Além de Tudo

Indiferença : A Máscara - I


"Queria poder saber o que ela está pensando agora.– Pensei alto enquanto voltava da escola sozinha. Era o fim, tudo estava acabado."

Me chamo Andressa Hoffman e amo uma pessoa além de todas as coisas.
Aos 14 anos, eu a conheci em um jantar de Natal na casa de meus avós paternos. Eu usava um vestido branco com bolinhas pretas. Era meio brega, eu sei, mas sempre gostei de andar com roupas que saíram de moda – o bom é que as pessoas sempre me veem como uma menina tradicional, mas estão apenas julgando pelas aparências –. Usava também sapatos pretos com lacinhos brancos, uma tiara escarlate, um colar de pérolas(de uso somente para ocasiões especiais) e um bracelete prata com rubis que pertenceu à minha mãe.

Usei pouca maquiagem; um brilho e um lápis nos olhos, nada demais, mas os convidados pareciam estupefatos com a minha aparência, a qual eu não via nada em especial além dos olhos verdes-azulados que herdei da minha mãe. Talvez seja o que chamam de "falta de autoestima", mas prefiro dizer que as aparências são apenas ilusões que podem ser levadas pelo tempo.

Eu estava introversa. No jantar haviam pessoas da família que eu nunca vira, algumas vindas da Europa, outras da Austrália e América Anglo-Saxônica(América do Norte). Apenas me deixei levar. Comecei a cumprimentar todos os parentes e controlei ao máximo minha pequena fobia social. Todos eram gentis e muito bem humorados, pareciam estar gostando do Brasil.

Escondida em um canto da sala, lendo algum livro da estante, lá estava ela. Olhos azul-celeste, pele extremamente branca, assim como a minha –exceto pelas sardas que possuía e ainda possuo –. Usava uma calça xadrez vermelha, um all star cano médio preto e uma blusa de manga comprida preta com uma estampa da banda "Rammstein" e bem detalhada com correntinhas. Linda, cabelos dourados e bem lisos; estes estavam amarrados de um modo muito sofisticado. Não era intencional, mas sim natural.

Aproximei-me dela, fingi conter minha admiração e procurei ser o mais afável e natural possível:

— Hallo. Ich kenne dich nicht. Wie ist dein name? – "Olá. eu não te conheço. Qual o seu nome?" Arrisquei meu alemão. Mesmo sendo fluente, eu nunca tive tanta ansiedade para falar com alguém, o que poderia me fazer travar de modo inesperado.

— Mischa Volkova Spyer. – Ela respondeu sem tirar os olhos do livro. Fiquei meio sem jeito, parecia que ela nem queria saber quem eu era. Eu, perdida em constrangimento sem saber o que mais falar, percebi a presença de um homem bem alto e forte, usando um terno preto. Ele era calvo, mas evidenciava-se que era o pai dela por sua fisionomia delicada e os olhos azuis intensos.

— Não se preocupe com a frieza dela, Andressa. É porque ela é tímida. –Ele falou baixinho, arrastando um português de sotaque bem carregado e sorriu para mim calorosamente. Era estranho ele saber meu nome. Mas se tratando da minha família, todos conheciam todos, menos eu.

— Ich verstehe. – "Eu entendo." e, sem querer, soltei um melancólico suspiro.

Quando eu fiz isso ela olhou para mim com uma expressão de arrependimento e surpresa, mas logo voltou a olhar o livro quando eu comecei a encará-la. E o pai dela parecia um pouco surpreso pelo fato de eu saber falar alemão.

— Nun, ich muss gehen. – "Bem, tenho que ir." – Disse o pai dela. – Aber wenn du willst lasse ich dir bleiben für Mischa, sich besser kennenzulernen. Sie schätzen, einen freund. – "Mas se quiser eu deixo a Mischa ficar para vocês se conhecerem melhor, ela vai gostar de ter uma amiga." — Ele parecia falar sério, uma sensação sombria e alegre rondava meu espírito. Eu achei muito boa a ideia, mas não sei se ela aceitaria ficar.

— Ich fand diese idee interessant, aber was Mischa denken? – "Eu achei interessante essa ideia, mas o que a Mischa acha?"– Eu olhei para ela, contendo minha ansiedade.

— Ich bleibe, dad. – "Eu permaneço, pai." Ela falou sem ao menos olhar meu rosto, somente virou-se para o pai e balbuciou as palavras com uma expressão indiferente. Mas eu me senti um pouco feliz, era inexplicável. Só que nessa hora tive que acompanhá-lo até a porta de entrada e quando voltei Mischa não estava mais no mesmo lugar, então fui conversar com minha avó.

A família de Mischa ficaria hospedada em um hotel luxuoso da cidade. Oma – avó em alemão – Catarina contou-me que o homem com qual eu falei era filho da minha tia avó, e este se chamava Max Spyer. Ele se casara com uma modelo russa muito bonita, Nina Volkova, que deu à luz a Mischa. Um dia, porém, ela teve uma depressão pós-parto intensa e se suicidou antes que o marido voltasse do trabalho.

Foi uma tragédia: Nina pulou do quinto andar do prédio, o qual se localizava em um bairro nobre de Moscou, e estava sob efeito de remédios antidepressivos. Para que ela fosse para sempre lembrada, Mischa herdou também o seu sobrenome. O pai se casara com outra mulher, também russa, e, de acordo com alguns rumores, ela e Mischa viviam uma relação desarmônica. Fiquei conversando sobre isso com minha avó enquanto Mischa tomava banho, para que essa não escutasse. Porém, era provável que ela não soubesse português e era, logicamente, uma precaução paranoica minha.