e treinamentos até poder desfilar adequadamente e poder viajar indiscriminadamente. Meu pai aceitou com pé atrás, pesquisando a ficha da empresa para saber se não iriam me sequestrar ou algo assim.

— Uau, Alice ainda é sua “amiga”? – Sua parceira de foda? – De toda forma, fico feliz por você alcançar um posto de tanto valor. Você pretende fazer faculdade? E por que seu pai queria te colocar num casamento arranjado?

— Um machista estúpido que acha que eu preciso de um homem para me sustentar, como se eu não pudesse atingir minha carreira de sucesso nem poder assumir os negócios da família. Não aceitei ser modelo só porque caiu do céu. Eu poderia simplesmente seguir com meu sonho de ser neurocirurgiã em Harvard, mas sei que não obteria o apoio de meu pai. Em contrapartida, meu irmão mais novo terá toda liberdade para escolher tudo o que quiser ser no futuro. É uma pena tanta injustiça. Dessa forma, vou estudar e trabalhar para seguir com meus sonhos, Andressa. Sobre Alice, não nos falamos mais. Ela ainda mora na mansão, mas não somos mais íntimas e ambas estivemos ocupadas com nossos trabalhos.

— É o maior absurdo que isso aconteça, Mischa. Ao menos você teve e tem toda a estrutura para poder conseguir isso. Tanto ser modelo, quanto ser neurocirurgiã. Além disso, pelo que sei, você fala pelo menos quatro línguas, não é mesmo? Apesar do machismo do seu pai, um dia ele valorizará suas escolhas e te apoiará. Pai é pai. E sinto muito pela perda de sua amizade com Alice, embora eu torcesse muito para que ela acabasse.

— Engraçadinha. Também fico triste pelo seu término de namoro com Kevin, embora eu torcesse para que isso acabasse o mais rápido possível. Pena que demorou tanto. – A vontade de beijar sua boca e matá-la é igual, mas o fato é que começo a rir ao ouvir isso e ela também ri.– A propósito, não posso negar que tive toda a estrutura para poder voar com minhas próprias asinhas. Falo cinco línguas. Inglês, Português, Russo, Alemão e Francês. Ainda pretendo continuar meus estudos para além dessas.

— E eu me achava feliz com Alemão, Português e Inglês…– Me sinto uma derrotada ao lado de Mischa.

— Mas você não precisa de tantas línguas para ser feliz. Não acha que uma já basta? – O sorriso sarcástico passou a dominar sua expressão.

— Jesus, sério? Pervertida! – Começo a rir e ela também.

Toco sua mão direita repentinamente, que está com a palma virada para baixo, e começo a fazer carinho. Suas unhas estão muito bem feitas, pintadas de vermelho metálico. Sua mão se vira para cima e segura a minha. Olho para seu rosto, está me encarando.

— Mischa, Adorei suas un… – Sua mão toca meu queixo e o levanta em um ângulo virado para si. Calo-me.

Aproxima-se de mim e, sem tirar os olhos dos meus, me beija. Coloco meus braços ao redor de seu pescoço e a faço sair da cadeira a ponto que ela acaba se ajoelhando na cama, com meu corpo debaixo e entre suas pernas. Seu poncho já está jogado em um canto perto de meus pés. Ela pausa para fazer um coque, como no primeiro dia que nos conhecemos, e continua a me beijar. Boca, orelhas, pescoço… Hesita.

— Acho que não podemos ir mais que isso, podemos?

— Infelizmente, não. – Olho para seu rostinho de cão sem dono. – Embora eu quisesse muito.

— Está tudo bem. Está ótimo assim. – Ela sorri, aproxima a boca à minha orelha esquerda e sussurra. – Você não sabe o quanto senti sua falta, Andy. Não sabe o quão difícil foi lidar com sua ausência. Fui estúpida por não contar direito sobre Alice e tudo mais, a única coisa que quero que tenha consciência agora é que amo muito você. Ya tebya liubliu.

— O que foi isso que acabou de dizer? Também amo muito você! E… Eu queria me desculpar por tantos muros que construí entre nós, mesmo que eu a ame infinitamente. Sinto muito por tantos teatros só para tentar fazer com que você demonstrasse ciúmes por mim. Kevin foi apenas um erro, nunca senti nada por ele. – Minha voz está embargada e sinto meu rosto queimando. Devo estar vermelha de novo.

— Ya, eu. Tebya, você. Liubliu, amor. Eu amo você em russo. – Ela ri de maneira muito fofa, seus olhos brilham.– Talvez eu tenha me expressado mais verdadeiramente, já que está em minha língua nativa. Não se sinta culpada pelo que passou. Não fui santa também e não importa. Você sabe que isso não importa, nossa ligação ultrapassa essas barreiras.– Me dá um selinho longo, sai da cama e fica em pé com as mãos na cintura.– Andressa, você é muito linda. Não estaria interessada em desfilar também? Mas não responda agora! Por enquanto só quero saber se prefere sushi ou burritos. Vou sair e comprar para a gente.


Ah, você não entendeu até hoje que eu prefiro você?