Era fim de julho quando a luz branca enjoativa foi recebida pelos olhos cor de avelã. Uma desorientação marcava a expressão da loira, que acordava após alguns dias internada. Seu acidente tinha ocupado as primeiras páginas dos jornais e as chamadas mais detalhadas da televisão, não havia um que não soubesse da tragédia da garota.

Dentro do leito do principal Hospital de Nova York, estava Judy Fabray, cheia de olheiras pelas noites mal dormidas, mas que, no momento, estava aliviada pela filha estar finalmente consciente. Um sorriso triste marcava seu rosto, afinal, não seria uma conversa fácil. A mulher mais velha chamou os doutores e aproximou-se de Quinn lentamente.

— Você acordou, querida.- Disse, sentindo seus olhos marejados.

— O-O que aconteceu?- As pupilas da cantora estavam dilatadas e ela parecia tremer ao observar a sequência de curativos que cobriam seu corpo e sua perna direita enfaixada e dormente. Haviam bolsas de sangue e soro conectadas às suas veias, o que causou ainda mais espanto. Ela estava pálida e vestia um roupão branco com o nome do hospital.- Beth está bem?

— Querida, espere a doutora te explicar tudo, okay?

Uma mulher alta de cabelos morenos apareceu no quarto, sua expressão era séria e em seus braços residia a ficha de prescrição de sua paciente. Quinn sentou-se com dificuldade na cama, arrastando a perna machucada com desconforto.

— Quinn Fabray. 23 anos. Acidente de carro na rodovia da cidade.- A médica leu, para logo olhar sua paciente nos olhos.- Bom saber que acordou, temos muito o que conversar. Meu nome é Shelby Corcoran, área de traumatologia, e acompanhei seu caso.- Ela permaneceu do lado de Quinn, observando seu desespero.

Judy variava seu olhar da médica para sua filha, sabendo que aquele diálogo era decisivo para o resto da vida saudável da cantora.

— Quinn Fabray- continuou Shelby- quando te resgatamos, uma imensa quantidade de alcóol foi encontrada em seu sangue...

— Por favor, doutora, só me conte se Beth está bem.- Soltou a paciente, desesperada para saber de sua filha.- Como ela está?

— Durante o acidente, você perdeu muito sangue, o impacto foi grande.- Ela olhava diretamente para os olhos avelã, que já previam a notícia.- Infelizmente, você sofreu um aborto, senhorita Fabray.

Quinn olhava a médica atônita, a boca da mulher ainda se mexia, mas a jovem não conseguia entender uma palavra do que era dito. Ela sentia as lágrimas caírem pelo seu rosto, grossas e quentes. Seu coração quebrando-se a cada vez que a frase se repetia em sua cabeça, a cada respiração dada, a cada vez que sua perna e barriga doíam. Um vazio grande parecia ocupar sua mente, seus lembranças ecoando para recordá-la da notícia, seu estômago revirando em desconforto. Ela sentia frio, escuridão e tristeza, talvez sua alma fosse assim, agora que carregava a culpa de ter perdido sua filha, ter perdido Beth para a raiva e bebida.

Não viu quando a médica se foi, mas percebeu o calor do olhar de sua mãe a aquecendo e seus braços a rodeando. Ela chorou com toda a força que tinha, o som de pequenos passos presos em sua cabeça, os cabelos loiros de uma garotinha surgindo em sua visão, mas logo desaparecendo, para dar lugar a outras ilusões.

— Eu sinto tanto...- Judy disse, acariciando a cabeça de sua filha, as lágrimas se juntando às dela.

— Eu também, mamãe.

— Sua vó não sabe, decidimos não contar.- Ela disse vagarosamente, para que pudesse ser compreendida.

Ela não obteve resposta.

...

...

Rachel Berry estava em seu consultório, analisando um senhor que parecia ter quebrado seu patela, apresentando graves dores ao tentar andar. O local era modesto, mas carregava parte da personalidade da fisioterapeuta. Existiam algumas estrelas douradas espalhadas em uma estante, ao lado de diversos certificados e diplomas que demonstravam a incrível inteligência da morena, tão jovem, mas tão avançada profissionalmente. O raio entrelaçado por cobras verdes brilhava satisfeito em seu jaleco branco.

Assim que seu atendimento acabou, uma mulher de aparência semelhante bateu na porta.

— Olá, Shelby, pode entrar.- Os olhos de Rachel logo se encheram de carinho, afinal, ela nunca se acostumaria em trabalhar junto com sua mãe.

— Olá, Rachel.- Um sorriso sincero marcou seu rosto.- Tenho um pedido para te fazer. Acho que já sabe que Quinn Fabray sofreu um acidente há alguns dias atrás.- Sua resposta foi afirmativa- Infelizmente a garota quebrou a perna e precisará de consultas domiciliares. A mãe dela está disposta a pagar pelo que for necessário, e acho que você é a mais qualificada para o trabalho.

A fisioterapeuta cruzou os braços e franziu o cenho.

— Se não me engano, Quinn Fabray tem uma péssima reputação em relação a suas maneiras.

— Ela tem, mas-

— Já pensou em perguntar para Tina Cohen-Chang? Já vi a garota escutando várias de suas músicas, ela também é boa na área.

— Rachel, por favor, essa pode ser uma otima oportunidade e, convenhamos,- ela abaixou o tom para confessar- você é a melhor daqui, filha.

— Eu vou pensar sobre isso.

— Pense rápido, Quinn está errasada. Ela sofreu um aborto no acidente.

— Espere!- Rachel sussurrou.- Quinn Fabray estava grávida?

— Pelo que parece a jovem escondeu da mídia.

A porta de seu escritório foi fechada e Rachel permaneceu sozinha, observando nervosa os vários livros que decoravam as prateleiras e os vários equipamentos espalhados pelo recinto.

Mais tarde, naquela mesma noite, a morena seguiu pelos corredores do hospital, até adentrar na área mais rica dos leitos. De longe, no quarto do canto, o mais caro de todos, ela pode ver uma garota loira, vestindo o roupão do hospital, sentada ereta na cama enquanto abraçava o travesseiro e cantava baixinho. Seu olhar observava através da janela e seu rosto refletia lágrimas iluminadas pela luz do luar, sua respiração era irregular e exalava sofrimento. Aquela não era a mesma menina fria e misteriosa que tratava rudemente seus fãs, mas com certeza era Quinn Fabray. Sua fragilidade assustou a fisioterapeuta, que aceitou o trabalho, a cabeça ocupada ainda pensando na situação de sua mais nova paciente: a garota era um desafio.

...

...

A manhã surgiu no quarto branco de hospital. Os primeiros raios de Sol foram detalhadamente acompanhados pela jovem cantora, que não conseguiu dormir naquela noite. Seu corpo pesava, absorvendo a dor de todos os machucados, a respiração devagar, acompanhando seus batimentos quebrados e lágrimas regulares, as quais não hesitavam em cair. Ela estava abraçada ao seu travesseiro, fazendo-lhe insistentes carinhos e o apertando com determinação. De vez em quando, Quinn passava a mão carinhosamente pela barriga, que ainda estava dolorida pelo impacto.

Ela tentava ao máximo não revisar o acidente em sua memória, porque qualquer esforço para lembrar-se dos detalhes fazia a cabeça da loira intensificar suas constantes pontadas. Tudo o que ela se lembrava era de ter bebida nas mãos, de ter bebido para descontar suas frustações. Seus pensamentos logo fugiram para a figura de sua avó, na tentativa de abandonar temporariamente sua realidade. Sue Sylvester, a frágil senhora que tanto lhe fazia bem, seu porto seguro para todos os momentos. "Como ela estaria agora?" Pensou agitada. "Ela teria tomado seus remédios? Teria se alimentado no horário certo?"

Seus olhos passearam pelo quarto novamente.

Judy dormia em uma grande cama próxima, seu sono fora conturbado, a cantora percebeu, mas não teve forças para acordá-la. Sua mãe foi a única que a visitou nos dias de internação, ficando durante todas as noites, esperando que a mais jovem abrisse os olhos.

A porta do quarto foi aberta novamente por Shelby, que agora vestia roupas roxas por baixo do jaleco. Quinn percebeu vagamente sua mãe levantar-se assustada do sofá. A médica proferiu um "desculpe por não ter batido" antes de olhar novamente para sua paciente, mas Quinn já odiava o olhar da mulher, tão profissional e sem vida, quase como se não tivesse coração. Com a mesma prancheta da noite anterior, continuou aproximando-se da paciente quando disse:

— Olá, senhorita Fabray. Espero que esteja melhor.- Quinn fechou os olhos com força e trancou a mandíbula.- Como deve ter percebido, sua perna está quebrada, e, como sua profissão exige que você se movimente muito, sua fisioterapia começará o mais rápido possível.

Quinn tremeu embaixo das cobertas, não gostando da ideia de depender de algo tão específico para sua melhora.

— E quem vocês escolheram?- Perguntou, revirando os olhos e apertando suas mãos repetidas vezes.

— Escolhemos a nossa melhor fisioterapeuta, Rachel Berry. Berry tem todos os requisitos para seu processo de recuperação e pode fazer atendimentos particulares, como o desejado por sua mãe.

A enferma observou sua mãe lançar-lhe um sorriso esperançoso, o que intensificou ainda mais seu pressentimento. Seja como fosse, Rachel Berry não lhe parecia agradável.

— Ela virá o mais rápido possível para analisá-la, Quinn. Por sinal, senhoritas, alguns jornalistas insistem em fazer perguntas, mas como profissional, indico que espere para participar de uma entrevista.- Falou a médica, apontando para a janela lá fora, alguns barulhos eram feitos lá embaixo.

Quinn suspirou, largando com pesar seu travesseiro, pedindo que sua mãe autorizasse as entrevistas ao mesmo tempo que sentia seu corpo inteiro reclamar.