“Eu tenho certeza que já está bom, Emma.” – meu pai diz, batendo na porta do banheiro. Estou sentado no sofá da sala, rindo. Estamos esperando que Emma termine de se vestir.

Já estamos prontos há 40 minutos, meu pai e eu, mas como Rachel ainda não chegou, a demora de Emma não faz realmente muita diferença.

Emma finalmente sai do banheiro. Está linda, e meu pai faz uma cara de idiota quando a vê. Começo a rir outra vez.

“Está linda, Emma.” – digo, e ela sorri.

“Obrigada, Jesse. Você e seu pai também estão muito lindos.”

Emma é extremamente educada, portanto não sei se diz a verdade ou não. Apenas agradeço o elogio e continuo vendo TV.

Finalmente a campainha toca. É Rachel. Ficou de vir nos avisar quando sua mãe estivesse pronta. Estamos todos indo para a cerimônia de apresentação de Shelby à mídia,numa limusine paga pela emissora de TV. Levanto correndo do sofá e vou abrir a porta.

Não posso ver meu rosto, mas sei que estou com a mesma cara de idiota do meu pai.

Rachel está linda, absurdamente linda. Tudo o que eu consigo pensar é no quão linda, maravilhosa, estonteante ela está. Sorri para mim, e meche a cabeça para tirar o cabelo que caía no rosto. Continuo parado no mesmo lugar, com a mesma cara de idiota.

“Não vai me deixar entrar?” - pergunta.

“Não.” – meu pai responde por mim – “Nós já estamos saindo, antes que a Emma decida modificar mais algum detalhe da maquiagem.” – ele diz, e passa por nós. Saímos, descemos as escadas e entramos na limusine. Continuo com a mesmíssima cara de idiota.

Rachel e eu nos sentamos lado a lado na limusine, o que por sinal não é nenhuma novidade. Nossos pais ficam sentados de frente para nós. Fico olhando para Rachel, que está distraída observando a janela.

“Qual é, não fica me olhando assim, como se fosse a primeira vez que você está me vendo.” – Rachel diz, tirando uma mecha que está caindo nos olhos. Levanto minha mão para tirar a mecha de seu rosto, mas não posso. Não posso ousar tocá-la. Ela é minha bonequinha, minha princesa, minha pequena. Minha melhor amiga. Sempre foi, e sempre será a coisa mais preciosa para mim.

“É como se fosse. É como se fosse a primeira vez que eu te visse em toda a minha vida.” – digo, e ela sorri timidamente.

E eu definitivamente não posso compreender o que se passa em meu coração.

***

A festa foi incrível. Levou algum tempo para que eu tirasse a minha cara de idiota do ar, mas mesmo assim, isso não me atrapalhou de curtir a festa. Shelby deu entrevistas, falou sobre suas expectativas com relação ao novo trabalho, enfim, foi uma excelente profissional, como sempre. E quanto à mim e Rachel? Bem, ficamos dançando do nosso jeito esquisito, e comendo, comendo muito na verdade. Foi tudo muito divertido, e ficamos até quase o fim.

Eram quase 4 da manhã quando saímos de lá. Chegamos em casa 4 e alguma coisa, e Rachel, obviamente, dormiu no meu quarto.

“Está ansiosa para amanhã?” – pergunto, e ela balança a cabeça. Não estamos com sono, embora tenhamos que estar de pé em menos de 4 horas. Será o primeiro dia de Rachel na escola, e bem, mais um pra mim. Estou um ano a frente de Rachel.

“Não sei.” – Rachel diz, e pela forma como parou de falar, sei que quer me perguntar alguma coisa.

“O que foi?” – pergunto, e mesmo sem ver seu rosto, no escuro em que estamos, sei que ela rolou os olhos. Estamos abraçados, na minha cama, um de frente para o outro, o cobertor cobrindo até nossas cinturas. Rachel usa minha camisa cinza de dormir, e minha bermuda branca que encolheu na primeira lavagem. Estou sem camisa, apenas com minha bermuda preta de dormir.

“Jesse... o Finn ainda está por lá?”

Hudson. Finn Hudson. Capitão do time de basquete, Quaterback do time de futebol, líder do Glee Club, cara mais popular da escola. E um tremendo idiota.

Rachel nutre uma paixão por Finn Hudson desde que estudaram juntos, no 5º ano. Pode-se dizer que era apenas uma paixonite infantil, mas não para Rachel. Ela alimentou esse ridículo sentimento por todos esses anos, inclusive durante o tempo em que ficou no Canadá. Não que ela nunca tenha ficado com outros garotos, mas de fato, esse sentimentozinho irritante pelo Hudson nunca desapareceu completamente. Sentimento este que não costumava me incomodar tanto assim.

Respiro fundo. E então respondo.

“Está.” – penso em não dizer, por que sei que isso só fará com que ela goste ainda mais dele, mas não há nenhum modo de fazer com que eu seja capaz de mentir para minha melhor amiga – “Ele é o líder do Glee Club, na verdade.”

Rachel paralisa. Sei que quando faz isso, virá com uma torrente de palavras logo em seguida.

“Agora tudo faz sentido. É por isso que esse sentimento continua aqui dentro de mim depois de todos esses anos. Finn Hudson é o capitão do Glee Club!” – Rachel diz, sua voz cheia de expectativas.

“Bom, mas e daí?” – pergunto, e sei que ela está me olhando como se eu fosse a criatura mais idiota desse planeta.

“Como assim ‘mas e daí?’” – imita a minha voz, de uma forma mais idiota – “Faz TODO o sentido. O garoto e a garota de castas diferentes, ele o popular, ela a garota simples e sonhadora, unidos pelo poder da voz e pelo sonho em comum!” – Rachel está sentada, falando eloquentemente.

E eu me jogo na cama, com um travesseiro na cabeça.

Trim. Trim. Trim

“Jesse, acorda.” – Emma está me sacudindo. Provavelmente está me sacudindo há uns 15 minutos. Eu desliguei o despertador, como sempre.

“Anh.” – digo, abrindo os olhos. Rachel não está mais ao meu lado quando me viro.

“Ela foi pra casa uma hora atrás, se arrumar.” – Emma diz, se referindo a Rachel. Me sento na cama, balanço a cabeça, e uso toda a minha força de vontade para me levantar da cama e ir em direção ao banheiro.

***

Estou parado na garagem, esperando. Rachel ligou para o meu celular alguns minutos atrás, dizendo que já estava pronta, e pedindo para que eu a esperasse na garagem. Vamos no meu carro, um conversível vermelho que ganhei de Emma no meu aniversário de 18 anos. É usado, obviamente. Mas é meu, e eu o adoro muito.

Rachel está descendo as escadas nesse momento. Usa uma saia marrom e uma blusa preta, com um laçarote amarelo. Seus cabelos estão meio presos para trás.

“E ai, animada?” – pergunto.

“Manda ver!” – Rachel diz, e pula para dentro do meu carro.

“Eu mal posso esperar para ver a cara do Finn quando ver que eu voltei!” – Rachel fala, de forma confiante.

“Rach,” – falo, com meu olhar inquisitivo – “Hudson não deve nem ter notado que você foi, para começo de conversa”.

Finn Hudson, popular desde sempre, pegador da escola. Rachel Berry, a garotinha nerd que, embora tenha o sucesso e o reconhecimento como maiores objetivos da vida, sempre foi invisível. Imaginar um universo em que ele tenha sequer sentido a falta dela é uma coisa clichês demais para que eu chegue a tentar: não acredito muito em histórias de amor.

“Veremos, Jessinho” – Rachel pega meus óculos de sol no porta-luvas, e os coloca no rosto – “veremos!”.

______________

Estou me sentindo ridículo. Estamos no intervalo do almoço, e eu engoli meu hambúrguer tão rapidamente que é impressionante que eu não tenha engasgado. Quinn não se sentou ao meu lado no almoço hoje, nem mesmo Rachel, e é justamente esse o motivo de eu ter devorado o meu lanche em menos de dois minutos. E de estar me sentindo ridiculamente como um aluno da quinta série, espiando os meninos mais velhos. Hoje é o dia da seleção dos novos membros do Glee Club. E eu me esgueirei até o auditório, e me escondi na última cadeira, para assistir.

Embora meu pai seja o diretor do clube, nunca senti vontade de participar. Não que Quinn não tenha tentado me fazer assistir as reuniões, mas o Glee Club nunca foi lugar para mim. E considerando o fato de que a popularidade do Sr. Willian Schuster é tão grande entre os alunos que até mesmo Noah Puckerman – o idiota de moicano – faz parte do clube, esse definitivamente não é o meu lugar. Preciso estar vivo pra cursar direito na UCLA.

Quinn é a líder do Glee Club. Junto com Santana, a amiga sebosa que me acha um otário, e Britanny, a amiga sem sal que também me acha um otário, ela canta “I say a Little Pray For You” graciosamente, vestida em seu uniforme das Cheerios para, como dito pelo meu pai “mostrar aos candidatos o que estamos procurando”. Quinn tem uma voz incrível, e dança graciosamente, e queria poder dizer que ela é a razão de eu ter me esgueirado até aqui, mas a verdade é que não é. Rachel é o motivo de eu estar aqui.

A seleção dos novos membros se inicia, e meu pai pede por voluntários. Rachel logo levanta a mão, e o garoto cadeirante que também é meu colega – Artie Abrahms – vai até o piano. Rachel começa a cantar.

E meu mundo para imediatamente de girar.

Música: Own My Own – Les Miserables

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=bZB0-lSY2sc

Estou perdido. O mundo está quebrado, e estou perdido. O céu está desabando na minha cabeça, e estou perdido. Estou perdido, e estou me odiando porque tudo faz sentido agora, e não quero que não faça. Estou gostando do que sinto, e estou prestes a me lançar em minha própria fogueira, e não estou nem tentando evitar. Estou perdido, e estou pegando fogo, e meu coração não para de bater.

Todas as peças de quebra-cabeças do mundo começam a se encaixar. Conheço-a muito, conheço-a mais que a mim mesmo, e estou perdido em cada nota e em cada melodia da sua canção.

Rachel Barbra Corcoran Berry, minha amiga que nunca considerei como irmã. Minha melhor amiga no mundo inteiro, a que vi crescer, de quem literalmente acompanhei cada tombo e cada passo desde sempre. Rachel Berry é minha de tantas formas.

E não é minha da única forma que importa.